Merecido
descanso
Ledice
Pereira
Hoje o dia está pra mim. Vou aproveitar que
todos saíram e investigar cada milímetro desse armário.
Sempre tive vontade de passar para o lado
de lá, mas eles nunca me deixam sozinha. Acho que, finalmente, baixaram a
guarda.
Pena que esteja tão escuro. Pelo menos, os
últimos raios de sol iluminarão o suficiente.
Que bom, estou me acostumando com a
escuridão. Já posso ver as coisas aí dentro.
Sou louca por fechaduras! Desde pequena.
Ah! Que maravilha! Essa liberdade me faz
despertar para um mundo de descobertas.
Esse violão aí dentro me parece triste. Não
me recordo de tê-lo escutado e olhe que já moro aqui há muitos anos. Coitado!
Está todo empoeirado. Aliás, tudo aí está empoeirado.
É. Há muito tempo ninguém vem arejar este
lugar. Deveriam tirar tudo daí, ver o que usam. O que não usam deveriam doar
para alguém que pudesse aproveitar, não acham?
Olha esses perfumes, quantos vidros! Tudo
empoeirado também. Mas que relaxados!
E esse relógio antigo, todo entalhado,
lindo de morrer! Adoro relógios. Gostaria de morar ali. Eles me virariam uma
vez por semana pelo menos, e com carinho.
Aqui sou tratada aos trancos e barrancos. Ainda
tenho que respirar toda essa poeira. Nem colocam um oleozinho em mim. Às vezes,
de birra, eu enguiço. Aí lembram que eu existo. Mas tenho que usar dessa
artimanha para que me notem.
Opa, escuto vozes. Acho que chegaram. Vou
me balançar até cair no chão e escorregar pra debaixo do armário. Vou dar um
susto nessa gente. Quem sabe me deem mais valor e até resolvam dar um trato aí
dentro.
Um, dois e... pumba.
Agora vou aproveitar para tirar uma soneca,
enquanto eles não vêm aqui. Esse escurinho é mesmo perfeito para o descanso de
uma linda chave dourada como eu.
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