O tio rico de Angola
Ises
A. Abrahamsohn
Lucila
era recém chegada na família. Casara-se há um ano com Bernardo, um dos cinco
irmãos que deixaram Portugal buscando melhores oportunidades no Brasil. Os
outros ficaram na Europa. Havia uma irmã casada que também viera para o país .
Foi num almoço de domingo que costumava
reunir as famílias na casa do mais velho que Lucila ouviu pela primeira vez
sobre um tio, muito considerado, o tio Alberto que morava na África. Parece que
era muito rico e não tinha filhos ou outros parentes vivos. Mantinha contato
com a família por cartas, uma por semana, que chegavam sem falhar e eram
endereçadas para os dois irmãos mais velhos, Abílio e José. As cartas passavam
de mão em mão lidas atentamente nos almoços de domingo. Ora em uma carta ora em
outra havia conselhos dirigidos a cada um dos irmãos sugerindo que fizessem
isto ou aquilo, no mais das vezes diretrizes ou conselhos para alguma transação
de negócios, compra e venda de imóvel, aplicações etc. Aparentemente todos na
família o tinham como um gênio financeiro e seguiam a maioria dos conselhos.
Afinal o homem devia entender mesmo de negócios em vista da fortuna que
amealhara na África. As fotografias da mansão onde residia e dos carros de luxo
atestavam seu sucesso e sua riqueza. Entretanto apesar de vários convites o tio
nunca se dispunha a visitar os sobrinhos no Brasil. Alegava ter artrite que o
afligia muito e mal-estar gástrico que o obrigavam a dieta rigorosa. Porém seu
aspecto nas raras fotos parecia bastante saudável. Lucila achava estranha a
reverência dos cunhados para com tal tio Alberto e não concordava quando seu
marido recebia diretrizes sobre assuntos financeiros. Na última carta, o
intrometido tio indicava que Bernardo devia se associar aos irmãos Eládio e
Abílio para abrirem um bar. Lucila foi absolutamente contra. O dinheiro que
tinham economizado era para dar entrada na compra de uma casa. Depois de alguma
discussão convenceu o marido a ignorar o conselho. Porém dois meses depois o
tio voltava à carga com o mesmo assunto. Lucila ficou desconfiada de tanta
insistência. Após o almoço quando todos estavam tomando café na varanda foi até
o aparador da sala de jantar e lá encontrou em meio a outros papéis, o envelope
da última carta. Anotou o nome do missivista, Alberto Pereira Marques e o
endereço na cidade de Nova Lisboa em Angola. Na época era difícil encontrar
alguém, sem Internet e telefonia cara. Porém foi no consulado onde conseguiu a
informação. O cidadão desse nome havia morrido há cinco anos. De quem seriam as
cartas, então? Lucila decidiu investigar antes de falar com o marido e com a família.
No próximo almoço fez uma nova incursão ao aparador onde numa antiga fruteira a
família jogava recibos, cartões de lojas, contas e também cartas e envelopes.
Ao lado havia uma bandeja com uma garrafa de vinho do Porto e cálices. Lucila
tinha começado a revolver a papelada quando viu um dos cunhados entrar na sala.
Teve a presença de espírito de agarrar a garrafa de vinho. O cunhado zombou: ─ Ora , ora a dona Lucila também gosta
de um vinhozinho! Deixe-me servi-la e também tomo um golito. Dizem que cura
todos os males! O vinho era realmente muito bom, mas ela ainda teve que
aguentar sorridente a longa explicação sobre os vários tipos de Portos. O
sujeito esvaziou logo o cálice quando alguém o chamou da varanda e Lucila
segurando o cálice numa mão pôde vasculhar os papéis na fruteira. E teve sorte.
Dobrou o envelope, escondeu dentro do sutiã, e tomou um último golinho do vinho
do cálice antes de voltar à varanda. No dia seguinte no escritório onde
trabalhava examinou o envelope cuidadosamente. Nada indicava sua origem, era
comum, tinha sido fechado com cola e selado. E foram os selos que chamaram
atenção de Lucila. Os selos eram de Angola, porém o carimbo era estranho. Um
dos selos parecia ter uma mancha como parte de um semicírculo com a data
borrada e num sentido diferente via-se a impressão de um círculo borrado e era
impossível ler a data ou lugar de expedição. Aí tem coisa, pensou Lucila. Tinha
uma amiga que trabalhava no prédio central dos Correios. A amiga olhou o
envelope e disse ter quase certeza de que o carimbo era falso. Iria levar a um
colega especialista. De fato, dois dias depois Lucila teve a resposta.
Tratava-se de uma falsificação grosseira, feita em casa mesmo, ele imaginava
com tinta diluída. Qualquer pessoa mesmo sem habilidade conseguiria fazer
melhor.
Sabendo
da falsificação, Lucila tinha que identificar os envolvidos. Suas suspeitas recaíram
em Abílio ou José, ou ambos. Não queria ainda levar o caso a Bernardo. A letra
manuscrita no envelope não tinha nada de especial. Como conseguir uma amostra
da letra dos irmãos? O aniversário de Bernardo se aproximava. Decidiu comprar
um livro caro sobre história da arte em Portugal e pediu aos cunhados e à
cunhada que escrevessem uma dedicatória ao irmão. E aí veio a resposta. Era a
letra de Abílio. Lucila deixou passar o aniversário de 30 anos de Bernardo,
muito comemorado, para contar ao marido o esquema dos irmãos mais velhos. A
letra era de um, mas José também tinha cartas do falso tio endereçadas a ele. Quando
confrontados, os dois se defenderam dizendo que só davam conselhos para o bem
dos irmãos. Mas na verdade quando a irmã e os outros não envolvidos se deram
conta viram que perderam dinheiro que era habilmente desviado para os dois irmãos
vigaristas.
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