UM
FOGÃO NOVINHO EM FOLHA
Suzana
da Cunha Lima
Tanto
tempo e tantas esperanças a desenhar no coração como ela sonhava ser seu lar.
Não
que o marido se importasse muito. Tendo a cervejinha gelada no freezer e uma
picanha nos almoços de domingo estava tudo mais que perfeito. Mas ela queria
mais. Queria aposentos largos, banhados de sol, visitados pela brisa da
manhã. Não queria banheiro ou quintal comunitário, Deus me livre!
Tampouco cozinhas acanhadas, com piso meio quebrado e sujeira entre os
azulejos. Do jeito que ela via, era sujeira antiga, entranhada nas paredes
de gente muito relaxada.
E o
fogão?
Daqueles
que só jogando fora e comprando outro novinho, nada de segunda mão, com cheiro
de velhas comidas. Ela estava projetando iniciar um pequeno negócio de
marmitas para trabalhadores, com “comida de casa”. Precisava de fogão com 6
bocas e espaço limpo para guardar os utensílios e os alimentos, 2 geladeiras,
pelo menos... Céus, era coisa! Será que ele ia colaborar? Afinal, ela ia
trabalhar pelo bem do casal. Mas qual o quê! Nem deu para explicar direito seu
projeto de ganhar dinheiro e terem mais conforto!
— Para
de sonhar, mulher. Não queria uma cozinha espaçosa? Pois está aí. Pelo
menos esta cabe no meu bolso. Vou parar com esta história de me mudar
toda hora por capricho seu. Se queria esse luxo todo, devia ter casado com algum
riquinho do seu clube. E trata de fazer logo o jantar. O almoço
estava péssimo na empresa.
Ela
aproveitou logo a deixa:
— Não
te disse? Tem mercado para comida caseira. E isso eu faço bem. Só
preciso...
— Você
é surda? Alteou a voz com raiva acumulada de tantos “sapos” que era obrigado a
engolir durante o dia. Tantas decepções... Desta vez tinha sido preterido na
promoção sonhada. Estava como panela de pressão prestes a estourar. - Tira a
bunda da cadeira e começa logo esta janta.
Ela se
encolheu um pouco; não gostava de gritos, tampouco os modos rústicos e
grosseiros dele. Há quanto tempo aguentava aquilo?
Parece
que a panela dos dois estourou simultaneamente, fazendo um tremendo estrago.
Ela
estava com uma frigideira cheia de óleo no fogo e nem pensou duas vezes. O óleo
fervente escorreu pela cabeça dele e ela saiu correndo de casa ao som de seus
gritos.
Era o
que recordava agora, com um sorriso no rosto, enquanto mexia sua famosa sopa de
lentilhas no fogão novinho da cozinha da penitenciária.
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