Panela velha - José Vicente J. Camargo



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Panela velha                                           
José Vicente J. Camargo



Ela não tinha do que reclamar, pensava. Filhos universitários iniciando vida profissional em boas empresas, bons salários, o mais velho procurando apartamento para morar com a namorada e, se o calor da paixão não esfriar na metragem apertada, passar no cartório para oficializar a união sem formalismos nem festas que só servem para aguçar os olhos dos convivas e esvaziar seus bolsos já desfalcados.

A filha mais nova, ao contrário dela  Ah! Quem me dera pensar como ela, mas no meu tempo tudo era diferente! Colecionava namorados e os descartava assim que notasse a tal “incompatibilidade de gênios”. Gostava de festas, roupas de grife, viagens e desejava fazer carreira na empresa nada menos que ser executiva chefe – e pertencia a uma ONG que lutava para o empoderamento da mulher!

Além dos filhos bem encaminhados, tinha casa e carro próprios, empregada mensalista, apartamento na praia e um dinheirinho na poupança juntado do que sobrava da mesada que recebia do marido a qual, chegando a um montante palpável, convertia em ações compradas de um corretor de investimentos companheiro do seu grupo de pôquer.

Se, com todas essas regalias de pertencer à elite minoritária das donas de casa de um país empobrecido, e ser mãe orgulhosa, por que então trazia no peito o gostinho amargo e doído? Ah! Refletia, a semente surgira há muito tempo, quando casara muito jovem a procura de novas sensações que o pai autoritário não lhe dava conhecer. 

Os anos passaram e o ímpeto do fogo inicial foi se apagando sem que novas brasas o reacendessem. O marido, que de amoroso passou a atencioso e de amante a companheiro, foi colher sua margarida no jardim alheio sem que isso a afetasse, pois, o que os olhos não veem, o coração não sente.

A dorzinha no peito virou dúvida, não daquela cruel, mas de satisfação com um certo orgulho, quando recebeu dele o desafio, que sua filha chama de cantada, na última rodada do jogo de pôquer. Mostrou suas cartas: “quadra de ases”, bem maior que a “trinca” dele. Ganhara o direito da escolha: decidiu balbuciando pelo sim...

Chega de ouvir a musiquinha que detesta:

“Panela velha é que faz comida boa...”

Ela ainda tem muita pressão,  e comida boa, é só a de restaurante francês...

E a dorzinha virou vontade de viver...




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