A liberdade que não foi concedida na Praça da Liberdade - Ises A. Abrahamsohn

 


A liberdade que não foi concedida na Praça da Liberdade

Ises A. Abrahamsohn

 

Eu era garota de uns dez anos na década de 1950, quando ia visitar uma velha tia que morava no bairro da Liberdade, numa casa antiga, rés da calçada onde ela alugava quartos de sua casa com direito ao uso da cozinha e dos dois banheiros. Na época chamava-se esse tipo de alojamento casa de cômodos. Porém essa era respeitável, limpa e certamente minha tia em nada se assemelhava  ao tipo descrito no conto de Aluísio de Azevedo. Numa das vezes, estava lá de visita sua filha, minha madrinha, pessoa muito caridosa e devota. Convidou-me a ir com ela na igreja do Largo da Liberdade, em vez de meu caminho habitual na direção da praça João Mendes onde ficava o ponto inicial dos bondes que se dirigiam a Santo Amaro.

Era uma igreja feia, escurecida pela fuligem em cuja lateral, próxima à calçada, o povo acendia velas. Ao queimar escorriam a estearina contribuindo para o aspecto desolado e repulsivo da infeliz igrejinha. Dentro era muito simples, sem ornamentos, apenas algumas imagens que eu percebi serem de santos negros. Nossa Senhora de Aparecida e São Benedito disputavam as flores frescas colocadas em simples vasos de barro e as muitas velas acesas. Foi a madrinha que me contou a história da Igreja da Santa Cruz das almas dos enforcados, chamada por todos de “igreja dos enforcados” e a triste história do Chaguinhas. No largo da Liberdade na época do primeiro império ficava a forca para execução dos condenados. Francisco José das Chagas, conhecido como Chaguinhas, foi um cabo negro brasileiro do Primeiro Batalhão de Santos. Após 5 anos sem receber o soldo, acrescido que soldos eram muito menores do que os recebidos pelos portugueses, o cabo participou de uma revolta para reivindicar o pagamento. Foi injustamente condenado à forca, mas ao ser içado a corda rompeu-se e a população pediu clemência para o condenado como era costume quando isso ocorria. Porém, foi negada. Na execução seguinte, de novo rompeu-se a corda e foi novamente pedida clemência, desta vez a Dom Pedro I, porém antes da resposta que demorava a chegar procedeu-se ao enforcamento. Desta vez usando uma correia de couro. O povo revoltado gritava liberdade, liberdade e foi assim que o largo passou a se chamar Largo da Liberdade. A lenda conta que que o corpo foi esquartejado e despejado numa vala existente na capela dos Aflitos, na atual rua dos Estudantes. Lá ao lado, o Chaguinhas foi enterrado no cemitério onde eram enterrados os escravos e os executados. Até hoje, a igreja e a capela são de devoção da comunidade negra. Nunca esqueci o relato de minha madrinha, devota de São Benedito. Cada vez que passo ao lado da igreja lembro a triste história dessa região. 


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