De pés e mãos
Ises de Almeida Abrahamsohn
Antonio
era quem chamávamos sempre que a velha casa precisava de uma pintura. Além de
ser pintor, esse português que imigrara para o Brasil há uns vinte anos era um
colecionador de curiosidades da língua natal. Pegara essa mania da professora
de primeiras letras, lá de Póvoa do Varzim, a quem não poupava elogios.
Acumulava especialmente uma lista das palavras referentes a pés e mãos. Nosso
pai médico justificava essa predileção talvez pelo fato de haver na cidade
natal de Antonio a doença genética conhecida como mal dos pezinhos. Mas o
jovial pintor dizia que não tinha nada a ver. Começava a conversa para dizer
que os muros da frente precisavam de uma mão de tinta. E que o senhor doutor
não fosse um mão de vaca ao lhe pagar o serviço. Com muita graça passava aos
pés. Dizia que somente em português havia pelo menos três dezenas de expressões
onde entravam os pés. Talvez por isso o povo português se mantivesse com os pés
no chão sem se deixar levar por frivolidades. Contava a história de Joselito,
um carpinteiro que era verdadeiro pé de boi, mas que por ser um pé de cana
sempre metia os pés pelas mãos. Como era pé de valsa conseguiu conquistar
Luzia, senhorita de atrativos menores, cujos pés de galinha denunciavam a
idade, mais perto dos quarenta que dos trinta. Apesar de saber da inclinação do
rapaz pela caninha, a moça achou que era melhor ter um pássaro na mão do que
outros voando que, aliás, escasseavam. O casamento foi combinado para dali a
dois meses. No dia da boda, o noivo amedrontado, achegou-se ao pé do balcão do
bar e pediu o destilado que lhe daria a necessária coragem. Não contava, porém,
com o pé d’água que caiu e demorava a passar. Saiu assim mesmo, arrostando a
tormenta. Quase foi levado por um pé de vento e tragado pela enxurrada; foi
salvo ao se agarrar a um pé de goiaba que vicejava na calçada. Desfeito e
ensopado entrou, pé ante pé, pela porta lateral da capela onde Luzia de mau
humor o esperava ao pé do altar.
Tinha os pés em fogo nos apertados sapatos novos. Ao ver o noivo que mal se
aguentava em pé, a moça olhou para tal espantalho e deu no pé. Os parentes de
um lado e de outro se puseram a discutir em pé de guerra. Foi quando o enérgico
pároco os expulsou meio que a pontapés. E a noiva? Esta, ao chegar à casa,
mergulhou as doloridas extremidades num bom escalda-pés. Depois, reconfortada,
sentada ao pé do fogo pensou, acho que, em matéria de noivos, tenho pé frio.
Melhor seria ter logo lhe dado um pé na ........
Nenhum comentário:
Postar um comentário