O gênio da lâmpada
Ises de Almeida Abrahamsohn
Parte 1
Francisco e Maria tinham planejado a expedição para aquele sábado. Na pequena cidade de Minas onde moravam, corriam muitas lendas sobre a existência de um tesouro escondido no fundo, de uma caverna na época da mineração do século dezoito. Era uma região com muitas cavernas, das quais apenas duas não tinham sido completamente exploradas pelo povo atrás do tal tesouro. Os dois irmãos decidiram investigar a caverna do riacho Fundo.
Iam na direção do riacho Fundo munidos de mochila, água, pá de jardim e de uma corda de pular, grossa de sisal de uns 5 metros e dos faroletes de emergência retirados da gaveta da cozinha,
A entrada da caverna na época das chuvas, com o rio cheio, ficava atrás de uma queda d’água de uns 3 metros de altura. Com cuidado para não escorregar nas pedras lisas, os dois conseguiram passar por trás da cachoeirinha e entraram na caverna. O chão estava firme, mas após os primeiros metros a escuridão era total. Os fachos estreitos dos faroletes iluminavam o caminho à frente, mas não era possível clarear o teto e as laterais. Alguns morcegos, acordados pela luz e pelo barulho, voavam entre as paredes. Mas não assustaram os dois exploradores que sabiam que os radares dos morcegos evitavam os obstáculos.
Súbito, após avançarem uma centena de metros a caverna parecia terminar em um paredão de pedra. Examinando com a lanterna viram uma abertura no nível do chão de uns 30 centímetros de altura e uns 50 cm de largura. Não daria para eles passarem.
Podemos tentar cavar para aumentar o buraco, disse Maria. Ou a gente volta daqui.
Francisco topou a tentativa de alargar a passagem. Se revezaram, um raspando o chão arenoso com a pá, enquanto outro segurava a lanterna. Afinal, após quase uma hora de esforço, conseguiram alargar a passagem para poderem se esgueirar deitados para além do paredão. Puxaram as mochilas com os pés e deixaram a corda marcando a passagem.
Iluminaram o entorno. Era um espaço alto, seco, o teto de rocha lisa e nas laterais alguns recessos entre pedras lisas. Não havia morcegos ali.
Maria falou:
— Acho que antigamente o rio chegava até aqui, essas pedras são lisas e no chão às vezes tem umas pedrinhas iguais às de fundo rio. Se alguém fosse esconder um tesouro, seria entre essas pedras nos lados.
Francisco examinava as laterais.
Olha só, Maria, uma aranha totalmente transparente. Deve ser cega também vivendo aqui. Fugiu entre aquelas pedras. Vamos começar por ali mesmo.
̶ Detesto aranhas de qualquer cor, retrucou Maria, mas vamos começar.
Não vejo nada, só pedra.
Mas ao iluminarem o fundo da fenda entre as pedras viram algo que refletiu a luz.
Lá tem alguma coisa, exclamou Francisco com o coração acelerado. Vou pegar.
— Não é nada de valor, Maria. É um vidro grosso com uma base de metal. Parece ser uma lâmpada muito antiga. Vai ver que é uma lâmpada mágica, igual àquela da lâmpada de Aladim.
Ha, Ha, Ha fez Maria. Então vamos esfregar para ver e o gênio aparece. Está vendo? Nada acontece. Não é mágica.
Nesse momento a luz do seu farolete se apagou e Maria deixou cair a lâmpada de vidro que quebrou ao bater na pedra.
Um vapor azulado subiu do chão. No meio da nuvem azul, os dois viram um rosto magro de barba comprida com argolas nas orelhas.
— Meninos, que bom que me livraram desta prisão onde estou há milênios. Sou da Caldéia, da cidade de Ur, na margem do rio Eufrates. Vocês conhecem?
Bem, gaguejou Francisco assustado a gente ouviu falar na aula de história. Mas existiu há três mil anos.
— Pois é, eu era um gênio bem respeitado na época, mas um feiticeiro achou que eu não obedecia e me trancou nessa lâmpada de vidro. Como vim parar aqui não sei.
Maria, que era muito prática, indagou.
— Tá bem, seu gênio. Mas nós precisamos sair daqui e vou perguntar já se tem algum tesouro escondido nesta caverna.
— Não Maria, não há tesouro aqui, mas eu posso fazer alguns truques muito úteis se me tirarem daqui e me arranjarem uma nova casa. Esta é muito apertada e estreita. Não conseguia esticar as pernas e ficava todo torto.
Francisco não queria levar o gênio, mas Maria argumentou que ele poderia afinal fazer algo de útil para eles e parecia um bom sujeito. Poderia até ajudar nas tarefas de história antiga.
— Nós podemos levar você, mas tem que entrar numa garrafa. Não pode ficar aparecendo como fumaça azul atrás da gente. Depois a gente em casa arruma uma lâmpada legal para ser sua casa. Nós temos uma garrafa de água para carregar você. A gente esvazia e você entra e pronto.
O gênio não tinha outro remédio senão concordar. Quando viu a garrafa ficou entusiasmado.
— É bem mais larga do que a minha antiga casa. E que material bom, é bem mais transparente que o meu vidro e é macio. Mas o problema vai ser o buraco. É muito estreito para eu entrar.
— Chama-se plástico, não tinha na sua época. A gente vai cortar o gargalo para você entrar mais fácil. Meu irmão tem um canivete suíço para essas coisas.
Francisco interveio:
— Tá bom. Posso cortar e alargar a boca para ele entrar, mas como vamos tampar?
— Você ainda tem aquele pacote de chiclete? A gente mastiga um pouco e juntando uns três dá para abrir e esticar, fechando o buraco da garrafa.
E assim fizeram. O gênio se acomodou na garrafa de água tampada com o chiclete e colocada na mochila.
Fizeram o caminho de volta passando na abertura estreita e puxando depois a corda com as mochilas amarradas.
Foram andando bem depressa, quase no escuro, com a luz dos faroletes ficando cada vez mais fraca.
Por fim, alcançaram a entrada da caverna e a claridade. Já era próximo ao meio-dia, estavam com fome e chegariam para o almoço.
Parte
2
Francisco e Maria entraram correndo pela
porta da cozinha até o quarto de Maria, onde largaram as mochilas. Ouviram o
chamado da mãe para o almoço. Já era o já famoso segundo aviso para almoço da
mãe Dona Maria Lúcia. Quando ouviam o nome acompanhado do grito “Na mesa” bem
sabiam que era a última chamada. A mãe
era professora de ciências e geografia e durante a semana tinha tempo contado
para almoçar em casa e retornar à escola. Mesmo aos sábados, quando não havia
necessidade de voltar à escola, almoçava-se pontualmente às 12:15. Para fazer a
tarde render, justificava a mãe.
— E o gênio, vamos deixá-lo na garrafa?
Perguntou baixinho Maria ao irmão, enquanto a mãe conversava com o pai.
— Depois do almoço, a gente decide o que
fazer.
Os dois nem quiseram esperar
a sobremesa. Pediram licença e saíram apressados para olhar a mochila. A
garrafa estava lá. Decidiram liberar o gênio ali mesmo no quarto de Maria
depois de fecharem as venezianas e janelas e passarem a chave na porta.
— Imagina se ele escapa e sai assustando as pessoas por aí!
Falou Maria, certificando-se de que estava tudo bem trancado. Será que ele pode escapar pelo buraco da
fechadura ou pelo vão embaixo da porta?
Francisco era de opinião que
não!
— Mesmo espremendo não daria para passar!
Afinal ele disse que não conseguiria entrar na garrafa de água e tivemos que
cortar para a boca ficar mais larga.
Mesmo assim, Maria resolveu que era preciso
ter algum recipiente para conter o gênio e que fosse bem fechado com tampa.
Lâmpada daquele tipo antigo seria impossível de achar e lamparina de querosene
tinha uma manga de vidro, mas era aberta. Tinham que procurar na garagem onde
se guardava tudo que eventualmente pudesse ter alguma serventia. Dito e feito.
Nas prateleiras do armário da garagem encontraram um grande frasco de vidro com
tampa de vidro esmerilhado. Era justamente o que precisavam.
— Acho que cabem uns três litros aí, o gênio vai
ficar bem confortável. Precisamos lavar,
está muito empoeirada, no fundo, tem um pó estranho.
Quando
abriram o frasco sentiram um cheiro de fruta mofada. Provavelmente era usado
para compota de frutas ou para fazer licor.
Agora
no quarto, com o frasco lavado, era chegado o grande momento. Tiraram a tampa de
chiclete e viram logo subir a nuvenzinha azul.
O
rosto do gênio apareceu, estava mal-humorado. Começou reclamando do calor, pois
estava acostumado à temperatura estável e fria da caverna. Os meninos tiveram
algum trabalho para explicar que estavam no Brasil, em Minas Gerais, ao gênio
que era de uma época onde se desconhecia a existência de habitantes em outros
continentes e mesmo dos próprios continentes. Imaginem a dificuldade. Usaram um
globo terrestre de estudante para mostrar de onde ele vinha, atual Iraque, e
onde estavam. Foi uma complicação.
Primeiro, explicar que a terra era redonda. Depois, falar da Europa e a
descoberta do continente América. O gênio interrompia a toda hora e acusava os
irmãos de estarem inventando histórias. Não era fácil resumir 3.000 anos de
história. Já começava a escurecer e Maria e Francisco estavam cansados de
explicar e argumentar. Precisavam descansar e logo a mãe iria chamar para o
lanche da noite de sábado. A questão agora era como fazer o gênio parar de
fazer perguntas e ir para a garrafa.
Vocês já imaginaram como seria explicar a
atualidade para alguém que veio há 3.000 anos?
O gênio se recusou a ir para a
garrafa! Disse que gênios não precisam dormir e que ele ficou três milênios
fora do mundo e agora precisava se atualizar. Os irmãos não sabiam o que fazer.
Maria sugeriu que como não
conseguiam agarrar nuvem de gênio e colocar no frasco, a única saída era
distraí-lo enquanto eles tentavam continuar com a vida normal. Pelo menos
parecia que o gênio não conseguia mexer em nada. Ele via, escutava e falava,
além de sentir frio e calor e ter reclamado do aperto na lâmpada da caverna.
— Televisão! É
isso! Vamos fazer ele assistir TV para nos dar sossego. A gente coloca num
desses canais de história e ele vai ficar vidrado... Vamos pegar a TV antiga,
aquela menor, que está na garagem, mas ainda funciona, e instalamos no seu
quarto.
Francisco
tentou resistir, dizendo que não queria o gênio no seu quarto assim sozinho,
mas não adiantou. No quarto de Maria, não havia espaço e nem tomada para o
aparelho. Dito e feito. Colocaram a TV numa cadeira no quarto e convenceram o
gênio ao sair do quarto de Maria, atravessar o corredor e entrar no de
Francisco. Os meninos aí perceberam que o gênio não conseguia atravessar as
portas. Mesmo se achatando ao máximo, não conseguia passar pelo vão entre a
porta e o piso.
Foi difícil explicar para o gênio,
que eles apelidaram de Ge, como funcionava a televisão. Mas o Ge estava maravilhado com as imagens.
Com alívio, Francisco trancou a porta do quarto e os dois desceram para lanchar
de sábado.
A mãe havia preparado pizza e havia
salada de frutas e sorvete como sobremesa. Tudo que gostavam... Até se
esqueceram do gênio e do problema de como fariam para ter algum controle sobre
ele.
Tinham
percebido que Ge era um gênio sem muitos poderes, porém podia ser prestativo.
Tinha conseguido que a mangueira de regar o jardim se levantasse e passasse a
regar as plantas. Aliás, ficara maravilhado em saber que a água podia jorrar de
torneiras em vez de ser penosamente tirada de poço ou de rios. Não conseguia transformar objetos em ouro ou
criar palácios como nas histórias antigas das mil e uma noites. Ge confessou que havia uma hierarquia de gênios,
desde os iniciantes até os mais evoluídos e estudados que conseguiam fazer o
que relatava nas antigas histórias. Ele, Ge, sabia alguns truques, mas eram
menores.
Depois
do jantar, Maria retomou o assunto com Francisco antes de voltarem para o
quarto. Era preciso achar um meio de
controlar o Ge, argumentou Maria. Francisco concordou. Era exaustiva a presença
do Ge o tempo todo perguntando coisas e gênios não dormem, além do que ele se
recusa a entrar na jarra que arrumamos, lembrou o menino.
— Temos que investigar meios de
capturar fumaça... Se arrumarmos um saco grande de papel
resistente, a gente bem rápido inverte sobre a fumaça azul e amarra a boca do
saco para ele não escapar. Essa é a minha ideia, disse Maria.
Francisco fez um não com a cabeça. Não parecia muito convencido de que iria
funcionar.
— OK, pode ser que não dê
certo. Você tem alguma outra ideia? Perguntou Maria. Se não tiver, vamos tentar
essa e, vambora procurar um saco grande de papel aluminizado.
Acharam
no armário da garagem onde a mãe guardava papéis e embalagens para
presentes de Natal.
Aproximaram-se
do quarto de Francisco levando o saco destinado à captura do gênio. Ao abrir a
porta logo viram a fumacinha azul postada em frente à tela da TV.
— Meninos, que bom que voltaram logo! Tenho algo
importante para falar...
Os irmãos se
entreolharam.
— Depois de ficar vendo essas coisas que apareceram
nessa placa decidi que tenho que deixar a casa de vocês e sair para conhecer o
mundo. Cada coisa incrível que apareceu aí. E eu não posso ficar perguntando
para vocês o tempo todo.
Maria
suspirou aliviada. Estava resolvido o problema. Francisco sugeriu que Ge
levasse o frasco para quando quisesse descansar. Maria sugeriu que Ge se
instalasse na biblioteca da cidade, onde ele poderia aprender muita coisa e
usar os computadores para fazer perguntas. Ela iria ensiná-lo como usar.
Ge passou o domingo em frente à
TV. Na segunda, Maria e Francisco levaram Ge no frasco até a biblioteca. Por
sorte, estava vazia e os dois deram um rápido curso de como acessar os
computadores. Deixaram o frasco meio escondido no fundo das estantes.
Despediram-se do Ge com votos de felicidades. O gênio prometeu que iria manter
contato e sumiu atrás de alguns livros.
Será
que manteria contato? Algum dia, talvez...
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