A Cartomante 2 - Yara Mourão

 


A Cartomante 2

Yara Mourão

 

A primavera chegara indecisa, ensolarada porém fria demais. A garoa diária deixava os jardins viçosos e enlameados, nada convidativos para um passeio. Estava um clima estranho, não dava para confiar.

De certa forma Cecília experimentava uma semelhança desse tempo com sua própria vida, desde que se mudara da cidade para sua bela chácara no interior.

Viera recentemente, assim que seu marido adoecera. Esse retiro sagrado era uma recomendação médica para Raul.

Ele adoecera assim repentinamente. Uma tristeza enorme se abatera sobre ele causando-lhe um recolhimento total, um distanciamento dos prazeres da vida.

Na verdade Cecilia tinha uma suspeita antiga, alimentada pelo fato de que Raul, um dia, estivera na casa de uma cartomante. Ele mesmo lhe contara, sem, entretanto, revelar o que a vidente lhe dissera.

Nem precisava contar. 

Cecília intuía o pesadelo.

Sua história de ¨amor secreto¨, ¨encontros furtivos¨, certamente foram reveladas pela cartomante ao seu marido, que desde então se afastara totalmente.

Era um tormento para ela imaginar-se sem Raul, seu porto seguro, garantia de um futuro tranquilo, bem-posto e bem mantido.

Mas, no turbilhão de sentimentos, Cecília se sentia menos culpada e sim mais ofendida; pois fora desmascarada, assim na surdina, pelo assalto ao seu mais recôndito segredo.

Agora ela via seu castelo ruir.

O que a cartomante teria revelado? Teria sido o início daquele romance nascido nos encontros de família? Os momentos inesquecíveis vividos desde o primeiro olhar? O primeiro beijo?

Era um tormento! Não havia um só dia, uma só noite em que ela não se afligisse com esses pensamentos.

Tudo era nebuloso agora, angustiante, desde que aquela cartomante sem eira nem beira, passara a assombrar sua vida.  Que rasteira do destino!

E o tempo que ia passando tanto queimava seu coração quanto congelava corpo e alma de Raul.

Quanto sofrimento pelos descaminhos do amor...

Raul sucumbia lentamente, silenciosamente, como quem já quer partir, enfim.

Cecília, no ardor do desespero, amaldiçoava o universo inteiro, os sonhos idos, a vã felicidade desfeita.

Assim, a primavera de seu desassossego caminhou para o inverno de suas aflições. Pois ela mal podia crer que isto tudo se desfizera tão completamente, num único dia, por causa de uma reles cartomante, sem eira nem beira.

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