Que Raiva! - Ledice Pereira

 



Que Raiva!

Ledice Pereira

 

Era o primeiro dia de aula para Fernanda, naquela escola. Com dezesseis para dezessete anos, sentia-se um peixe fora d’água. Os novos colegas quase a despiam com olhares curiosos. Por que seu pai tinha inventado de mudar de bairro bem no último ano do ensino médio? Bem que ele podia ter contratado uma van escolar para ela continuar na escola que amava, onde estudava desde pequena, conhecia todo mundo e estava super enturmada.

Ficara sabendo dias antes. Ele simplesmente dissera:

— Logo você se acostuma, faz novas amizades, vai ver. Tudo vai dar certo.

De nada adiantou chorar, implorar, suplicar.

Se ela pudesse, saia correndo dali pra bem longe e deixaria o pai bem preocupado, procurando por ela.

Será – pensou com seus botões – que ele se preocuparia mesmo? Ele só pensava no trabalho, nas contas, nas despesas. Tiveram que mudar pra diminuir os gastos. Casa menor, bairro mais simples, escola pública.

Que raiva! Tinha vontade de sair gritando aos quatro ventos que não queria ficar ali.

O sino anunciou que estava na hora de se dirigir para a classe. Sabia que estava na turma F. Não tinha a menor ideia de onde ficava. Detestava perguntar. Preferia procurar, errar, mas perguntar, jamais.

O pátio ia ficando vazio, cada um se dirigindo para a sala indicada. Os grupos passavam por ela apressados. Alguns a olhavam, outros davam-lhe encontrões e ninguém perguntava o que ela estava procurando, se precisava de ajuda, sentia-se meio invisível. Isso fazia com que ela sentisse mais e mais raiva. Tinha vontade de chorar, de fugir, de gritar.

A orientadora a encontrou parada no meio do caminho para as salas, em frente a uma escada, olhos marejados. Percebeu sua aflição, abraçou-a, indagando-lhe que sala ela estava procurando. Foi o bastante. A menina caiu num choro sentido, soluçando sem conseguir emitir qualquer som. Estava amedrontada, perdida, desamparada.

Foi encaminhada para a sala dos professores, deram-lhe água, deixaram-na chorar o quanto quisesse.

Mais calma, ela externou toda a raiva que sentia.

Do pai, que não a acompanhara, nem muito menos deixara a mãe acompanhá-la.

 Da mãe, que nunca enfrentara o pai, concordando com tudo que ele decidia. Que jamais teve sensibilidade para enxergar suas dificuldades, como, por exemplo, a de enfrentar mudanças.

Dos dois, por terem-na largado naquela escola nova, enorme, cheia de salas, no meio de gente desconhecida.

Dela mesma, por se sentir frágil, medrosa, desambientada, enfim.

Estava com muuuuiiiiitttta RAIVA!   

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