O Homem manda e Deus desmanda - Ledice Pereira

 



O Homem manda e Deus desmanda

Ledice Pereira

 

Carlos acordou, naquela manhã, em estado de graça total. O canto do sabiá, que costumava irritá-lo, naquela madrugada pareceu-lhe uma suave sinfonia.

Tomou banho entoando “Majestade o sabiá”.

O café da manhã transcorreu em paz como há muito não acontecia.

A família entreolhava-se sem entender nada.

Carlos saiu ainda assobiando, após beijar mulher e filhos e saudar a diarista que o olhava incrédula.

Resolvera que nada viria estragar o dia ensolarado que se iniciava.

Ao ligar o carro, o rádio começou a tocar uma melodia que o deixou ainda mais leve, levando-o a cantarolar baixinho.

Atravessou os faróis com tranquilidade sem se importar com a frequência que se fechavam à sua frente.

Permaneceu em filas que se formavam sem ligar para a demora de cinco ou mais minutos, procurando entreter-se com o programa musical sintonizado.

Evitaria programas políticos que costumavam tirá-lo do sério.

Ao chegar ao escritório, foi avisado que o chefe estava a sua procura desde muito cedo, perguntando por ele a cada minuto.

Examinou a papelada em sua mesa, procurando não dar muita importância.

Dirigiu-se à sala do chefe, que considerava grande amigo, e com quem tinha uma relação sempre pacífica.

Encontrou-o de mau-humor, esbravejando, gritando ao telefone que desligou assim que o viu entrar.

Ia fazer uma brincadeira, mas, pela cara do chefe, viu que o assunto era sério.

Saiu da sala cabisbaixo. Entrou em sua sala, ligou para a secretária, solicitando uma caixa grande.

Havia sido despedido.

 

 

 

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