Os
Gêmeos
Yara Mourão
Pedro
e Paulo se entreolharam. Cenhos franzidos, sorriso amarelo.
A voz
precisa e clara do pai desestimulava qualquer intenção de contrapartida.
Os
rapazes silenciaram, se despediram do pai e consideraram que, sendo gêmeos, teriam provavelmente a mesma intenção: mostrar ao pai que desempenhariam à
altura a tarefa que ele lhes destinara.
Pedro
se dirigiu ao seu consultório. Serenamente, consultou seu computador; teria
tempo disponível para seus projetos em medicina virtual. Reagendou
cuidadosamente seus compromissos e, a passos lentos, seguiu para casa a
preparar a interessante e inusitada tarefa.
Já
Paulo agitou-se na direção do carro; tentou não acelerar, mas foi em vão.
Chegou a 120 km por hora na avenida até seu laboratório. Lá, remexeu várias vezes
em seus stands, nas gavetas abarrotadas que deixavam material caindo para fora.
Procurava as peças que construíra, as fibras óticas que guardara já nem
lembrava onde. Suas mãos escorregavam ligeiras entre ferramentas, fios. Suava e
murmurava, entre dentes, palavras emboladas, nem sabia o que queria, na
verdade. Franzia a testa e passava os dedos pelos cabelos, os olhos
semicerrados.
Dias
depois, Pedro e Paulo se despediam no saguão do aeroporto; dois rumos, dois
sonhos, e uma incerteza: a de conseguirem mostrar ao pai o quão engajados
estavam em poder implantar, ainda que em terras distantes, algum progresso e bem-estar.
II
Gasadalur
– Dinamarca
Pedro
nem acreditou em seus olhos. Mirou longamente a rua vazia, que parecia saída de
um conto de fadas. Abriu e fechou os olhos, sentindo o coração acelerar um
pouco. Deixou-se levar pelas primeiras impressões. O ar úmido e sombrio e o
caminho estreito o faziam avançar hesitante, como que saindo do útero para uma
vida nova. Foi se aprofundando entre as
casinhas tão iguais até chegar a uma porta alta com a placa de uma cruz
vermelha. Decerto era o hospital. Tocou a sineta e lá de dentro alguém correu
uma cortina, espiou e, hesitante, abriu a porta. Uma senhora de meia-idade
resmungou um bom dia. Era uma mulher grisalha, com a testa franzida e lábios
constritos, olhar baixo.
Pedro
estendeu a mão, descuidado de maiores atenções. Foi entrando timidamente até
uma salinha com cheiro de éter, onde havia uma mesa e cadeiras. A senhora,
ainda na porta, mediu Pedro longamente e arriscou, num inglês tosco, as
primeiras conversas.
Pedro
até sorria. Estava diante de uma representante do tempo de Hipócrates! Explicou
meticulosamente o que viera fazer: implantar um método de atender os pacientes
à distância, por uma tela, sem que o doente saísse de casa.
A
senhora arregalou os olhos, juntou as mãos no peito, enxugou uma lágrima. Era
um enviado de Deus, decerto, esse homem de fala mansa. Isso era tudo que a
cidade precisava. Ao final da conversa, Pedro a cumprimentou e beijou-lhe as
mãos numa reverência sincera.
Sim,
estava tudo caminhando bem. Ele poderia iniciar seus trabalhos, ela
garantiu-lhe parceria.
Assim
foi. Desde então, Gasadalur nunca mais foi a mesma.
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Bronkhorst
– Holanda
Era
uma manhã ensolarada quando Paulo chegou à porta do escritório da Companhia
Elétrica Holandesa, num recanto turístico daquele país florido.
Ele
passou os dedos pelos cabelos e coçou a barba, como sempre fazia diante de
novas situações. Tentou se aprumar, ajustou a gravata, tossiu forte, engasgado.
Já
tinha os contatos feitos aos gerentes da companhia de energia da cidade para
mostrar seu projeto. Era a cara da modernidade, até um avanço no tempo.
Esse
foi um encontro de dois mundos. Aqueles senhores altos, ruivos e de gestos
largos, se agruparam aos pares, como uma barreira, frente à novidade que
chegava. Ele percebeu que eles formavam um quartel-general, mantenedor das
informações e dos bons costumes, uma fortaleza a ser conquistada.
Mas
Paulo adiantou-se às conversas, e olhando bem nos rostos dos homens, expôs, com
voz firme, os croquis para as instalações das antenas de Internet de alta
velocidade; explicou meticulosamente que os gastos seriam baixos, trazendo aos
moradores novas visões da atualidade com a implantação dessas novidades.
Os
semblantes dos donos da comunicação se alteraram: olhavam para baixo, se mexiam
nas poltronas, ora andavam de um lado para outro, ora se postavam imóveis junto
às portas.
Nesse
meio tempo interminável, Paulo se levantava e se sentava, elogiando a graça da
cidade tão atrativa para turistas. Comentava que seria um grande salto para os
moradores, um atrativo a mais para o local. Falava compulsivamente e para
convencer os funcionários fazia malabarismos com as mãos; ao mostrar fotos se
aproximava dos homens e tocava-lhes os braços, amigável.
Entretanto,
logo compreendeu que essa possibilidade de novas mensagens, novos conceitos,
seria uma mudança radical no entendimento daqueles senhores austeros.
Ele olhou para o relógio, voltou-se para as
altas janelas, rodou sobre os calcanhares; não tinha dúvidas: seu projeto não
seria realizado em Brokhorst.
Sem
dizer palavra, Paulo arrumou seus materiais cuidadosamente na pasta, ajeitou a
gravata, empertigou-se e saiu da sala com um leve aceno de cabeça. Já à porta
de saída do prédio passou o lenço sobre o rosto suado e, ligeiramente
encurvado, dirigiu-se a passos lentos para a estação de trem. Estava concluída
sua inglória missão em terras estrangeiras...
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