DIA DOS PAIS – MEMÓRIA - Oswaldo U. Lopes

 



DIA DOS PAIS – MEMÓRIA

Oswaldo U. Lopes

 


       João Pedro chegou cedo ao cemitério. Era domingo e dia dos pais, talvez por isso já tivesse gente por lá. Ainda não era muita gente, como seria mais tarde. Cada um ou cada uma tinha seus motivos para essa visita quase ao raiar do dia.

       João Pedro, que, pelo nome, se via ser nascido na segunda quinzena de junho de um ano que ainda começava com um e nove, tentava não misturar as coisas. Em sua própria casa, mais tarde, haveria almoço especial e gente, muita gente iria aparecer, afinal, ele era o pai vivo mais antigo do conjunto.

       Começou a procurar pelo túmulo, vinha pouco, mas se viesse todo dia continuaria a procurar sem achar o local em que estavam enterrados, seu pai, sua mãe e irmãos mais velhos. Sempre achava que as referências eram vastas e delas ele lembrava bem. Aquela sepultura com o Cristo glorioso em cima, aquela com a mulher chorando, a do anjo a tocar trombeta e assim ia.

A motivação era própria dele. As pessoas que ali estavam não iriam a lugar algum, lá estavam e lá ficariam à disposição dos visitantes, dia (no horário de funcionamento do cemitério) e noite (se você tivesse coragem e o muro fosse baixo).

João Pedro queria homenagear e orar em memória de seu pai, mas queria evitar que isso contaminasse a festa do dia para os que estavam vivos. Afinal, ia ter crianças, adolescentes e até recém-nascidos. Se você envelhece, é certo de que terá muitos parentes, e ele começou a sorrir com perspectiva. Gostava muito de conversar, sobretudo com os de meia-idade que estavam lutando para abrir caminho, fortuna e posição.

Naquele conjunto, tinha mais advogados do que médicos como ele. Cirurgião nenhum. Mas, o que esperar, a cirurgia que ele praticara nem mais existia. Ana Luiza, a mais velha na profissão, era consideradíssima no manejo do robô Da Vinci e fazia milagres sem sequer tocar nos pacientes. Num mundo em que a ética ganhara outros tons, até operara a distância através de robôs mais simples e médicos mais jovens.

Podia-se falar da medicina, como no samba do Chico Buarque:

Quem te viu, quem te vê.

Quem não a conhece não pode mais ver para crer.

Quem jamais esquece não pode reconhecer.

Com os advogados, a conversa era mais rebuscada. Afinal, o direito era uma das pedras fundamentais das civilizações. Vinha um pouco antes do “pega para capar’. Embora acumulando erros e decisões mal fundamentadas, era não só necessário como imperativo. Que o diga o filho que já era desembargador.

       E assim vagavam seus pensamentos enquanto depositava o ramo de flores, que trazia nas mãos, no túmulo de seu pai, onde se lia.

Antônio Correia Pires de Almeida.

Curou alguns.

Aliviou outros.

Consolou a todos que o procuraram.

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