OSWALDO U. LOPES - VÁRIAS HISTÓRIAS


RECORDANDO ANTIGOS TEXTOS




OSWALDO U. LOPES


CELULAR NA FILA DO BANCO
DIÁLOGOS - HISTÓRIAS CURTAS

Mamãe, você pode pegar o Raulzinho na saída da escola?
Posso sim. Que boa novidade, desde que você se separou daquele crápula e veio morar conosco, só vive para o trabalho e para o Raulzinho.
Obrigada, tá! Às vezes eu penso que a vida tem jeito, né?
Claro que tem! Por falar nisso aquela mancha roxa que você tinha no pescoço, no café da manhã, tem alguma relação com sua chegada tarde da noite na véspera?
Mamãe!
Você saiu com uma echarpe para disfarçar? Não me diga que foi fazer uma visita para o seu ex. Com tanto homem por ai!
Mãeeeeeeeeeeeeeeeee! Que horror! Que vergonha!
Horror nada, vergonha é roubar e não poder carregar. Pergunta pros políticos.
Mãe eu estou na fila do banco, está cheio de gente, e eu não consigo desligar o viva voz. Te manca tá!





A GOTA D’ÁGUA IRRELEVANTE


        Lá vinha ela escorregando pela folha larga e verde, havia outras, mas ela se achava muito especial. Sem mim, o rio seca, ela pensou enquanto com certa soberba olhava outras gotas d’água que escorregavam também.

        Quem foi mesmo que disse   que o rio é imóvel? Parmênides ou Heráclito? 

E olha ela esbanjando sabedoria, como é que uma simples gota d’água sabia que o rio pode ser considerado imóvel, porque o movimento é ilusório ou nunca o mesmo porque suas águas estão em movimento constante como argumentava Heráclito:

        “Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio”

        Lembrou até daquele menino, aluno de Agronomia que sentado na margem falava meio italianado:

        “A água vai para onde ela quer e não para onde você quer”, refletindo a ideia de que você não pode dirigir o fluxo de água por sua vontade, porque ela não tem vontades e segue mesmo é as leis da física.

        E a nossa gota d’água onde anda? Soberba e altaneira acaba de descobrir que também não vai para onde quer, mas para onde as leis da matéria a levarem. Bem que tentou se segurar na borda da folha, mas só deu tempo de gritar socorro e cair no fundo de uma linda rosa.

        Oba! Um lugar digno de mim exclamou! Só que outras gotas foram chegando e a rosa se encheu d’água e transbordou.

        A gota caiu no rio e enquanto navegava pensou:

        ─ Heráclito tinha razão o rio nunca é o mesmo. Não sou irrelevante! Sem mim o rio não anda! Bem, é verdade que sem mim inclui milhares de outras gotas d’água, mas a minha parte é só minha.






ANTONIO, O CONSERTADOR


        Antonio sonhava consertar o mundo. Parecia que tinha nascido do verso de Geraldo Vandré “Eu vivo pra consertar” ou para querer consertar porque na prática o resultado era pífio. Parecia coisa de escoteiro, sempre alerta e uma boa ação todo dia. Antonio, porém tinha espírito crítico e embora jovem, vivera muito, calejado sabia das coisas e tinha até medo desse negócio de escoteiro lembrando, temeroso os versos italianos, cômicos embora vulgares. Escoteiros:

Sono dai bambini vestiti da cretini,
Comandaditi da cretini vestiti da  bambini”.

        Mas que sonhava consertar o mundo sonhava. Tinha horror das injustiças ou até melhor tinha delas ódio ferrenho. Gente sem teto, sem terra, sem saúde, sem escola, sem educação (não de modos, mas de leitura, de cálculo elementar), sem comida, em suma, à margem da vida. Tinha também pena das vitimas dos fenômenos da natureza: terremotos, tufões, tsunamis, enchentes, avalanches etc. Grandes cidades sem condução pública de razoável qualidade, poluição, congestionamentos enormes, estradas abarrotadas, filas nos cinemas. Tudo dizia respeito a Antonio e ele queria consertar tudo isso.

        Do jeito que ele encarava as coisas, o conserto tinha que começar bem lá atrás, na criação do mundo, assim só poderia ter sucesso se fosse Deus. Bem no intimo era o que pensava: se fosse Deus teria feito tudo diferente.

        Não deu outra, o Todo-Poderoso cansado daquela lengalenga, tão antiga quanto sua própria obra de criação do mundo, se encheu.

        Podia simplesmente ter pensado, mais um a querer participar do comitê celestial, dane-se que vá para o inferno se entender com satanás. Desta vez, porém, Deus estava irritado e bravo, chamou o anjo Rafael que era o encarregado desse tipo de missão e lhe disse:

        “Você vai lá e vai fazendo tudo que ele quer para consertar o mundo, apenas avise-o das conseqüências das modificações e se assegure que mesmo assim ele as quer. Se ele quiser destruir o universo para começar de novo ai é bom você me acordar e avisar para tomarmos alguma providência, para modificações de pouca monta nem precisa me consultar.”

        La foi Rafael encontrar Antonio que olhava melancólico e emburrado na TV o terremoto do Nepal e apresentou-se:

Eu sou Rafael, anjo do Senhor e estou aqui para te ajudar a consertar o mundo.

        Antonio olhou um pouso espantado, mas não muito, como se já esperasse por aquilo, porque alguém tinha que dar um jeito na terra. Se era para valer vamos começar com os terremotos e tsunamis.

        — Se você quer me ajudar a consertar as coisas, vamos começar pelos terremotos. Vamos acabar com as crostas, fendas e o magma terrestre, vamos transformar a terra numa massa sólida e não essa casca de ovo quebrada em pedacinhos que vocês fizeram.

        — Se este é seu desejo assim será feito, mas devo alerta-lo que isso resfriará totalmente a terra, o eletro magnetismo desaparecerá e os mares se tornarão inviáveis, em resumo a vida tal como a conhecemos hoje desaparecerá da face da terra.

        É claro que Antonio desistiu, optou pelo fim das enchentes, mas foi alertado que sem elas a terra se tornaria seca e inviável para cultivo e a fome bateria na porta, alias já estava acontecendo, mas, por hora a coisa ia devagar.  Nova desistência. Pensou na educação e pediu um sistema educacional que garantisse um ensino bom e de qualidade.

        E lá veio Rafael explicando:

        — Boa e generosa ideia, só que para dar certo precisaria ter começado lá atrás. Na parte material até que se podia dar um jeito, a construção de escolas e belos edifícios não é impossível de se obter de imediato. Mas, você sabe Antonio prédio sozinho não ensina ninguém. Precisa de professores e muitos. Você tem que formá-los e paga-los razoavelmente de forma a que se interessem pelo que fazem, caso contrário nada feito. Esse passe de mágica, nem o Todo-Poderoso consegue.

        Nova desistência e novas idéias e assim foi, ao fim Antonio entendeu que não ia conseguir mudar o mundo e, acreditem, desistiu. Desistiu tão alto que Deus acordou e pensou:

        — Bem, menos um para me encher o saco.

        E Antonio? Começou a pensar mais em concertos do que em consertar. Experimentou umas pingas de Salinas e não deu outra, quando vinha vontade de consertar o mundo afogava a vontade numa boa cachaça e num toque de viola.


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