Escritor,
celulite, livros doados ...
José
Vicente J. Camargo
Do
leito branco azulado, de camisolão de bolinhas pretas rasgadas atrás sem pudor
de mostrar as bochechas carnudas – que bom seria se pudesse
assim expor os segredos da alma – ouve pela porta entreaberta
cochichos trazidos pelo ar morno quebrando a penumbra e o silêncio do quarto:
- Esse é o quarto do Escritor! Diz uma das vozes. Faço a faxina diária.
É muito simpático, não dá trabalho, está sempre a mirar a paisagem muda da
janela. Diz que busca inspiração para seu próximo livro-romance e que me dará um
exemplar do seu último livro de contos, com dedicatória!
− Ah, é esse o
quarto? Responde a segunda voz. Já tinha ouvido falar que nesse andar tem um
escritor internado. Passo mais tarde para você me apresentá-lo e, quem sabe −
jogando verde pra colher maduro – não recebo um exemplar autografado também?
− Vocês duas novamente
em confidências? Interrompe uma terceira voz que ele reconhece como sendo da
enfermeira chefe. E justo na porta do Escritor? Ele precisa de repouso
absoluto. Voltem para o trabalho que eu vou dar a medicação prescrita pelo Dr.
Rogério:
− Como está Sr.
Escritor? Vou medir seus sinais vitais e aplicar mais uma dose de antibióticos
e corticoides.
− Melhoro a cada
dia! A infecção da pele está retrocedendo e a forte dor também. O apetite aos
poucos vem chegando, fazendo a balança me ser mais simpática.
−
Ótimo! Os sinais também estão ficando cada vez mais compatíveis com os das
referências. Creio que em breve terá alta. Mas não se esqueça do meu livro com
dedicatória! As enfermeiras do andar gostariam também de receber um exemplar para
lerem nas horas de folga, após o almoço e a noite.
− Com
prazer, deixarei dois! Vou pedir à minha esposa para trazê-los. Dedicarei um
também ao Dr. Rogério pela sua dedicação. Me disse, na consulta de hoje cedo,
que se os próximos exames continuarem bons, terei alta até o final desta
semana. Fico contente, pois, na próxima, teremos a confraternização de fim de
ano do meu curso de escrita criativa – Escreviver – não
quero perder.
− Me
alegro pelo Sr. – vence a infecção e volta às letras...
−
Para mim, o mais irônico nessa história toda, é que a pestinha dessa infecção
chama-se “celulite”, que eu pensava ser desgraça de mulher vaidosa,
penduricalhos de gordurinhas desafiando a vontade do corpo almejado. Mas agora
vejo que é também o horror dos homens, pela forte dor que causa.
− Cão
que ladra não morde! Se for bem tratada, não tem maiores consequências. Pela minha
escala de serviço, tenho os próximos dias livres, mas volto antes da sua alta
para nos despedirmos e receber o livro.
− Certo!
Mas não quero receber despedidas de “até a volta”, “até logo” pois aqui, só piso
pra entregar o convite pro lançamento do meu livro – romance final do próximo
ano. E este não vou poder ficar distribuindo sem receber, pois, Escritor também
paga Plano de Saúde...
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