O Desafio - Ledice Pereira

 


O Desafio

Ledice Pereira

 

– Onde meu pai estava com a cabeça quando resolveu me mandar pra este fim de mundo? – pensou Rafael, franzindo a testa, contrariado, ao olhar pela janela do pequeno avião que voava em círculos sobre a pequenina região, aparentemente sem condições de descer.

Consultou o piloto sobre a dificuldade de pousar ali, quando se viu projetado para a frente, tendo que se segurar fortemente no painel a sua frente.

A abertura da porta deixou que o frio o gelasse por fora e por dentro. Estava em Gásadalur.

O velho deve ter pesquisado bastante pra me abandonar no menor lugar do mundo – murmurou consigo mesmo, enquanto pegava a mala e a mochila onde trazia tudo de que precisaria para viver aquele ano num lugar como aquele.

Pensou em Miguel, seu irmão gêmeo que também deveria estar chegando ao destino lá na Holanda.

— Se ao menos estivéssemos mais perto. Que Deus me ajude a resistir a esse desafio!

Rafael não se conformava de ter deixado seu emprego, onde enxergava uma promissora carreira como engenheiro mecânico e robótica, para enfiar-se numa minúscula cidade como aquela, sem a menor perspectiva de encontrar o que fazer.

 

Enquanto isso Miguel, formado há dois anos em medicina, chegava ao pequeno povoado de Bronkhorst, um dos menores do lugar. Durante a viagem tentara desvendar o local, através dos vários sites, para descobrir o que fazer durante o próximo ano num lugarejo tão minúsculo. Tinha projetos de se tornar um médico de família, visitando cada casa de morador, mesmo sabendo tratar-se de uma população restrita. A cidade vivia do turismo, sempre lotada de visitantes que não ficavam mais do que dois dias.

O peito doeu lá no fundo. Sentiu uma enorme vontade de falar com o irmão. Eles costumavam apoiar-se incondicionalmente. Estava faminto, dirigiu-se para a pousada reservada, subindo a rampa de pedras indicada por um morador. Uma sopa fumegava no fogão cujo calor aquecia a pequena sala. Lutou para conter uma lágrima que insistia em querer pular dali. Foi conduzido para o aposento ao lado onde deixou suas coisas enquanto se lavava. Mais uma vez pensou em Rafael.

 

Rafael estava tão cansado que, após a refeição que lhe foi oferecida, dirigiu-se ao quarto, caindo na cama de roupa e tudo. Logo adormeceu.

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Nicolau se perguntava se havia feito o melhor para os filhos. A mulher deixara de falar com ele desde que ele tivera aquela ideia, segundo ela, totalmente maluca.

Ele já não sabia se havia sido justo ou cruel.

De um lado, seu coração o aplaudia pela coragem de tê-los desafiado.

De outro, batia descompassadamente, temendo que sofressem reveses. Sabia o quanto um dependia do outro. Queria vê-los lutando, separadamente, para vencer o desafio e poder merecer sua vantajosa herança que, no final, seria mesmo deles.

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A manhã fria do dia seguinte fez com que Rafael relutasse para sair debaixo das cobertas. O sol atravessava a fresta da janela, parecendo querer avisá-lo de que o dia já ia adiantado. Foi recebido com um belo sorriso, na sala onde havia uma mesa posta com quitutes que lhe encheram os olhos. Impossível não corresponder àquele sorriso. Sentou-se e deliciou-se com aquele café da manhã dos deuses. Estava de melhor humor.

Saiu para fazer o reconhecimento do lugar, procurou conversar com alguns moradores, todos foram muito simpáticos com ele. Afastou-se, chegando à beira do mar. A vista o deixou impactado. Uma queda d’água incrível o transportou dali. Parecia fazer parte de um filme. A natureza comandava o espetáculo. Permaneceu estático, olhos arregalados, hipnotizado. Avistou algumas casinhas, a maioria de madeira. Pareciam de brinquedo. Tinham uma vegetação no telhado?

Foi interrompido pelo barulho das pessoas que desciam de uma van. Eram turistas que fotografavam tudo, fazendo exclamações de admiração.

Resolveu sair devagar. A cidade não corria. Ao contrário da São Paulo onde nascera, ali ele conseguia sentir sua respiração, inspirando e expirando num compasso lento. Há quanto tempo isso não acontecia. Esboçou um sorriso. Talvez o velho não fosse aquele monstro que, a princípio, ele julgara ser.

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Miguel aproveitou a manhã para visitar os lugares, achando a cidadezinha um charme, com aquelas ruas de pedra e flores ornamentando as casas, embora os tijolos escuros dessem uma ideia de seriedade ao lugar. Resolveu alugar uma bicicleta para facilitar a visita, desvendando o que a cidade oferecia. Aos poucos, cruzou com os moradores que, com suas bicicletas, venciam os quilômetros que os separavam de suas casas, fazendo compras, que traziam em sacolas. Todos se cumprimentavam sorridentes, fazendo com que ele também passasse a sorrir e acenar para todos. À hora do almoço, procurou um dos restaurantes no caminho para degustar uma deliciosa panqueca e beber a cerveja que lhe foi oferecida. Estava encantado com Bronckhorst.

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Ao telefone, contaram um ao outro sobre as respectivas cidades e mostraram-se entusiasmados com as ideias de que haviam tido para implementar os conhecimentos relacionados às suas áreas de atuação.

 

Conversando com o dono da pousada, contando a ele porque estava ali este mostrou-lhe uma notícia de 22 de maio de 2024 que saiu no jornal local:

 

 ODENSE, Dinamarca, PRNewswire/ -- A Universal Robots, empresa dinamarquesa de robôs colaborativos (cobots), e a MiR, fabricante dinamarquesa de AMRs (robôs móveis autónomos), celebraram hoje a Grande Inauguração da sua nova sede de 20.000 m2 em Odense, Dinamarca.”

 

Ficou curioso, pesquisou a distância, eram 42 horas de carro. Mas poderia ir de avião. Entrou em contato com a empresa, encaminhou seu curriculum e solicitou um estágio no local. Com o que sabia de Inteligência Artificial, poderia aprimorar seus conhecimentos e criar em Gazadalur uma filial que seria muito importante para o lugar.

Enquanto não recebia uma resposta estudou tudo que pôde sobre a fábrica e o assunto.

Três meses depois recebeu uma resposta positiva, mudando-se temporariamente para Odense.

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Miguel, por sua vez, apresentando-se à Clínica existente em Bronckhorst iniciou seus trabalhos, atendendo pacientes que se dirigiam para ali procurando atendimento médico, a maioria, turistas. Aos poucos, foi se fazendo conhecer pela população local e, com seu jeito simpático, conquistando sua confiança.

Ao final de seis meses, passou a atender em domicílio, que era seu objetivo. As crianças na verdade eram sua prioridade.

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Nicolau, orgulhoso, acompanhava o movimento dos filhos que passaram a lhe telefonar mais amiúde para contar sobre a evolução de seus trabalhos...

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