MEDO NA HORA I (H já era) - Oswaldo U. Lopes

 




MEDO NA HORA I (H já era)

Oswaldo U. Lopes

 

         Danilo, agora, já era antigo, veterano. Formara-se ali mesmo na FMUSP, seis anos de batente, com dois de internato. Depois, cinco de residência que culminaram em tórax e adjacências. Estava no quarto ano do primeiro emprego: Assistente do Pronto Socorro. Somando tudo, quinze anos de batalhas e desafios, muitos, a grande maioria no Pronto Socorro. PSHC era o lugar e lá ele os enfrentara e ganhara fama.

         Das chamadas emoções básicas, já experimentara todas: felicidade, raiva, tristeza, desgosto, surpresa e a mais apavorante, o medo. Só em pensá-la, lá vinham os calafrios.

         Tristeza, desgosto e raiva, a mais das vezes, vinham juntas: já era tarde, faltou o instrumento adequado, mau atendimento inicial, etc.

         Estava aí perdido em pensamentos, como o caipira, perto da porta de entrada, quando viu passar a criança, entubada, transfusão correndo, curativo no tórax (bala?), pele mais branca que o lençol da maca. Não parou para pensar, experiência vale por isso, correu para lavar as mãos na antessala da cirurgia.

Enquanto lavava as mãos com cuidado e rapidez, surgiu um homem com a expressão mais dolorosa que jamais vira, segurando na mão tremula um revólver de razoável calibre.

— Se ela morrer o senhor vai junto.

         É engraçado o que a gente pensa nessa hora. Não só o que pensa, mas a velocidade com que pensa. Ele chamou de senhor, havia respeito no ar. Podia começar por ali:

— Como é seu nome camarada?

— Firmino.

 Pois é, Firmino. Começou a lembrar do filme de faroeste. O médico de meia-idade, como ele, foi confrontado pelo jovem que dizia:

— “Ela não pode morrer, se morrer eu lhe mato”. O ator James Stewart, se não se enganava, voltava com uma bandeja cheia de instrumentos cirúrgicos, entre os quais se destacava um revólver de grosso calibre:

— “Se ela morrer, disse ele, saberei primeiro. ”

         Quanto tempo passará, nem 10 segundos, lascou com olhar sereno para seu Firmino:

— Meu bom amigo, se ela morrer, serei o primeiro, a saber. O que não falta neste PS é revólver ou pistola. Você pensa no calibre ou marca e ela ou ele vão aparecer. Aliás, estou vendo uma no vão da porta, a qual peço serenamente que se retire. Vou cuidar do que interessa e rápido porque já entendi que você só atira se ela morrer.

         Para saber o quanto de medo passará, seria necessário, como faziam com as compressas na cirurgia, passar uma nas suas costas e pesá-la para ver o quão úmida estava, puro suor adrenalínico. Já atirara com revólver e outras armas, CPOR etc., mas ter que encarar a boca de um enquanto pensa e argumenta não era tão simples assim, aliás, não era simples ponto.

         Peso das palavras, visão do que ia de fato acontecer, como saber, Seu Firmino depositou o revólver aos pés de Danilo e recuou. Este, com gesto firme, fez o pessoal da segurança se afastar e ficar quieto.

         Deu tudo certo, seu conhecimento e destreza venceram o medo que era preciso reconhecer, fora grande, enorme dessa vez. Acreditem ou não, seu Firmino foi para o quarto ficar com a filha sem que ninguém o incomodasse. Danilo não prestou depoimento, muito menos queixa e a arma não foi achada, afinal, ninguém teria coragem de pedir a chave do seu armário para o médico salvador da criança.

 

 

 

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