Um corpo na Sacristia - Antonia Marchesin Gonçalves


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Um corpo na Sacristia
Antonia Marchesin Gonçalves

Em Cafelândia, pequena cidade do interior paulista, há duas igrejas que merecem destaque, uma na parte alta mais elegante, e a outra na parte baixa, região mais pobre com movimentação comercial, mais modesta.
Existia um padre que cuidava das duas Igrejas, mas como ele esteve  doente a Cúria mandou um outro mais novo, aí começaram os problemas.  O mais velho não aceitava o jovem, por ser mais ativo, inovador e com isso movimentava toda comunidade, a disputa foi envolvendo toda a cidade, alguns só assistiam às missas na Igreja de cima e outros   na de baixo, isso era motivo para as fofocas das carolas locais, pois pouca coisa acontecia por lá.
Certo dia tudo isso mudou.
Na Catedral, na primeira missa do dia o tumulto se iniciou.   O coroinha na hora de arrumar o altar foi na sacristia pegar os paramentos e levou o maior susto quando tropeçou em algo    era um corpo de mulher coberto com um véu negro. Ao tocá-la viu que gelada, estava morta. Chamou o padre que imediatamente ligou para a polícia, e junto com ela foi convocado o detetive Francisco da cidade vizinha de Lins, mais conhecido como Faro Fino pela sua capacidade de farejar assassinos. Francisco   já havia sido convocado para um caso parecido (o do véu negro) na cidade de Pirajuí. O seu primeiro comentário foi “o mesmo safado de sempre”, ele está me testando não sabe com quem está se metendo.
Tendo todas as anotações na caderneta, o investigador começou de imediato a investigação. Não, não havia queixa nas delegacias das redondezas de  nenhum desaparecimento de mulher. Francisco pediu que as impressões digitais fossem enviadas para São Paulo.
Talvez possamos ter um nome e mais alguns indícios sobre  o caso.
O detetive começou a se munir de uma lousa, giz e se instalou numa sala reservada na delegacia (era como ele trabalhava) Ali   ele detalhou na lousa os dois casos em que as mulheres foram igualmente mortas a facadas e cobertas por véu negro. Anotou no quadro negro (perto ou dentro das Igrejas, véu negro, desconhecidas, alguém querendo incriminar os padres ou a própria Cúria Católica). Sendo que havia descontentamentos por parte de alguns padres da região.
Saindo da delegacia o detetive Faro Fino foi conhecer a cidade, as  imediações da Catedral, e viu ser um lugar calmo, uma praça arborizada bem cuidada, casas grandes com muros altos e pouco movimento. Sempre que encontrava alguém se apresentava e aproveitava para fazer algumas perguntas no intuito de saber se alguém havia visto algo que pudesse ajudá-lo na investigação. No seu passeio pelas redondezas chegou a conclusão de que ali no reduto da Catedral eram todos fiéis que aprovaram o padre. Seria então provavelmente uma armação para que o padre  ficasse desacreditado ou perdesse a paróquia, resolveu também focar a investigação na
parte baixa da cidade. Ali  havia maior resistência às suas perguntas Estariam se protegendo, ou protegendo alguém?
Faro Fino foi  à missa das 18  e percebeu que o velho padre João tinha todo o apoio popular de baixo, mas que, de tão idoso,  já tinha dificuldade para fazer a missa toda, precisando de ajuda. O padre que não quis responder as perguntas argumentando haver um compromisso e não podia se atrasar. O detetive voltou para a sua sala e revendo as anotações da lousa, nomes e as ligações com a morta, em seguida telefonou para São Paulo e soube que a vítima era Angela Maria Cardoso, solteira de 56 anos, devota das missas diárias e ajudava na casa do padre João . Curioso - pensou ele - o caso de Pirajuí também a mulher era solteira e de meia idade e frequentadora das missas diárias. Seria roubo de doações, imaginou   que elas poderiam ter descoberto o ladrão ou ladra e foram mortas para não denunciarem. Ou será que elas, por não serem casadas, teriam deixado algum testamento para a Igreja? Mas por que o véu negro nas duas vítimas?
Desconfiado de uma hipótese diferente não quis escrever na lousa para não correr o risco de lerem. Munido de seu instinto começou a investigar a vida das duas mulheres. Ambas tinham relativos bens, não tinham filhos mas sim sobrinhos que seriam seus herdeiros. Ana a vítima de Pirajuí, não tinha um relacionamento bom com a família e fazia com que todos soubessem que ela deixara no testamento todos os seus bens para a Igreja, isso levou   Faro Fino investigar a família de Ana. Convocou a todos, que não era grande, sobrinhos e uma irmã, para uma reunião assim ele poderia analisar as características de cada um. Na reunião fazendo ele as perguntas de praxe, sentiu no ambiente certo ressentimento de todos, mas uma pessoa em especial, a sobrinha que cuidou dela até morrer era a mais calada com o semblante dócil e educada respondeu com calma as perguntas sem se alterar não demonstrando nenhuma dor pela perda da tia. No dia seguinte resolveu chamar essa sobrinha para investigar mais sobre a vítima, queria saber como era a rotina delas,  e a medida que ele a incentivava a moça a falar foi sentindo revolta e certa raiva contida em suas declarações, a ponto de dizer que sua tia era desumana, megera e egoísta e que mereceu a morte que teve.
A tia, disse ela, ia a missa logo na primeira hora da manhã, mas   ela não a acompanhava, porque tinha que manter a casa em ordem e fazer o almoço, pois a vítima se prolongava após a missa na ajuda para o padre João, nos afazeres da Igreja e chegava sempre perto da hora do almoço.
Faro Fino resolveu ir à Igreja para falar o sacristão  e descobriu que Dna. Ana quase todos os dias se trancar com o padre João nos  cômodos dele. Ora, pensou Faro Fino, Ana era amante do padre.
Voltou para Cafelândia e na Catedral e resolveu falar também com o sacristão , que revelou que Angela após a missa se dirigia para a casa do padre João e só saiu de lá perto da hora do almoço e que ela morava sozinha,  seus familiares não moravam na cidade e sim na cidade de Bauru a uma hora longe de Cafelândia. Bingo disse Faro Fino.
Na sua sala pegou os dados do padre e mandou para S.P. para que levantassem a ficha dele e enviaram de volta com foto e tudo a bela surpresa, o padre João nunca tinha sido padre e sim um grande golpista procurado pela polícia nacional inclusive por assassinatos de mulheres de meia idade sozinhas, sempre de padre. De imediato
Faro Fino foi a casa do padre que tranquilo jantava com uma nova senhora da cidade, provavelmente uma nova vítima, e sem saber que tinha sido descoberto o convidou para que se sentasse   à mesa, e lógico Fario Fino deu voz de prisão munido de sua arma e o algemou para o espanto da convidada, e do padre.
Levando o bandido para a delegacia perguntou o porque do véu negro nas vítimas e ele respondeu com muita frieza que era para dar mais suspense nos crimes e era isso que o diferenciava, era a sua assinatura.
Mais um caso resolvido pelo Faro Fino “o investigador”.   


Onde estão os aprendizes de ofícios? - Ises A. Abrahamsohn



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Onde estão os aprendizes de ofícios?  
Ises A. Abrahamsohn

        De uns cinco anos para cá tenho observado um fenômeno que se agravará muito daqui pra frente. Já causa problemas, mas perturbará a tranquilidade doméstica de todos, ricos e pobres. Não, não se trata de aumento da criminalidade ou de nova estiagem nos reservatórios de água de São Paulo. O que está acontecendo é o progressivo e acelerado desaparecimento de pessoas capacitadas a fazer consertos e manutenção de equipamentos de uso comum doméstico.

        É cada vez mais difícil encontrar alguém para consertar ou verificar instalações diversas em nossas casas. São escassas as pessoas competentes. Talvez a economia do país se beneficie no futuro com isso. “Não conserte, substitua” creio que será o moto da economia em menos de dez anos. Agora já é aplicável aos pequenos eletrodomésticos. Todos já ouvimos a frase: Não compensa mais consertar; não há mais peças, o novo custa o preço do conserto.

        Já me resignei a ter de encostar o meu amado e eficiente aspirador de pó de vinte anos quando der o último suspiro.

O que me preocupa mais é que nenhum jovem aprendiz ou auxiliar acompanha os competentes e já idosos consertadores de geladeira, fogão, portão eletrônico, aquecedor a gás ou ar condicionado. Esses equipamentos pelo menos por enquanto são caros e não descartáveis. Talvez venham a ser no futuro quando não mais existirem pessoas que saibam como consertá-los.

Perguntei a alguns desses senhores por que não têm auxiliares ou aprendizes. A resposta foi que os jovens não querem ofícios ou serviços que “sujam” as mãos.
—Todos querem trabalhar em escritório, atrás de um computador, mesmo que ganhem salário mínimo, foi o comentário geral.

E é verdade. A grande maioria dos jovens desempregados ou subempregados concluintes de ensino médio, sem perspectiva de continuar os estudos, não se interessa em aprender algum ofício mais simples. Também não querem investir em um aprendizado prático, sem se dar conta que sempre estarão em subempregos, sem nenhuma capacitação a oferecer.

Os Números não Mentem - José Vicente J. Camargo



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Os Números não Mentem
José Vicente J. Camargo
     
Relembrando os detalhes do jantar de ontem, me surpreende a incrível coincidência da numerologia nesta história, que já está se tornando a minha de “mil e uma noites”:
Recebi o convite do meu primeiro melhor amigo, o segundo mais rico da galera, para acompanhá-lo no “Terceiro Encontro da Associação Beneficente das Crianças Carentes”. Chegamos em cima da hora, faltando quatro minutos para o início do show que antecedeu aos “comes e bebes”. O garçom nos conduziu à nossa mesa, a de número cinco. Éramos seis pessoas confortavelmente acomodadas, sem necessidade de cotoveladas no manuseio dos talheres. O sétimo conviva chegou, e vejo que é justamente ele: A estrela da festa!
Presença anunciada em letras garrafais na divulgação da efeméride e no “diz que diz” da mulherada. Verdadeiro chamariz para a venda antecipada dos convites e das rifas. Beleza pura, sorriso estonteante, vontade de comê-lo vivo! Mas a alegria durou pouco. A vontade de agarrá-lo, virou gana de esgana-la, quando, completando a mesa de oito lugares, ela sentou ao seu lado, deslumbrante, com todo seu charme de diva, impossível de qualquer comparação! Segurou-lhe as mãos, deixando o raio fúlgido do brilhante solitário, humilhar os olhares femininos das demais convivas.
O cardápio, composto de nove pratos quentes e frios, incluindo entradas e sobremesas, estava à altura do badalado Master Chef, recém-chegado da culinária francesa. Os vinhos, do Champagne ao licoroso, dez ao todo, apresentados por enólogo famoso, deu o toque de glamour ao jantar, realmente de gala, porém a milhas de distância das crianças carentes...
No entanto, a degustação de tantas iguarias, ficou prejudicada pelos olhares insistentes dos casais da mesa, em direção ao par famoso. Os homens, mais discretos, procuravam os lânguidos olhos dela: cílios, sobrancelhas e maquiagem em perfeita harmonia com o rosto obra prima e as mulheres, menos formais, não escondiam a atração pelo verde das pupilas dele e do magnetismo do seu sorriso. O penteado, a Rodolfo Valentino, dava um toque de nostalgia “noir”, prolongando a intensidade dos suspiros.
Eis que chega o ápice da noite, com o esperado sorteio das rifas. Entre as inúmeras prendas a prêmio, a mais cobiçada era a valsa com ele, o galã da novela, recorde de audiência no país. Meu bilhete, terminado em 011, tremia entre meus dedos úmidos de suor. Pus em prática todos os exercícios de concentração aprendidos nas aulas de yoga. O rolar das bolinhas na caçapa parecia interminável. Em voz vibrante, o chefe de cerimônia solicitou ao astro galã que subisse ao palco para anunciar o nome da eleita. Em caso do número cair com um convidado masculino, a parceira da valsa seria a companheira de mesa do galã, também famosa atriz de novela. Neste momento, foi a vez do meu amigo acompanhante esfregar as mãos, num calafrio de êxtase...
Após uma pausa de suspense, o galã anuncia:
“1211”!
O pulo que dei, contrariando todas as regras da boa etiqueta, não deu para disfarçar o grito que fugiu da minha garganta.
E lá estava eu no meio do salão, tal qual Sisi em Viena, rodopiando sobre o brilho dos candelabros de cristal, tentando distinguir se a pressão que apertava minha cintura e minha mão, abraçada na dele, vinha da respiração ainda ofegante que sentia pela surpresa, ou do coração em arritmia, ou – difícil de acreditar – de seus dedos me apertando numa tentativa de cantada? Senti que seu sorriso escondia uma segunda intenção. Quem conhece tais situações, pega o gato no pulo…:
“Mas ele tem um harém a disposição!” pensei. Misturando-se nessa dúvida, me vinha à mente, as frases de auto ajuda das redes sociais: Porque não pode ser você?; Acredite em você!; Dê valor às suas atitudes!; A Felicidade está a onde você a põe!; Tenha fé, que vai dar certo...
Sim! “Hoje é hoje, amanhã é amanhã”. Hoje Strauss, amanhã: samba no pé?
E assim, correspondi a sua pressão com uma contrária, na mesma intensidade. Ele sorriu, abanou positivamente a cabeça, continuamos o gira-gira e, no término, ao agradecer-me, balbucia no meu ouvido: “Te ligo amanhã”!
Hoje, ao acordar, corri a xeretar no celular, se entrou alguma ligação nova.
Necas!
Mas, agora que descobri a participação da numerologia nessa história, tenho de dar sequência a ela e o próximo número é o treze.
Número de azar! Será que vai dar zebra? Novamente me vem à  cabeça as frases de autoajuda. Deixa pra lá, concluo. Certamente o telefonema dele virá as 13:00 horas: um convite para almoçar!
Ainda tenho tempo de tomar banho e de vestir aquele “look”, pois, no meu horóscopo de hoje está escrito:
“Os números não mentem…”

A CASA MATERNA - Antonia Marchesin Gonçalves



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A CASA MATERNA
Antonia Marchesin Gonçalves

A casa materna, quantas lembranças me traz essa frase, algumas tristes e outras alegres e felizes.
A casa dos meus pais era literalmente uma casa materna, meu pai trabalhava e viajava muito, sendo assim, o comando era matriarcal total. Minha mãe,  Wanda como boa italiana, era temperamental, exigente na educação dos filhos e cumpridora dos seus deveres fazendo o papel de pai e mãe ao mesmo tempo.
Trabalhava muito e não tinha medo de desafios como, pintar a cozinha quando era preciso, confeccionar nossas roupas, tricotar malhas maravilhosas, e lógico, uma excelente cozinheira. Sentia falta dos parentes, pois  nenhuns nenhum  dos irmãos, nem dela e do meu pai, vieram  veio para o Brasil e nem os nossos avós.
Meu pai para, suprir a falta da família, fez muitas amizades com  brasileiros, mas mais de italianos de várias regiões. A e a  nossa casa se tornou o ponto de encontros aos domingos, nos almoços longos com boa comida, regados ao vinho e finalizando com saudosas canções, Minha mãe ela  tinha uma voz linda. Morávamos em Pinheiros, que na época era reduto de muitos japoneses, judeus e libaneses com suas lojinhas, e assim diversificávamos bem as nossas amizades. Inteligente e corajosa exigia que falássemos em casa o português para assimilar logo a língua do país.
Cuidei dela até morrer em minha casa, acometida com a maldita doença de Alhzeimer, e tenho a paz no coração de ter dado a ela qualidade de vida até o fim.


De pés e mãos - Ises de Almeida Abrahamsohn


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De pés e mãos   
Ises de Almeida Abrahamsohn

            Antonio era quem chamávamos sempre que a velha casa precisava de uma pintura. Além de ser pintor, esse português que imigrara para o Brasil há uns vinte anos era um colecionador de curiosidades da língua natal. Pegara essa mania da professora de primeiras letras, lá de Póvoa do Varzim, a quem não poupava elogios. Acumulava especialmente uma lista das palavras referentes a pés e mãos. Nosso pai médico justificava essa predileção talvez pelo fato de haver na cidade natal de Antonio a doença genética conhecida como mal dos pezinhos. Mas o jovial pintor dizia que não tinha nada a ver. Começava a conversa para dizer que os muros da frente precisavam de uma mão de tinta. E que o senhor doutor não fosse um mão de vaca ao lhe pagar o serviço. Com muita graça passava aos pés. Dizia que somente em português havia pelo menos três dezenas de expressões onde entravam os pés. Talvez por isso o povo português se mantivesse com os pés no chão sem se deixar levar por frivolidades. Contava a história de Joselito, um carpinteiro que era verdadeiro pé de boi, mas que por ser um pé de cana sempre metia os pés pelas mãos. Como era pé de valsa conseguiu conquistar Luzia, senhorita de atrativos menores, cujos pés de galinha denunciavam a idade, mais perto dos quarenta que dos trinta. Apesar de saber da inclinação do rapaz pela caninha, a moça achou que era melhor ter um pássaro na mão do que outros voando que, aliás, escasseavam. O casamento foi combinado para dali a dois meses. No dia da boda, o noivo amedrontado, achegou-se ao pé do balcão do bar e pediu o destilado que lhe daria a necessária coragem. Não contava, porém, com o pé d’água que caiu e demorava a passar. Saiu assim mesmo, arrostando a tormenta. Quase foi levado por um pé de vento e tragado pela enxurrada; foi salvo ao se agarrar a um pé de goiaba que vicejava na calçada. Desfeito e ensopado entrou, pé ante pé, pela porta lateral da capela onde Luzia de mau humor o esperava ao pé do altar. Tinha os pés em fogo nos apertados sapatos novos. Ao ver o noivo que mal se aguentava em pé, a moça olhou para tal espantalho e deu no pé. Os parentes de um lado e de outro se puseram a discutir em pé de guerra. Foi quando o enérgico pároco os expulsou meio que a pontapés. E a noiva? Esta, ao chegar à casa, mergulhou as doloridas extremidades num bom escalda-pés. Depois, reconfortada, sentada ao pé do fogo pensou, acho que, em matéria de noivos, tenho pé frio. Melhor seria ter logo lhe dado um pé na ........


Silvinha a modelo - Antonia Marchesin Gonçalves



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Silvinha a modelo
 Antonia Marchesin Gonçalves

                    Morava com a mãe e um cachorro branquinho. Ela já tinha dez anos e, diferente das amigas, Silvinha sabia o que queria. Seria modelo, uma bem rica e famosa.
                     Enquanto a mãe trabalhava na roça, a pequena era levada junto, ela sonhava em não ter a vida que a mãe tinha. Esmeralda, a mãe, era de feições bonitas, corpo esguio, morena cor de canela mas de mãos calejadas pelo trabalho que abandonada pelo marido criava a filha sozinha. O melhor amigo de Silvinha era o cachorro branquinho, que nem tinha nome e assim era chamado pela sua cor, carinhoso e de olhar meigo era o seu confidente. Ela falava com ele o tempo todo, dizia a ele você vai ver vou estudar, crescer e vou morar na cidade grande e lá serei escolhida para ser modelo, como aquelas da TV, e serei rica. Silvinha não era como a maioria das crianças que mudava de ideias sempre, não, era obstinada a ponto da mãe, Esmeralda, decidir vir para São Paulo para que o sonho da filha se tornasse realidade.
                      Esmeralda começou a trabalhar de faxineira e foram morar de favor em casa de parentes. Silvinha deslumbrada pela cidade passou a adolescência entre a escola e ajudar a mãe em casa, sem que nenhum momento abandonasse a ideia de ser modelo, comia com parcimônia com medo de engordar e cuidava do cabelo e corpo com os parcos recursos que tinha. A genética de Silvinha a favorecia, pois crescia tão bem que aos 14 anos já tinha 1,75m, e ela se distinguia entre os colegas da escola.
O acaso a fez tornar o seu sonho realidade, passeando ela com amigos no Shopping, tinha naquele dia o famoso olheiro (pessoas que trabalham para as agências de modelo a cassa de novos rostos) que a abordou para que fosse à agência  fazer testes, pois tinha gostado dela.
                       No dia seguinte mal havia dormido  tamanha excitação, foi ela para a agência.   Chegando lá mal sabia ela que era uma das melhores agências do Brasil e entrou na fila de rapazes e moças iguais a ela com o sonho de serem modelos. Os testes, depois de muita espera, foram cansativos, mas ela mal sentia o cansaço, estava realizando seu sonho. Dias depois ela foi chamada, tinha sido escolhida para fazer um trabalho e de lá só deslanchou, se tornando realmente uma profissional respeitada e valorizada a ponto de desfilar pela Europa para os melhores estilistas, e sempre junto com ela estava dona Esmeralda, que orgulhosa da filha cuidava dela o tempo todo.
Só o cachorro Branquinho não a acompanhou no sucesso, pois já velhinho havia morrido.
                        Não podemos desistir dos nossos sonhos por mais impossíveis que possam parecer.


Poeminha Amores de outrora - Ises de Almeida Abrahamsohn



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Poeminha  Amores de outrora  
Ises de Almeida Abrahamsohn  

Da mesa do pequeno café
Vi entrar o portentoso senhor
Semblante nebulosamente familiar
Memória de antigos cafunés
Beijos ávidos há muito esquecidos
Mãos adolescentes que se exploravam
Na traseira de carros desenxabidos
Demorei a lembrar o nome perdido
Recordei o altissonante sobrenome
Paixão absoluta na juventude
Como não lembrar de tal  nome
Sonhava ao imaginar futuro em comum
Viageiros e aventureiros pelo mundo
Não tinha ele, porém, essa ambição
Queria mulherzinha de cama e fogão
Nunca mais o vi, nem dele soube
Aproximei-me sem que me visse
Virou-se ao ouvir o nome completo
Hesitante fitou-me o rosto inquieto
Sorriu de boa lembrança ao dizer meu nome
Contou-me dos quatro filhos e netos
Do sítio onde aposentado vivia
Sem interesses, sem sentir a vida se lhe esvaía
Pudicamente não lhe contei minhas viagens
Nem tampouco meus pequenos sucessos
Despedi-me rápido do Romeu de outrora
Pretexto de reunião em cima da hora
Que sorte, naquela época, ter levado um fora.


VIAJEI SÓ, LONGE FUI - Oswaldo U. Lopes


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VIAJEI SÓ, LONGE FUI
Oswaldo U. Lopes


Sozinho, na proa, sinto a chuva e o frio
A Constelação do Cruzeiro quase na vertical
Me diz que o rumo é sul
Penso em tudo que passou e sorrio
Há um ruído discreto das ondas batendo na lateral,
O tempo passa devagar nesse escuro azul


O que procuro quando em torno se faz noite
O que deixo atrás? Dias atribulados
Lembranças pesadas, tristes como açoites
Como apagar dias mal lembrados?


Navegar é preciso, chegar não
Esboço um sorriso ao lembrar Pompeu
Tenho algo preso no coração
Tristezas, lágrimas o último adeus


Parti e não olhei a ré
Não bastou, a ré veio para frente
Fiquei aqui sozinho de pé
Tentando não sentir o quente
Que escorre por dentro como café

Escuro, encardido, mas ainda presente

ADEUS, ATÉ NUNCA MAIS - Sérgio Dalla Vecchia



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ADEUS, ATÉ NUNCA MAIS
Sérgio Dalla Vecchia

Rubens acordou com um tropel próximo à janela do quarto.
A esposa também já acordada, ainda esfregando os olhos, perguntou:
— Que barulheira foi essa, querido?
— Acredito que sejam cavalos galopando aqui pertinho. Vou abrir a janela para conferir. - Respondeu já com a mão no cremona.
O dia estava nublado, garoa caía quase imperceptível. A luminosidade era suficiente para avistar um corredor ladeado por cercas brancas de madeira muito bem alinhadas, distante uns dez metros do chalé.
Acompanhando esse corredor, Rubens verificou que ele partia das cocheiras rumando para vários piquetes esquadrinhados e divididos também pelas pitorescas cercas brancas.
A garoa fornecia um brilho especial a paisagem, realçava o verde dos pastos acarinhando o olhar de quem observava.
O casal debruçado à janela, extasiados aspiravam o ar fresco e recebiam naquela manhã, o bom dia mais agradável referenciado pela mãe natureza.
Estavam ali, naquele lugar encantador graças ao convite de um amigo para passar o feriado da Proclamação da República em um Haras no município de Colina, S.P. Chegaram a noite, portanto naquela manhã é que estavam reconhecendo o lugar.
Impecáveis como anfitriões, eram o proprietário do Haras e sua simpática esposa. Tudo perfeito, café da manhã, petiscos na piscina, lauto almoço, whisky da tarde e um leve jantar na medida certa.
Num passeio a pé pelos piquetes, Oscar o proprietário, percebendo a admiração de Rubens por cavalos, por pura gentileza de amigo, ofereceu a ele como presente um animal.
— Rubens, infelizmente estou acabando com esse meu hobby de cavalos, portanto nada mais prazeroso do que presentear um amigo que realmente goste de cavalgar. Escolha qualquer um desse lote de potros e potrancas.
Rubens encantou-se com o presente, emocionado agradeceu. No entanto precisava um lugar para receber o animal. Tinha uma casa no litoral, mas não seria apropriado.
Lembrou-se do belo sitio do irmão no município de Extrema, M.G. Telefonou-lhe e o irmão disse que acolheria o animal com prazer, desde que as custas da manutenção fossem por conta de Rubens. O acordo foi fechado.
Agora, debruçado na cerca de um dos piquetes Rubens analisava um por um dos equinos, enquanto a fina garoa refrescava o calor da ansiedade. Foram dois dias de observação até que escolheu uma potranca anglo-árabe de porte alto, alazã, frente aberta e calçada das quatro patas. Ela parecia que piscava para Rubens, era irresistível.
Lá se foi a bela potranca embarcada em uma caminhoneta rumo a Extrema, distante 500km dali.
Agora ela já se chamava Colina em homenagem a sua origem.
Desembarcou sã e salva no sitio. Uma baia limpa e abastecida já a aguardava.
O próprio peão do sitio foi incumbido de iniciar a doma.
Rubens foi visita-la algumas vezes e percebeu que o peão estava com medo da potranca, pois ela o arremessou duas vezes para fora do redondel.
Assim, foi em busca de um especialista em doma numa cidade vizinha e para lá foi Colina.
Visitou-a nesse novo lugar e constatou que a doma fora bem-feita. Montou, testou a obediência dos freios e manobras. 
Agora entusiasmado com o sucesso, Rubens comprou um bem equipado conjunto de arreios numa conhecida selaria em São Paulo.
Não se contendo de tanta felicidade foi estrear dando um passeio a cavalo pelo sítio com o irmão. Aproveitaram para conversar fiado pelas estradinhas das redondezas, acompanhados pelo ritmo da andadura dos animais e pelo canto dos pássaros. A ausência do cotidiano era tamanha, que vez ou outra é que se lembravam quem eram eles.
Mas não eram todos os finais de semana que Rubens podia ir até o sitio. Assim autorizou o irmão a usar à vontade Colina para que não ficasse ociosa.
Foi quando um sobrinho em visita ao sitio montou na égua e saiu a cavalgar com o tio. Pararam na venda para tomar um refrigerante. 0 sobrinho a amarrou numa lasca de cerca e entrou.
Logo foi chamado às pressas porque a potranca assustou e arrancou a lasca, vindo atingi-la na própria barriga, provocando um grande corte. Exigiu consulta do veterinário e aplicação de vários pontos cirúrgicos.
Aborrecido, Rubens acompanhou a convalescença por várias vezes, puxando-a pelo cabresto em pequenos passeios junto a sede para a cicatrização do corte.
Enfim, curada ficou apta a ser montada.
Havia um menino, filho do peão que tinha como rotina diária trabalhar a tropa, cavalgando alternadamente nos animais para exercita-los.
Certo dia ele montou na Colina e não se sabe por que ela desembestou desvairada, pulou cercas e foi parar num brejo atolada. O menino teve ferimentos leves. Foi um grande susto!
Após o acidente Rubens percebeu que ela não tinha condições de permanecer no sitio, poderia machucar alguém com gravidade.
Lembrou-se da fazenda do cunhado localizada no município de Avaré, S.P., distante também aproximadamente 500km de Extrema.
A fazenda era um lugar ideal para ela exercitar e acabar com doidices de égua desocupada. Foi combinado para que ela trabalhasse na lida do gado todos os dias, montada por peões experientes que a tornariam mansinha.
Rubens contratou o transporte e lá se foi a Colina para Avaré.
O tempo foi passando e ele foi algumas vezes a fazenda, onde teve a oportunidade de monta-la e perceber que estava calma (cansada). Acabara aquela elegância dos bons tratos. Agora era trabalho mesmo. Emagreceu e até criança a montava.
Acabou a novidade e foi deixada um pouco de lado na lida, pois como é típico da raça, o andar é trote e os peões tinham opções mais macias.
Certo dia o melhor peão da fazenda resolveu monta-la, despreocupado cavalgou até que em certo local ela empacou, ele a forçou e acabou de costas no chão. Foi uma cena de rodeio, disseram testemunhas. Ela corcoveava nas alturas. Ora para a direita, ora para esquerda, ora estacava, ora arrancava e o peão aguentando firme. Foi quando ela empinou, ficou totalmente em pé e em seguida caiu de costas (boleando) derrubando o valente peão, que por pouco não foi amassado pelo corpo da potranca.
Ela ficou famosa, derrubou o melhor peão da região. Ninguém tinha mais coragem de monta-la.
Difícil mesmo foi Rubens aceitar o diagnóstico dos peões, afirmando que Colina tinha má índole e recomendaram para que ele não mais a montasse, a bem da segurança.
A tristeza era muito grande. O sonho de cavalgar o próprio animal havia acabado num passe de mágica. Tudo passava pela cabeça de Rubens, o gesto bem intencionado do amigo, a felicidade do presente, o porte majestoso da potranca, a escolha no piquete, a doma, os passeios e agora tudo acabado.
Entretendo surgiu uma luz no fim do túnel. Conversando com o cunhado, resolveram faze-la cruzar com um jumento da raça Pêga, ali da fazenda para gerar lindos e fortes burros. Eles têm muita procura e ótimo valor de mercado. Rubens sonhava já com os lindos burros, até pensava em ficar com um só para cavalgar.
Passado algum tempo, constatou-se que por melhor que fosse a performance do jumento, ela não engravidava. Era estéril!
Rubens mais uma vez decepcionado e arrependido por não ter escolhido um outro animal que não fosse tão desafortunado, acabou tendo uma brilhante ideia.
Dois dias depois ele embarcou a tão escolhida potranca com destino a um circo rodeio como doação. Lá ela seria feliz derrubando todos que a montassem. Era única atividade que fazia com louvor!
Durante a despedida, Rubens emocionado, mostrando uma fisionomia tensa, aproximou-se do reboque do translado e com olhar penetrante sussurrou no ouvido da sua querida égua:
— Adeus, até nunca mais!
E uma gargalhada de alivio ficou solta no ar!