RECORDANDO ANTIGOS TEXTOS
FERNANDO M. BRAGA
AQUELE
CHAPÉU
Seu Francisco, à noite, guiando sua
caminhonete em estrada vicinal, tendo ao lado sua mulher, acabou atropelando
uma vaca que perambulava pela estrada. O impacto foi tal que o animal acabou
penetrando parcialmente dentro do carro após estourar o para-brisa, atingindo o rosto e a cabeça que morreu na hora.
Seu Francisco na cabeça, no tórax, foi levado com urgência para o pequeno
hospital, inconsciente. Drenado um pneumotórax, recuperou os sentidos e após 15
dias já podia se comunicar. Ficou muito abatido, abalado quando soube da morte
da esposa.
Nunca mais recuperou sua atividade e o
prazer de conduzir os seus negócios poucos foi definhando. Prevendo sua morte
chamou três filhos e compassadamente lhes disse:
— Estou no fim da vida
e nem tenho mais prazer em viver. Sinto que minha morte, está bem próximo. Quero
dividir o que temos.
— Para você Rodrigo, o
mais velho, quero deixar o meu sítio e metade do dinheiro que tenho no banco.
Para você Flavio deixo nossa quitanda, esta casa e ainda os outros 50% do
dinheiro que está no banco.
Levantou-se com dificuldade, foi até seu
guarda roupa, de lá tirou um chapéu tipo Panamá, cinza, usado, mas bem
conservado e colocou-o na cabeça de Otávio, o filho mais jovem dizendo:
— À você,
meu querido filho deixo este chapéu que usei em minha vida, com a certeza, de
que será muito bem cuidado por você.
Como previra, a morte veio busca-lo
apenas dias após.
Após o enterro, os irmãos se reuniram e
discutindo sobre a último desejo do pai disseram:
— Achamos
que nosso pai não foi justo, devia estar um pouco fora da realidade. Você, Otávio, não recebeu nada!
— Nos
dois conversamos e pretendemos dividir o que papai nos deixou. Você não será
prejudicado.
— Não,
não, não, exclamou Otávio. Tenho a certeza que ele estava plenamente senhor de
si, quando fez a divisão. Não vou aceitar.
— Sabe Otávio, nós
sempre achamos que você, desde que nasceu era o filho predileto, preferido do
papai e da mamãe também. Vocês eram muito ligados, mais do que nós. Vocês
conversavam muito entre si. Acreditamos que não foi justo o que ele fez. Pode
contar conosco. Vamos dividir, sim!
— Pelo
contrário, se assim ele quis, é porque foi justo.
— Pretendo
deixá-los em breve, ir em busca da minha própria vida, da minha lenda pessoal.
Vou para nossa capital, Belo Horizonte, arranjar um emprego e continuar meus
estudos. Pretendo ter uma profissão e me formar médico. Não sei se vou
conseguir, mas vou tentar. Só desejo que vocês sejam muito felizes.
— Tenho um pedido, se
não for exagerado. Gostaria que me emprestassem uns R$ 10.000,00, para ir a BH,
onde arranjarei uma pensão, um emprego e uma escola.
— Não
tem problema! Esperamos que tenha sucesso. Se precisar algo mais, pode se
comunicar conosco.
Assim, dias após, foi até a rodoviária e
comprou a passagem para Belo Horizonte. Voltando para casa, arrumou sua mala,
colocou o chapéu em uma das mãos e pegou o ônibus, caminho para BH.
No caminho, foi matutando, pensando em
sua vida, o que encontraria à sua frente
naquela grande cidade, que ainda não conhecia. Estando o chapéu no
joelho, olhou, alisou-o, lembrando carinhosamente de seu pai, endireitou sua
aba e colocou-o na cabeça.
Serviu
muito bem, mas sentiu uma vibração em seu corpo, uma sensação estranha, que não
era nem boa, nem má. Tirando o chapéu a sensação desapareceu, reaparecendo
quando o recolocou. Mantendo-o na cabeça, logo a sensação foi desaparecendo. Em
seu íntimo, não sabia explicar a sensação diferente que experimentara.
Após três horas, o ônibus parou em um
restaurante à beira de estrada.
Com o chapéu na cabeça, pediu um café
com leite e um sanduíche. Após sua pequena refeição, recebeu a comanda para
pagar na saída. Quando chegou no caixa, o empregado disse: Pode passar. O chapéu
pagou.
Não
entendeu.
Insistiu no pagamento, mas teve a mesma
resposta. Acabou passando sem nada pagar. Matutou: Será que algum
conhecido pagou para mim? Mas, eu não conheço ninguém aqui!
No ônibus, tirou o chapéu da cabeça, colocou-o
sobre o joelho e adormeceu.
Em sua cidade, havia obtido informação
de algumas pensões baratas em BH, próximas à rodoviária. Dirigiu-se a uma delas,
que achou mais adequada e conseguiu um quarto por alguns dias.
Tendo boa aparência, conseguiu emprego
em um restaurante no período noturno, ajudando o cozinheiro.
Pensou:
Com este salário, vai dar para pagar a
pensão por um mês. Agora preciso ir atrás de uma escola.
Em um colégio distante, de onde se
hospedara, portando seu diploma do curso ginasial, foi tentar matricular-se no
curso científico. Estava ainda no começo do ano. Quando disse ter 20 anos, um
dos membros da diretoria, por coincidência presente, disse-lhe:
—Você está muito
atrasado. Com sua idade já devia ter terminado o científico. Uma sugestão:
— Porque você não tenta
a Madureza. Você pode fazer os três anos em apenas um!
— Se for aprovado,
poderá prestar o exame vestibular. Há um cursinho aqui perto que posso lhe
indicar. É caro, mas o melhor. Você pode ganhar três anos na sua vida
profissional. Mas lembre-se, terá que se dedicar de corpo e alma, estudar
muito.
Otávio saiu intrigado e resolveu ir até
o cursinho próximo. Obteve informações precisas, mas o preço era salgado para
ele. Tinha os dez mil consigo. Talvez pudesse recorrer novamente aos seus
irmãos.
Mais à noite, vendo seu chapéu encima da
cama, colocou-o, para sair e dar uma volta, conhecer um pouco da cidade grande
e comer algo. Ao colocá-lo novamente, teve a mesma sensação estranha, vibração
no corpo, que logo passou.
Percorreu algumas avenidas, um parque no
meio da cidade, mais tarde entrou em um bar e pediu um refrigerante e um sanduíche misto quente. Portando o chapéu na cabeça
pediu a conta ao garçom, que logo voltou dizendo-lhe que nada devia, que o
chapéu havia pago. Ele não acreditou. Insistiu, mas a resposta foi a
mesma.
Foi para sua pensão e ao deitar-se,
pegou o chapéu endireitou sua aba, beijou-o e disse:
— Obrigado, meu pai.
No dia seguinte ainda estava encabulado,
intrigado com o que acontecera. Seria aquele chapéu mágico?
Resolveu fazer novo teste. Foi até um
bar próximo, com o chapéu na cabeça, tomou seu desjejum e ao pedir a conta,
novamente o chapéu havia pago. Era demais!
Se
fosse a algum local e pedisse a conta, sem o chapéu na cabeça, a conta era-lhe
apresentada normalmente. Agora estava entendendo porque seu pai havia lhe
deixado apenas aquele chapéu. Ele era mágico. Usaria o chapéu e não mais o
tiraria da cabeça, a não ser para tomar banho.
Voltou ao cursinho, o chapéu na cabeça e
ao fazer a matrícula, disseram-lhe que poderia fazer todo o curso de graça. Fez
sua matrícula, bem satisfeito.
Teria que procurar uma pensão mais
próxima, o que o fez. Ao mudar-se foi acertar sua conta de uma semana na pensão
e mais uma vez o chapéu já havia pago.
Realmente, não tiraria mais o chapéu de
sua cabeça. Tudo ele continuava pagando. Não precisava mais de dinheiro.
Bendito chapéu!
No cursinho, pediu autorização para
assistir às aulas, vestindo seu chapéu. Foi-lhe concedido o privilégio, com a
condição que se sentasse na última carteira.
Sempre
que colocava o chapéu na cabeça a mesma sensação lhe vinha, o que se tornou
agradável.
Começando as aulas, onde iriam ensinar
toda a matéria dos três anos do curso científico, em apenas 10 meses, notou que
aprendia facilmente tudo o que era exposto na aula. Não precisava nem tomar
anotações. Nas arguições frequentes, ele a tudo respondia com muita clareza e
corretamente. Nas provas semanais suas notas eram sempre as melhores de toda a
turma, o que começou a chamar a atenção de todos os colegas e até dos
professores. Adquiriu um punhado de amigos, e todos procuravam dele se
aproximar. Só não entendiam, porque nunca tirava aquele chapéu da cabeça. Ele
adorava, amava o seu querido, que só tirava ao dormir e tomar banho.
Terminou brilhantemente o curso, prestou
exame, sendo aprovado plenamente, com mérito, recebendo o diploma
correspondente ao término do curso científico.
Agora enfrentaria o exame vestibular,
para entrar na UFMG, frequentar a desejada Faculdade de Medicina. Era o que
mais queria na vida. Cumpriria a sua “lenda pessoal”?
Passou a conversar com seu chapéu pois
notara que ele, além de pagar suas contas proporcionava facilidade para
entender tudo que lhe era exposto na escola e também para memorizar facilmente.
Ouvia e não esquecia.
Participou do exame vestibular, sem ter
feito cursinho especializado, como a grande maioria dos estudantes fazia.
Estudou em dois meses toda a matéria de física, matemática, português, química,
biologia, que bastava ler, para guardar em sua mente.
Com
o chapéu na cabeça, sentia que sua mente se abria inteiramente.
Quando saiu o resultado final, viu que
havia sido classificado em terceiro lugar. Apenas dois tiraram notas melhores.
Será que também tinham algum amuleto? Ou mesmo, um chapéu?
Muito contente resolveu voltar à sua
cidade e visitar seus irmãos e contar-lhes sua vitória, podendo agora iniciar o
curso de Medicina, que era gratuito. Tinha certeza absoluta de que o
chapéu pagaria todas outras despesas. Mas, não confidenciaria nada, nem com
seus próprios irmãos. Iria iniciar uma vida nova na faculdade.
Juntou-se aos colegas no time de futebol
da escola, e ele que era um “perna de pau” em sua cidade, passou a ser um Às na
prática deste esporte. Jogava no meio de campo e além de bom marcador, quando
ia para a frente, driblava com facilidade, era muito veloz e tornou-se aquele
marcador de gols. Mas, jogava com o chapéu enterrado na cabeça, preso com uma
fita para que não caísse. Tornou-se conhecido pelos alunos das outras séries
mais adiantadas e também pelos professores. E seu apelido pegou facilmente: “O
chapéu”.
Aluno
excelente, querido, companheirão de todos, negava-se sempre a explicar porque
não tirava o chapéu nas aulas, praticando esporte e mesmo quando escurecia. À
noite ao deitar-se tirava-o, beijava-o, lembrava e agradecia seu pai e dormia o
sono dos justos. Pela manhã após o banho, o que primeiro fazia era....
Ainda no segundo ano foi convocado para
participar do time oficial da escola para disputar o torneio de futebol, onde
se confrontariam 15 escolas federais e estaduais de medicina Era a realização
de mais uma Intermed.
Tornou-se o artilheiro da competição,
conseguindo, junto com seus companheiros de equipe, vencer o campeonato, após
derrotarem os gaúchos, que traziam a certeza que seriam os campeões. Ele, conseguiu
fazer um gol do meio de campo quando observou que o goleiro estava muito
adiantado. Nem o Pelé conseguira esta proeza. Foi a consagração total. Saiu
carregado nos ombros pelos colegas.
Após anos de uso contínuo, por mais que
zelasse, seu chapéu estava em frangalhos, mas não importava. Tinha medo de que
se o levasse a um tintureiro para lava-lo e passa-lo, mesmo cuidadosamente,
poderia perder o encanto. Muitas vezes, os colegas presentearam-no com um
chapéu parecido, novo, para substituir o velho. Mas, no dia seguinte lá estava
ele com o mesmo chapéu. Continuava afirmando que se o retirasse da cabeça,
sentiria uma dor terrível.
Os professores médicos, não tinham
explicação para o fato e sabiam que ele estava somatizando, era um caso
psiquiátrico. Mas como podia ser um caso psiquiátrico, se o rapaz era
formidável em todos os sentidos? Deixe-o usar o seu “ensebado”, enfatizavam.
Brilhou em todo o curso médico.
Em sua formatura, foi escolhido como
orador da turma e para todos, não poderia ser outro. No anfiteatro,
completamente cheio, lá estavam seus irmãos, agora casados.
Subiu as escadas para a tribuna,
elegantemente vestindo sua beca e... com o ensebado chapéu na cabeça. Foi um
murmúrio geral e com muitas risadinhas. Os que não o conheciam, acharam aquilo um
desaforo, um desfeito àquela majestosa festa.
Seus irmãos não acreditaram que ele
estivesse usando aquele chapéu, que há sete anos havia herdado do pai. O pai ali
estava presente em corpo e alma, para os três.
Após sua brilhante oração onde agradeceu
aos seus mestres, colegas, sua vivência dos seis anos de faculdade, não deixou
de referir-se com muito carinho a seu amado pai que havia lhe proporcionado
esta grande vitória. Após retirar o chapéu, beijou-o e colocou-o de encontro ao
seu coração. Foi a última vez que o colocou na cabeça.
Havia
cumprido com sua “lenda pessoal”.
VIDA DE FAROLEIRO
Se
fosse perguntado a um grupo de pessoas, qual a mais humilde, mal remunerada,
mais cansativa e ao mesmo tempo, mais importante profissão do mundo, poucos ou
nenhum, após muito pensar, se lembrariam de citar o faroleiro, que vem
desaparecendo.
Com
quase um milênio de história, ocasião em que o primeiro farol, bem rudimentar,
foi criado, sempre foi considerado essencial
para orientar marinheiros nas horas mais difíceis. No Brasil, o primeiro farol
datando de 1602, foi o de Santo António, no alto do Morro do Padrão, na entrada
da Baia de Todos os Santos, em Salvador.
Hoje
são 175 faróis em funcionamento no país, dos quais apenas 35 têm faroleiros,
uma vez que, os demais são todos guarnecidos, modernos, que funcionam
praticamente sozinhos, sem necessidade de alguém presente na torre.
São
muitas as histórias destes homens, que designados ainda jovens para serem
responsáveis por um farol, lá passam a parte mais importante de sua existência,
isolados, solitários, verdadeiros ermitões, filosofando sobre sua pobre vida.
São filósofos solitários, que todas as noites, com as luzes acesas do farol, lá
estão para salvar vidas de marinheiros perdidos, com grandes riscos de se
espatifarem contra as perigosas rochas que os separam da terra.
Dentre
os muitos faróis mais conhecidos do mundo, podemos citar dois: O chamado Farol
do Fim do Mundo construído em 1918, consagrado por ser o mais
austral de nosso continente, na remota ilha dos Estados, visto por aqueles que
fazem sua navegação no roteiro do canal de Beagles, na Terra do Fogo. E o farol
La Jument, na costa francesa, a 2 km da Ilha De Ouessant, construído entre 1904
e 1911, que se tornou famoso após as fotos tiradas de um helicóptero durante
uma tempestade violenta, jogando-se e encobrindo o farol.
Me
refiro a este tema porque há muitos anos, viajei até Ushuaia , onde um dos passeios mais
interessantes foi chegar ao farol Les Ecaireurs, conhecido como o Farol do Fim
do Mundo, um dos principais cartões postais da Terra do Fogo.
Fomos
até Calafate e por coincidência encontramos um amigo que nos aconselhou que
fôssemos conhecer Ushuaia, capital da Terra do Fogo. Minha mulher, muito
entusiasmada, disse que não queria perder a oportunidade, embora não estivesse
em nossos planos de viagem.
Em
Ushuaia, cidade que nos surpreendeu pelo seu tamanho e beleza. Por orientação
de nosso amigo, fomos a uma agência de turismo para comprarmos bilhetes para a
viagem de um dia em um Catamaran, até o famoso Farol. Nesta agência conhecemos Luzia, uma brasileira
que lá vivia por mais de uma década. Nos demos tão bem que a convidamos, com
seu marido argentino para jantar. Comemos peixe e bebemos muito vinho, e na
conversa animada nos contou a história de Sanger, um faroleiro que por mais de
40 anos trabalhou neste farol. Foi para lá aos 20 anos, saindo aos 60 quando se
aposentou. Passava ele, três meses contínuos na pequena ilha rochosa, sem
vegetação, no farol de uns 15 metros de altura, com um diâmetro não mais que 5
metros e caracterizado por suas cores branca e vermelha. Vinha para Ushuaia apenas
4 vezes ao ano, onde cada vez, permanecia 15 dias, em casa de sua mãe,
sendo que nestas ocasiões era substituído por um auxiliar.
A
comida que lhe era fornecida para durar todo este tempo era guardada em um contêiner fora do farol, para se conservar naquele frio intenso, não era necessária
geladeira.
Ninguém
se oferecia para ocupar o seu cargo, sujeitar-se a viver a vida que vivia. No
começo teve a companhia de um telegrafista, que logo desistiu e não foi substituído.
No início o farol funcionava com querosene, 10 litros por dia, mas
posteriormente foi modernizado.
Para
passar o tempo escrevia à noite, mas sempre com farol aceso desde o final da
tarde e os olhos bem atentos. Gostava de pintar telas e no verão acostumou-se a
pescar. As paisagens que pintava eram sempre as mesmas, do mar calmo, do mar
revolto, de navios que passavam ao longo do canal, leões, pinguins e aves
marinhas. Conseguia vendê-los quando vinha para a cidade, o que ajudava seu
ganho, que sempre entregava à mãe. Não conseguiu formar uma família, porque
nenhuma moça se sujeitou a ir viver aquele tipo de vida e nenhuma ficaria em
terra à sua espera.
Escreveu
um livro onde contou sua rotina, isolado do mundo, ninguém para ver ou
conversar, fechado naquele pequeno espaço, meditando sobre as vantagens e
desvantagens de viver só, tendo como diversão um rádio, que o colocava em
contato com estações do Chile e Argentina. Descreveu o tremendo frio que
acontecia o ano todo, mas que no inverno, era insuportável, aliado aos dias muito
curto e a noites longas demais, tempo fechado, tempestades enormes, ondas
fortíssimas batendo contra a ilha, chegando às paredes do farol. Acostumado, refere
nunca ter tido medo.
Tinha
um rádio também para contatar-se com sua base em terra, o que fazia
diariamente, sempre no mesmo horário ou quando ocorria algum fato inesperado.
Descreveu
acontecimentos inusitados, como quando conseguiu salvar quatro rapazes que se
aventuraram em um pequeno barco pelo canal e foram surpreendidos por uma
tempestade, tendo sua barca despedaçada contra os rochedos. Usou toda sua força
e coragem para ajudá-los, conseguindo tirá-los do mar, com auxílio de boias
presas a cordas.
Aos
55 anos, certa noite começou a sentir-se mal, com enorme dor no peito, respiração
difícil, sensação de morte iminente. Sozinho, desesperado, com esforço
sobrenatural, conseguiu contato com sua base e após duas horas viu chegar um
helicóptero para levá-lo ao hospital. Descreve as duas horas mais difíceis de
sua vida, cada minuto parecendo um dia, com a incerteza de que poderia
sobreviver, mas com a certeza absoluta da morte.
Luzia
descreveu ainda outros fatos narrados por Sanger, o que nos deixou fascinados
por este homem humilde, vida de dedicação aos marinheiros, desperdiço da mocidade,
da melhor parte da existência. Foi conseguir uma companheira apenas após sua
aposentadoria, com a qual vive junto ao mar, mas não em um farol.
Fomos
a este passeio, um dos mais sensacionais que empreendemos até hoje, após termos
conhecido boa parte do mundo. Paisagens divinas, estonteantes, inacreditáveis
em beleza, as montanhas íngremes acompanhando nosso caminho. Vimos ilhas com
moradia de Leões e Lobos Marinhos, centenas de Pinguins e Corvos Marinhos.
Finalmente
passamos ao largo deste famoso Farol, onde nos foi explicado que o que
estávamos vendo, não era o verdadeiro, consagrado por Júlio Verne em seu livro: O Farol do Fim do Mundo, depois apresentado
em filme tendo como protagonistas Yul Brinner e Kirk Douglas. O verdadeiro farol
encontra-se bem distante, na Isla del Estado, com localização mais austral.
Valeu!!!!!!!!!!!!
SUSPENSE NA ESTRADA
Noventa anos! Uma festa à
nossa sogra, oferecida por meu cunhado, em seu sítio próximo a Salto. Para tão
importante reunião, toda a família fora convidada, vindo parentes de várias
cidades do interior, a maioria da capital. Foi um regozijo geral, pessoas que
há muito não se viam, uns agora bem velhos, os filhos, os filhos dos filhos, namoradas
dos filhos e dos netos, enfim um grande acontecimento. A sogra, parecendo uma
galinha angorá, querendo mostrar as suas penas, muito feliz por ver toda a família
reunida, mas... sempre comentando sobre a ausência destes ou daqueles que, Deus
havia chamado.
Foi lembrada por todos como
uma mulher vitoriosa, aberta, de fibra, que apesar de ter ficado uma viúva aos
40 anos, tocou sua vida, criou as duas filhas, ajudou seus semelhantes, sempre
dentro de um espírito abnegado e invejável. Estava como um acaçá. O ponto alto
foi seu encontro com o irmão mais novo com 84 anos, que não via há 10 anos.
Abraçaram-se, se beijaram e um ficou olhando para a cara do outro como se
estivessem extasiados. O irmão, era um professor aposentado, que vivia noutro
estado, tido como culto e que gostava de mostrar os seus conhecimentos, quando
houvesse uma chance. Certo momento aproximei-me da mesa em que estava sentado, rodeado
de ouvintes e o ouvi dizendo:
— Sou um bardo, debicador, fecundo,
aforista, repetindo em seguida, os dizeres de Pessoa: “valeu a pena, valeu!
Sempre vale a pena quando a alma não é pequena!”.
A sogra
bebeu e comeu como se tivesse 30 anos, fez um discurso breve e repetiu duas
vezes que, quando ficasse velha não queria nunca andar em uma cadeira de rodas.
Nunca se sentiu velha!
Ao entardecer começaram as despedidas e cada
um tomou seu carro para a volta. Estávamos em dois carros, um deles eu guiava, conduzindo
minha esposa na frente e atrás a sogra, e um de meus filhos, e no outro carro, dirigido por meu filho mais
velho, sua esposa e o outro filho, com sua namorada. Saímos juntos do sitio, tomamos
a Rodovia do Açúcar, passamos ao lado de Itu e logo após, foi feita a curva
sobre a rodovia Castelo Branco para entrarmos em sua pista, via São Paulo. Ele,
ao entrar na Castelo, o fez com imprudência, pois um carro que vinha em grande
velocidade, na pista externa, teve que desviar abruptamente seu curso. Quando
entrei na rodovia, ele já estava uns 500 metros na frente. Havíamos combinado
pararmos no primeiro posto para abastecimento e um café. Ao pararmos nas bombas,
ele saiu do carro e veio falar comigo:
— Pai, você viu que desgraçado,
que abutre, que animalaço? Um carro amarelo com um moço japonês guiando,
tentando bater em meu carro, tentando me jogar fora da estrada? Ele abriu a janela,
gritou como louco dizendo que ia me matar!
— Não, não vi! Eu estava uns
300 metros atrás! E ele onde está?
— Foi embora, felizmente
paramos neste posto.
Tomamos nosso café e saímos, ele
na frente. Logo que saiu, pegando a estrada, vi que saiu um carro amarelo em
grande velocidade, que estava parado próximo à saída do posto. Logo percebi que
devia ser o japonês, esperando acertar uma vingança, que colocara em sua cabeça.
Acelerei e fui ao encalço dos dois. Percebi tudo e notei que o japonês queria bater
na traseira do carro de meu filho para que se acidentasse. Nesta hora eu também
fiquei louco e procurei emparelhar com o carro amarelo. Meu filho sentado
atrás, abriu a janela, pôs meio corpo para fora, pegou a raquete de tênis e
jogou-a contra a janela do outro carro. Nesta altura, criou-se o maior reboliço:
eu tocando a buzina fortemente, minha sogra gritando dizendo que não queria
morrer no dia de seu aniversário, minha mulher pedindo que desistisse, mas
naquele momento eu nada ouvia, estava possesso, procurando defender meu filho e
os demais. Quando o japa percebeu que estava sendo espremido e que havia outro
carro na jogada, resolveu salvar sua pele, acelerou seu carro, que era potente,
ganhou distância e sumiu, quando então diminuímos nossa marcha. Seguimos a
viagem juntos, observando se o infeliz não estava parado nos aguardando,
novamente. Perdemos uma valiosa raquete de tênis. Todos nós, tivemos um grande
momento de suspense e emoção, onde podíamos ter sofrido um acidente grave. Por
isso, não devemos andar armados!
Minha sogra contava a todos este
acontecimento, com um espírito muito gracioso e divertido, que marcou os seus
90 aninhos.
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