O
Desafio
Adriana Frosoni
Eduardo e Ernesto dividiam a bola no campo de
futebol, driblavam o pai, disputavam o espaço corpo a corpo e se divertiam
diariamente nessa disputa desde pequenos. Os pais sempre foram presentes e
participavam ativamente das brincadeiras. Os meninos eram gêmeos, nascidos em
uma família abastada e educados nas melhores instituições. Embora fisicamente
semelhantes, suas personalidades e ambições eram notavelmente distintas.
O tempo passou depressa e o rapazes, agora recém-formados,
continuavam muito amigos e competitivos. Eduardo, médico, muito dedicado, via
sua profissão como um chamado divino. Ernesto, engenheiro mecânico e
especialista em robótica, sonhava em transformar o mundo com suas invenções.
O pai era um homem de princípios rígidos e sempre
acreditou que grandes sonhos deviam vir acompanhados de propósitos nobres.
Desde que enviuvou, ele conversava frequentemente com a foto da falecida esposa
na esperança de conseguir um direcionamento. “Sinto tanta falta de ouvir suas teorias
e planos! Você saberia o que fazer…”, pensou, sentindo a melancolia tomar conta
de si. Foi então que ele teve a ideia de propor aos filhos uma viagem de um ano
para algum lugar onde teriam que provar seu valor e capacidade de adaptação.
Cada um deveria partir para uma cidade pequena e remota, onde trabalhariam para
melhorar a vida dos habitantes.
Eduardo foi para Bronkhorst, na Holanda, uma vila
pitoresca com menos de 100 habitantes. Seu objetivo era criar a melhor clínica
médica para aquela comunidade simpática. Ernesto, por outro lado, foi enviado
para Gásadalur, a menor cidade do mundo na Dinamarca, com apenas 20 habitantes,
onde deveria aplicar seus conhecimentos para melhorar as condições de suas
vidas.
Eduardo chegou a Bronkhorst com grande entusiasmo,
determinado a criar uma clínica que faria diferença na vida dos moradores.
Porém, rapidamente se deparou com um problema inesperado: uma epidemia de gripe
havia se espalhado pela vila, e os poucos recursos médicos existentes eram
insuficientes. Eduardo sentiu o peso da responsabilidade em seus ombros.
Ele caminhava pelas ruas de paralelepípedos com uma
expressão tensa, seus olhos refletiam preocupação e cansaço. As mãos,
geralmente firmes e precisas, agora tremiam levemente. Dormia mal. Quando
atendia os pacientes, seu rosto mostrava um misto de compaixão e frustração.
Ele sabia que precisava agir rápido, mas sentia-se impotente diante da falta de
medicamentos e de equipamentos básicos.
Após um dia particularmente difícil, ele desabou em
uma cadeira de madeira na pequena casa onde estava hospedado. Sua cabeça caiu
entre as mãos, e os ombros largos se curvaram sob o peso do desespero. “Como eu
queria ter meu irmão por perto! Para ele eu poderia confessar minhas angústias
e minha impotência diante de tanta necessidade. ”, murmurou para si, numa voz
carregada de angústia.
Enquanto isso, Ernesto chegou a Gásadalur com um
arsenal de equipamentos tecnológicos e um plano ambicioso para transformar a
pequena vila. No entanto, o que encontrou foi uma resistência inesperada. Os
habitantes, acostumados a uma vida simples e isolada, viam aquelas máquinas e
robôs com desconfiança e até medo.
Ernesto, geralmente confiante e assertivo, viu-se
em uma posição desconfortável. Suas mãos, que antes manipulavam peças complexas
com destreza, agora gesticulavam nervosamente ao tentar explicar suas ideias.
Havia um verdadeiro abismo entre suas propostas e a realidade do lugar. Seu
sorriso, normalmente fácil e contagiante, desapareceu, dando lugar a uma
expressão séria e preocupada.
Certo dia, durante uma reunião com os moradores,
Ernesto percebeu que não estava tendo nenhuma aceitação. Um idoso da
comunidade, com o rosto marcado e os olhos penetrantes, levantou-se e disse:
“Nós não precisamos dessas máquinas. Precisamos de alguém que nos entenda e
respeite nossa maneira de viver.” As palavras atingiram Ernesto como um golpe,
e ele sentiu o rosto corar de vergonha e frustração.
De volta ao seu alojamento, Ernesto olhou para suas
invenções com um misto de orgulho e desânimo. Ele fechou os olhos e respirou
fundo, tentando controlar a ansiedade que apertava seu peito. “Como posso
ganhar a confiança deles? ”, perguntou-se, passando a mão pelos cabelos negros
e desgrenhados. “Se meu irmão estivesse aqui, ele saberia como me ajudar a
entender a necessidade desse povo! Daí eu poderia empregar a tecnologia assertivamente.
”
Determinados a superar os desafios, os rapazes
perceberam que teriam mais sucesso se deixassem a competitividade de lado e
unissem forças para atingir um objetivo maior. Entraram em contato um com o
outro e a partir de então conversavam quase todos os dias e compartilhavam as
dificuldades, na esperança de encontrar uma solução e de conseguir organizar as
próprias ideias. Aos poucos, começaram a ver pequenos progressos.
Soluções tecnológicas simples foram implementadas
para solucionar os problemas do médico. Coisas que sempre estão à mão quando se
estuda ou trabalha em grandes centros, mas que em locais remotos, durante uma
crise de saúde, precisam e podem ser improvisadas. O engenheiro, também
decidido a não desistir, passou a despender mais tempo com os habitantes,
aprendendo sobre suas necessidades e preocupações. E ao dividir essa realidade
com o irmão, foi entendendo como adaptar seu conhecimento de forma útil e não
apenas criar coisas mirabolantes que ninguém estava precisando.
Ao final de um ano, os gêmeos retornaram à casa da
família. Eduardo estava mais magro, mas seus olhos brilhavam com a satisfação
de ter superado a crise em Bronkhorst, além de ter conseguido melhorar o
sistema de saúde local. Ernesto, por sua vez, parecia mais maduro, com uma nova
compreensão da importância de praticar a escuta ativa e a empatia, mesmo quando
o assunto é tecnologia. O pai observou os filhos com orgulho. “Vejo que vocês
entenderam o verdadeiro valor da compaixão, da resiliência e a da capacidade de
fazer a diferença. ”
E os gêmeos também perceberam que, apesar de suas
diferenças, sempre poderiam contar um com o outro, desde compartilhar as
dificuldades até achar soluções para transformar o mundo. Não deixaram de ser
competitivos entre si, mas reservaram isso para os esportes e as brincadeiras.
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