O MAR POR TESTEMUNHA
Item 1 - DETALHES DO CENÁRIO – SUZANA E OSWALDO:
Estamos em pleno mar, o navio Ocean
King, que saiu do Porto de Santos, navega sem pressa pela baia da
Guanabara, para que seus viajantes possam contemplar o Pão de Açúcar, à
sua direita, e o esplêndido pôr do sol já ao final da tarde.
À hora do jantar, com mesas previamente reservadas, os viajantes se
acomodam, sorridentes, prontos a apreciar as delícias do chef francês.
Entretanto, percebeu-se que ficou um lugar vago à mesa, o que causou alguma
estranheza. Mas logo se esqueceu esse detalhe, assim que foi servido um vinho
como cortesia.
Ao término do jantar aconteceu um show no enorme palco, onde um pianista
extremamente talentoso se apresentou. Tocou algumas conhecidas melodias e
ainda atendeu a alguns pedidos da entusiasmada plateia.
Após sua performance, foi oferecida alguma bebida ao pianista, cujo
nome artístico era Edgar, natural da Sérvia, mas cidadão brasileiro por opção.
Finalizada a apresentação, Edgard se retirou, talvez já se recolhendo. Surpreendentemente,
logo se ouviu uma gritaria enorme e correria de muitas pessoas se movimentando
ao mesmo tempo.
“Nosso convidado, o pianista Edgard, foi assassinado em sua cabine, logo
que retornou do seu show”, anunciaram pelo alto falante em todos os andares do
navio.
A segurança foi imediatamente ativada. Deram a ordem de todos os
passageiros se recolherem às suas respectivas acomodações. Fecharam todas as
lojas, bares e restaurantes, teatro e cinemas a bordo. Neste caso, fora a
vítima, todos eram suspeitos.
Foi relativamente fácil verificar a identidade da vítima, pois seus
documentos estavam todos na sua cabine.
Pela Internet, acionaram a Interpol, uma vez que embora fosse naturalizado
brasileiro, verificaram que o pianista Edgard era sérvio de nascimento e viveu
na Sérvia numa época conturbada: a da cruenta Guerra da Bósnia, entre 1992/95
quando houve a fragmentação da antiga Iugoslávia, mantida até então pela férrea
mão de Tito.
O que se sabia até então, e antes da polícia técnica fazer suas
averiguações, é que ele devia ter sido asfixiado por uma corda de nylon, que
ainda estava em seu pescoço.
Por enquanto, não havia nenhum suspeito aparente.
Seria ele uma vítima ou queima de arquivo? Ou Vingança?
Os seguranças esmiuçaram a cabine inteira, atrás de digitais ou
quaisquer pistas da identidade do assassino ou assassina (não acreditavam que
seria mulher porque Edgard era bem forte, precisaria alguém de seu porte
para subjugá-lo).
O navio precisava seguir a viagem. Ficaram com a lista de passageiros e
mesmo o navio seguindo seu rumo, o comandante exigiu que se interrogassem os
2.500 passageiros.
A Interpol e equipes de policiais foram ao porto de origem, para ver se
havia tido alguma anormalidade ou atitudes fora do comum no embarque em Santos.
Item
2 - DETALHES DA VÍTIMA – TEXTO ENVIADO PELA ISES:
O
pianista Edgar era um sujeito de uns cinquenta anos. Tocava em bares e
restaurantes e navios de cruzeiro. Tinha sido recentemente contratado para
trabalhar em um enorme navio de cruzeiro o “Ocean King”, que zarparia do porto de Santos. Falava um português
mesclado de palavras em espanhol, porém, com um leve sotaque que denotava sua
origem de algum país da Europa oriental. Talvez da Sérvia, ou da República Tcheca
ou ainda húngaro. Era fluente em inglês e alemão e também se virava no francês.
Era um
pianista popular competente dominando o repertório internacional de hits
românticos dos compositores da primeira metade do século XX, americanos e
franceses e improvisava bem no jazz e na bossa nova. Seu horário de trabalho em
navios era das oito da noite até a uma da manhã, com quatro intervalos de
quinze minutos. Era metódico. Após usar o banheiro lavava cuidadosamente as
mãos e aplicava um creme hidratante com massagens ao longo dos dedos. Depois
fazia várias flexões de joelhos e exercícios com os braços para aliviar as
tensões da posição ereta ao tocar o instrumento. Voltando ao palco do bar ou
restaurante, parava no bar ou encomendava ao garçom um copo de suco e um de
água. Bebia o primeiro e o segundo costumava levar à uma pequena mesa ao lado
da banqueta do piano. Jamais tomava bebida alcoólica nos intervalos. Apenas ao terminar
sua apresentação de madrugada bebia uma dose de vodka gelada, em um só gole.
Depois descia para sua cabine localizada nas entranhas do navio, onde se
situavam as cabines dos empregados. Essa era a rotina que costumava adotar nas
viagens de navio, com eventuais pequenos ajustes.
Edgar
era muito reticente sobre seu passado e suas origens. Era um homem elegante, de
estatura média, porém, o smoking impecável o fazia parecer mais alto. Tinha
cabelo liso escuro penteado para trás deixando a testa livre. O rosto tinha
algo de oriental ou mongol pelos olhos escuros ligeiramente oblíquos e as maçãs
do rosto altas. Esta seria sua primeira viagem no Ocean King. Quando se apresentou a bordo pediu ao imediato
para ver a lista dos demais empregados sob o pretexto de verificar se haveria
algum conhecido de viagens anteriores. Percorreu atentamente a extensa lista.
Desde os maquinistas, comunicadores, até o pessoal da cozinha, os que
trabalhavam nos restaurantes e bares, arrumadeiras e animadores, grupos de
dança e atores. Enfim, a lista enorme de mais de duas centenas de empregados
para atender alguns milhares de passageiros. Ao devolver a lista comentou que
não havia encontrado nenhum conhecido, porém era explicável, porque seus outros
empregos foram em navios de rotas no Caribe e norte da Europa.
O
navio zarpou de manhã do porto de Santos para um cruzeiro de 25 dias costeando
o Brasil até Natal, de onde rumaria até o Senegal, na África e depois até
Cadiz, na Espanha, seu destino final. Às 19 horas, Edgar começou a se aprontar
para sua função noturna. Tocaria no restaurante principal até onze horas e
depois no amplo bar contíguo até a uma da manhã. Essa tinha sido a determinação
do coordenador de entretenimentos do navio.
Item
3 - DETALHES DO ASSASSINATO EM SI - ASSASSINATO NO OCEAN KING - ENVIADO POR
YARA MOURÃO:
Alexander
Mohamed tinha pressa. Preparava-se para uma vigília constante, pois Borislav
estaria a bordo. Mohamed, por sua vez, estaria de tocaia. Por isso, tinha
pressa.
O
transatlântico Ocean King já navegava; a paisagem do Rio de Janeiro desfilava,
bela e distraída, encantando o olhar estrangeiro de Edgar. Entretanto, esse
homem ia tentando, mais uma vez, esquecer que se chamava Borislav Yésénsky, e
que sua Sérvia era um lugar distante no espaço, mas não no tempo. Que a guerra
havia, sim, terminado, mas não para ele. Ele, que era um grande pianista, via,
quando tocava, sangue em suas mãos. Sangue muçulmano. De crianças, até. De
todos daquela família que ele dizimara na conturbada Bósnia, décadas atrás.
Mesmo
usufruindo de uma paz insólita nas viagens de cruzeiro, Edgard se apavorava com
a possibilidade de uma vingança. O único sobrevivente da chacina que causara
sempre estivera à espreita. Borislav sabia que era um homem marcado.
No
navio a ronda da segurança era eventual, mas Mohamed tinha armas insuspeitas:
cordas, sacos plásticos, soníferos, nada que pudessem apreender. E trazia,
ainda, o olhar do fanático que julga ser a vingança uma justiça divina.
Após
dias de navegação, chegou a noite de gala. Iam passar pela linha do Equador. O
comandante oferecia um jantar. Em seguida, haveria um concerto. O renomado
pianista sérvio ia se apresentar.
Era
um acontecimento raro, muito esperado pelos viajantes. Todos a rigor, pontuais,
felizes. No convés, olhos perspicazes acompanhavam os passageiros sob um luar
em tudo cúmplice.
Mohamed
entrou no salão do concerto antes de todos. Tinha pressa. Escolheu um lugar na
primeira fila. Quando o pianista entrou, seus olhares se encontraram.
Edgard
tocou como nunca antes havia tocado. Foi aplaudido de pé. Pediram bis. Edgar
pediu uma vodca antes de retornar ao piano. Degustou a bebida entre uma peça e
outra. Por fim, quando a noite já ia longe, para encerrar a apresentação, tocou
a Valsa do Adeus, de Chopin.
Fim
do concerto. Todos se vão às suas acomodações. À porta de sua cabine, Edgar se
depara com Mohamed. As sombras pintaram nas paredes o golpe fatal. Um laço, um
nó de marinheiro à volta do pescoço e o baque surdo no tapete. Era o fim daquela guerra para esses dois
homens desafortunados.
Mohamed
saiu pelo corredor e se enfiou no elevador, descendo para a última classe.
Deitou-se sobre uns sacos de serragem, acendeu um cigarro e deixou-se marear.
Já não tinha mais pressa de nada.
Item
4 - DETALHES DO SUSPEITO - ENVIADO PELA LEDICE:
Um
homem com cara de poucos amigos, cabeleira farta, cabelos negros, pesando mais
do que devia, que andava, manquitolando de um lado para o outro do enorme
navio, chamava a atenção dos passageiros, que procuravam curtir os primeiros
momentos da viagem, apreciando a vista.
Havia
algo de estranho no indivíduo. A forma como observava tudo e todos, fazia com
que parecesse estar à procura de alguém.
Chegou
afobado para o jantar, pedindo desculpas pelo atraso. Os integrantes daquela
mesa já enturmados, conversavam animadamente. O homem ficou ali meio à parte,
um pouco constrangido.
Procuraram
trazê-lo para o papo, perguntaram-lhe o nome. Respondeu como se não estivesse a
fim de se enturmar:
–
Aleksander Mohamed!
Jantou
rapidamente, não quis vinho, nem sobremesa. Parecia estar com pressa. Pediu
licença, levantando-se e dirigindo-se para uma das inúmeras salas de teatro do
andar, deixando cair no chão o guardanapo utilizado no jantar.
Não
deixou boa impressão entre os comensais. Acharam que ele destoava dos demais, parecia
sujo, com pouca higiene. Muito esquisito.
O
fio de nylon encontrado no pescoço do pianista era tão fino que não revelou
nenhuma impressão digital, fazendo com que o perito criminal se esmerasse em
encontrar uma outra prova. O copo com restinho de bebida, usado por Edgard, foi
separado num saco apropriado para identificar possíveis vestígios de alguma
droga adicionada.
Munido
de uma lupa potente, recolheu alguns fios de cabelos pretos e lisos, junto à
porta da cabine, talvez uma pista, que foi devidamente envelopada para análise.
O
carpete apresentava uma pisada, cujo tamanho 38, não correspondia ao do
pianista, homem corpulento e de pés provavelmente 43 ou 44. Fotografou.
O
interior da cabine parecia intacta, o que fez o perito concluir que o crime
teria acontecido quando da chegada do pianista.
Hora
da morte avaliada em mais ou menos às duas da manhã.
Relatório
feito, encaminhado à parte responsável pela investigação.
...................................................................................
Embora
o navio tenha continuado a viagem, os passaportes dos passageiros foram
recolhidos e verificados, contados e recontados. A lista inicial de passageiros
não batia com o número de passaportes recolhidos. Aquele lugar da mesa
continuou vazio, fazendo com que introduzissem outro passageiro que viajava só.
Mohamed
havia sorrateiramente, descido do navio sem deixar rastros.
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