O grande Xamã
Ises
A. Abrahamsohn
Dr.
Carlos se arrastou paquidermicamente até a porta. O velho médico já terminara o
atendimento do dia. Espiou pela fresta. Era uma mulher acompanhada por uma
criança de uns quatro anos.
Escancarou
a porta: ─ Vou lhe atender
num instante.
Foi
recompensado com um olhar de gratidão. Ela não estava habituada aos costumes da
cidade. Não que Itaperuna fosse cidade grande mas para quem vivia no fim de
mundo, seis horas em lombo de burro, era a metrópole. Aceitou a cadeira e, se
assentou, timidamente, ajeitando a saia.
─
É o menino, doutor, balbuciou. Já tem três anos e não fala.
O
médico olhou o garoto que fisicamente parecia estar bem e olhava
insistentemente a prateleira atrás da mesa, onde entre outros brinquedos havia
carrinhos destinados a distrair seus pequenos pacientes. Perguntou:
─
Qual deles você quer? Eu pego para você. O menino parecia não se dar conta da
pergunta. O menino nada de responder quando repetiu a pergunta, mas, sem
titubear, apontou o carro vermelho de bombeiros. O médico entregou o brinquedo
à criança que logo começou a brincar puxando e empurrando em todas as direções.
Perguntou
à mãe se ele nunca falara, e dela ouviu que era um menino muito calmo e que
respondia ao seu chamado, mas nem sempre. Ela já tinha pensado que ele poderia
ser surdo, mas tinha certeza de que ele entendia o que ela dizia, nem sempre,
mas entendia. Já fizera várias benzeduras, mas não resolveu.
O
experiente médico não precisou muitos testes para chegar ao diagnóstico.
— Minha senhora, seu filho é surdo, por isso não
fala. E sorrindo completou: ─ Ele é um garoto muito inteligente. Sozinho
aprendeu a ler o movimento dos seus lábios de uma maneira que ele entende o que
você quer dele e conhece quando você fala o nome dele ou mostra algo que ele reconhece.
─ Nós precisamos fazer alguns exames para ver se
treinando com um aparelho especial ele pode aprender a falar e talvez, talvez
ele ainda possa ouvir usando um outro aparelho. Mas é preciso levar ele para
Jundiaí e lá na Faculdade ele poderá fazer os exames.
A mulher com um ar deslumbrado exclamou:
─
Então, ele não é bobo, doutor ? Não é bobinho, doutor? Repetiu a mãe,
incrédula. Todos me falavam que ele é retardado.
─
Ele é muito inteligente. Não tem nada de bobo.
Assegurou
o médico à mãe que se levantou e foi abraçar o filho.
─
Ele aprendeu sozinho a ler o movimento dos seus lábios. Com tratamento vai
poder se comunicar, estudar e se desenvolver.
Logo
o rosto da pobre mãe murchou e ela retorcia as mãos enquanto falava:
─
Doutor, como é que ele vai poder ir para Jundiaí? Eu não tenho como pagar a
passagem. Não temos como ir para lá.
Quantas
vezes o doutor teve que enfrentar o mesmo problema. Mas o paciente médico do
interior já tinha experiência de tantas outras famílias como esta.
─ Calma, dona Eulália, a gente vai arranjar. Eu
tenho um quarto no fundo da minha casa onde a senhora pode ficar com o menino durante
uma noite e o burrico fica no terreno ao lado. De manhã bem cedo o transporte
da prefeitura leva a senhora e o menino para o hospital de Jundiaí e de tarde
traz de volta. Aí vocês dormem de novo lá no quarto e na manhã seguinte eu vejo
os exames e a gente vê como será o tratamento.
E assim foi feito. O garoto chamado Antônio, ou
Tonico, não era totalmente surdo. Com o auxílio de um aparelho auditivo passou
a ouvir suficientemente bem para aprender a falar e se comunicar. A família
mudou-se para a cidadezinha e Tonico ao ir para a escola revelou ser um menino
muito inteligente. O Dr. Carlos já aposentado continuava a olhar por Tonico.
Não tinha netos e decidiu custear os estudos para o rapaz que se formou em
engenharia eletrônica na UNICAMP. Histórias de médicos do interior...
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