OSWALDO ROMANO - VÁRIAS HISTÓRIAS



RECORDANDO ANTIGOS TEXTOS



OSWALDO ROMANO




SAPATOS VERMELHOS


                                         
        Quando moça, Julieta era admirada e vista na sua cidade com muito carinho, era até invejada pelas moças.

        Linda, esbelta e como a vedete do teatro, as senhoras da sociedade  olhavam-na com ressalvas.

        Usava o teatro mais velho. Simples,  porém o mais frequentado, deixando o novo e mais bonito às moscas. Neste, as apresentações seguiam severas normas da prefeitura, espetáculos notórios censurados.

        A graça de Julieta era irresistível.  Arrastava o povo para o velho e escuro casarão, mas onde ela iluminava o palco.

        Os mais idosos que se mostravam reservados, frequentadores do novo teatro não se aguentavam. Estavam ávidos para saber como era o pulo do gato, para tanto sucesso.
        Mas o tempo não perdoa. Julieta a mulher dos mais lindos requebros, envelheceu. As crianças do novo tempo a tinham como a bruxa que morava no acabado sobradão da praça da igreja, e que a noite gritava.

        Jogando pedras que alcançavam a desgastada janela de vidros opacos e trincados pelo tempo, provocavam seu descanso, obrigando-a aparecer. Sabia que receberia uma chuva de pedras, mas precisava acalmá-los:

        — Meninos! Meninas! Por que querem judiar desta pobre e velha mulher que hoje faltam-me forças até para me levantar? Por quê?
        — Por quê? – disse em voz alta uma menina. — Porque falam que é uma bruxa. Tem o olhar verde de gata com unhas afiadas. Agredia os homens. Coisa de bruxa... Bruxa mesmo! -  reforçavam as meninas, gritando como moleques.

        Veio a chuva. Recolhidos, deixaram de aborrecer a bruxa, por dois dias. Mas assim que se reuniram, lá estavam eles, atirando suas pedrinhas.

Ela não deu sinal de vida. Perguntaram ao sapateiro que trabalhava numa garagem ao lado:

        — Moço, a velha se mudou? 

 Ele respondeu sem levantar a cabeça. 

— Não, não, está ai.

        Pedrinho, o mais levado, resolveu comprovar. Subiu as escadas. A porta não tinha fecho.  Entrou. A velha vedete estava de costas, sentada na cadeira de balanço. Olhava fixamente para a janela. Pedrinho bateu com os pés nas taboas soltas do assoalho. Ela não se mexeu. Bateu de novo várias vezes. Nada! Ficou apavorado. Deu no pé. Desceu saltando degraus, apareceu correndo, gritando e correndo levou consigo todos os amigos.

        O velho sapateiro,  que ostentava vasto bigode, com seu avental todo manchado de tintas, levantou-se, foi ver o que acontecia.

        A velha vedete, calçada com seus sapatos vermelhos, estava morta.





PARECIA BOM



Há muito não o via!

        Já tinha esquecido como eram convidativos seus olhos! Nem mais me lembrava como era cativante sua voz! Esqueci quase completamente do carinho que ele sabia dar.

        Estávamos namorando há dois anos.

        Bicicletas nos levavam a deliciosos passeios nos parques, e quando motivados, o que era constante, por trilhas mata adentro. Só de pensar nelas vinha um sentimento de aventura, coberto de muito prazer.

        Nas picadas que desviavam das trilhas, já conhecidas, uma foi  escolhida naquele dia era o desvio que nos levava ao nosso esconderijo.

        Uma toalha estendida no chão, ali deitados, nossos olhares perdidos no espaço, cobriam os pensamentos desencontrados.

        — O que será que tem dentro da sua cabeça? Eu pensava! Como gostaria de poder entrar nos seus segredos, nesta hora. Estaria voltado para outra?

        Com dois anos juntos, já lhe escapava aquele apetite do ataque sexual.

        Então, tomando à dianteira, investi sobre ele cobrindo-o de beijos e carinhos.

        Meses depois ele comprou um carro. Foi um chega p’ra lá das nossas pedaladas. Mas tudo mudou. O carro o levou, sei lá p’ra onde...

        Na lembrança que sinto agora, vejo vagamente onde errei. Fui eu quem ensinou os caminhos dos esconderijos.







A ALMOEDA E O LEILOEIRO


                                            
        Anselmo era benquisto na cidade por uma qualidade muito simples.

        Todo ano, ele com suas cinquenta primaveras, era convocado para ser o leiloeiro oficial da grande festa de Santo Antônio. Todavia neste ano esperava ser esquecido, pois vinha sentindo fortes dores no braço direito, sua melhor ferramenta.

        Era com essa ferramenta que envolvia os compradores, levando-os a disputas que emocionavam os presentes. A maioria dos deles não era aficionada a compra na almoeda, mas compareciam porque vibravam nesse circo, aplaudindo cada lanço.

        Não adiantou, era carta marcada. Chegou o esperado dia e Anselmo quando subiu no elevado tablado, destinado a figura principal do leilão, mesmo antes do seu boa noite, foi carinhosamente ovacionado.

        Falando pausadamente, fez uma preleção da importância da ocasião e se intitulou porta voz dos agradecimentos das crianças que seriam beneficiadas com o evento.

        Hoje precisava se afastar. Motivava seu afastamento, sua voz rouca percebida logo cedo. Culpou os inúmeros remédios e o fétido cheiro da emplastação aplicada na noite anterior no ombro, braço, e axilas. Assim chegando, surpreendeu sua claque, contando seu sofrimento, justificou porque não poderia conduzir o leilão. Ouviu o pesaroso lamento dos presentes, liberando a lágrima que continha.

        Passou a palavra ao segundo leiloeiro e puxando uma cadeira sentou-se ao lado. Prontificou-se abrir todos os lances.

        Era o principio do fim do grande homem da almoeda.




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