O
MISTÉRIO DA GARRAFA
Oswaldo Romano
Toni, Flávio e Gabi, tripulantes no Yatch Roma,
antes de dormirem resolveram tomar um banho de mar. Os faróis aquáticos sob a
plataforma servem para a pesca e são úteis para o mergulho noturno.
Outros convidados, já na água aplaudiram a iniciativa dos
anfitriões. Equipados com pés de pato e snorkel distanciam-se da embarcação a
procura de, entre pedras e esconderijos, peixes e de olho nas lagostas. Predadores se revezam entre os próprios. É a
chamada cadeia alimentar. Também é um espetáculo ver refugiarem-se, medrosos.
Num dado momento os convidados foram alertados, e apressados
se dirigiram para onde Toni nadava, a uns 50 metros. Miravam um só lugar e ali
impacientes, hora batendo os pés, hora em demorados mergulhos, trocavam sinais
náuticos.
Toni voltando à lancha trouxe todo empolgado o motivo daquela
agitação:
— Achamos um pote. Pode ser um tesouro. Como se chama aquele
grande de barro?
— Talha?
— Não, tem duas asas, está quase todo enterrado.
— Eu sei, é uma ânfora, disse a tia Malú.
— É, é isso. Vou ver melhor, estão cavando para tirá-la.
No cockpit, mesmo os descrentes vibravam. Juntaram-se na
maior animação.
Inesperadamente, não um, mas toda tropa, numa debandada
ruidosa, desesperados vinham em direção a embarcação. Surpresos os embarcados esperavam
notícias.
— Oi gente, por favor, saiam da plataforma. Vou descê-la para
que subam, apelou o marinheiro. O primeiro que embarcou foi logo anunciando:
— Está muito quebrada, sem lateral, asa danificada...
Foi interrompido pelo
comandante.
— Por que tanta correria?
Por que esse barraco?
—
Calma, esperem, nervosos estamos nós. Ao mexer naquela coisa, saiu se torcendo
toda, uma enorme moreia. Nem todos viram, mas quando o Toni deu no pé todo
agitado, ahahaha... Ninguém mais quis ver.
— Pensei ter achado um tesouro,
- disse Toni. Não, mas lá tem mais coisas. Espere, vou voltar, nessa altura a
moreia se mandou.
Na lancha a curiosidade matava.
— Opá! Lá vem ele. Carrega
algo!
— Gente!? Veja o que achei dentro. Uma garrafa fechada.
Machuca a mão, tem muita craca.
— Suba logo, vamos abri-la?
— Cuidado! Vai que esse trem explode!
Claro, já esperavam e
encontraram uma mensagem. Dizia:
— Amigo/a. Parabéns e obrigado pelo achado. Joguei do meu
Yatch essa garrafa. Foram duas com pouca distancia. A irmã desta tem os mesmos
dizeres. “Estamos em 2011. Você não me despreze. Eu não agouro nada, mas o
Unhudo, um personagem espectro que vive atrás das trevas do mar, nunca falha
nas suas gêneses. Ao pegar esta garrafa sua vida já está marcada. De novo,
jogar-me na água, dobrará os males dos duendes que lhes foram reservados. Em
nove de dezembro de 2017, as quinze horas vá com camisa vermelha à Caverna do
Diabo. Fique e encontre na borda do Poço Azul, seu confrade, ou espere-o por
uma hora. Mãos dadas, olhem no fundo do poço. No espelho d’água está o número
do bilhete lotérico que os deixará milionários.“
Toni, crente, cumpriu religiosamente essa missão. O mesmo
aconteceu com o dono da garrafa irmã.
Deram-se as mãos e olharam com esperança a lamina d’água no
fundo do poço. Espelhada veem suas caras. Abrem círculos e surge no centro a
imagem do Unhudo. Com uma sarcástica risada, deformada pelo movimento da água
assusta a curiosa dupla.
Ficam entorpecidos, dopados, terrível dor ataca seus ouvidos.
Olham-se, procuram e saem da Caverna. No caminho encontram uma pedra.
Sentam-se. Melhora o sofrimento. Vem de encontro um encapuçado, é um monge
cenobita, diz:
—Vocês foram marcados pela cruz do demônio. Seria fruto dos
seus trabalhos que os deixaria milionários, como ficou o comandante do Yatch. A
ganância tem um alto preço.
Vê aquela igreja, assistam
lá o sermão. Aguardem o final, o padre vai reconhecê-los, e procurar salvar
suas almas.
— Sim, mas como ele vai nos reconhecer?
— Seus olhos. Seus olhos estão em brasa! Vocês estão prestes
a explodir e se tornarem inúteis duendes.
O monge deixando-os
estarrecidos, ajeita o capuz e se afasta.
— Vamos, vamos para a igreja. Penso que seremos salvos pela
orientação daquele monge.
E assim, não acreditando
no que vinha acontecendo, seguiram para o templo, procurando um refúgio.
—
Nunca, nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha aquela pedra.
Durante o sermão, o silêncio matava. Luzes cruzavam o espaço
cegando onde batiam. Terminada a cerimonia, sobra no templo apenas os dois. Olham-se.
Se assustam, buscam uma explicação. Chega o sacerdote.
Aproxima-se, pede que se ajoelhem, olha nos
seus olhos, apanha e balança a cruz de Cristo. Reza longamente em latim com a
mão sobre suas cabeças. Asperge água benta. Começa o ritual do exorcismo.
Envolto pela soberba, pergunta seus nomes. Eles balbuciam em língua
desconhecida. Enrolam. O padre reza, desafia o diabo. Suas palavras rebombam o
templo. Insiste, briga.
Eles
começam a pensar melhor. O padre esfrega e limpa as mãos. Envolve-os com seu
manto. Levanta os braços para o céu e enfrenta desatinos. Combate com
destempero, com profundas palavras cheias de razões, invocando todos os santos.
Num dado momento contraindo-se todo, seu rosto fica encharcado de suor e grita:
Quem é aqui o poderoso? Xô Satanás. Saia
e siga no espaço perdido. Vá pro inferno das brasas, onde é seu lugar. Xô,
xô, Satanás!
O padre silencia. Está
ofegante. Aguarda um tempo, impressionando os dois. Faz o sinal da cruz enquanto
na esquerda balançava o turíbulo.
— Ordena: Rezemos a sublime oração de Cristo.
Pai nosso... segue toda oração, pronúncia
palavras sacras e finaliza com o amém.
Levantem-se, pede com
autoridade.
— Com Deus, sigam seus caminhos...
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