TRAVESSIA - Oswaldo U. Lopes

 


TRAVESSIA       

Oswaldo U. Lopes

 

                         Antônio era de Minas e como bom mineiro gostava de trem: foneticamente, figuradamente e literalmente. Tão literalmente que estava dentro de um com mais uns oito que como ele, adoravam trem.

                         Hoje Antônio vivia em Araraquara, onde tomara o próprio, gostava de lá, havia estação, trens e a fama de entroncamento ferroviário. Só não gostava da brincadeira de chamar mineiro de paulista cansado. Uma alusão aos bandeirantes que ao retornarem de suas investidas pelo Brasil, mudando tudo, até os mapas, tinham se estabelecido pelo sul de Minas Gerais, gerando povoados e cidades.

                         Em matéria de trem, Antônio achava que já tinha visto de tudo, mas não tinha. Naquele dia e naquele cruzamento, haviam desviado o de passageiros rumo a uma lateral para dar prioridade, acreditem, a um trem de carga.

                         O tal, pela pintura, era da Atlântica, a gigante do transporte de minério e grãos. Nos tempos de agora e no Brasil em que viajamos, a tal prioridade fazia todo sentido pensou Antônio. Tempos cruéis, em que a vida humana pouco vale, e o que mais vale é o dinheiro, se possível de cor verde, dólar para os íntimos.

                         Antônio, mestre na mineirice, resolveu ficar quieto no seu lugar, vendo o enorme trem de carga fazer sua manobra para seguir destino. Todos olhavam maravilhados o tamanho do bicho, poucos pensavam na tristeza do viver num mundo assim.

                         Então, em voz baixa começou a cantarolar uma música que também se chamava Travessia e fora composta por outro mineiro, dos bons, grande e enorme musico: Milton Nascimento.

Solto a voz nas estradas

Já não quero parar

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