Glórias passadas - Ises de Almeida Abrahamsohn



Glórias passadas
Ises de Almeida Abrahamsohn

Estamos aqui, eu e minha parceira inseparável, imagem especular de meus dedos. Nesta prateleira escondida do fundo... Ninguém mais tem interesse por nós. Não estamos mais na moda. Por isso não somos vendáveis como os vestidos e bolsas expostos na frente da loja. Pelo menos é o que Mrs. Stern considera. Ela é a proprietária. Mas, tivemos muitos momentos de fama e glória. Não sei como viemos parar aqui, neste brechó de bairro distante a umas boas dez milhas do centro de Hollywood. Aqui a freguesia não tem nada de glamourosa; o que o pessoal quer mesmo são roupas baratas. Alguns são aspirantes a artistas, outros ganham a vida como figurantes e a maioria não tem mesmo nada a ver com cinema. São uns pobretões. Mal sabem todos que nós valeríamos uma fortuna num leilão. Aqueles leilões milionários de roupas que atrizes famosas usaram em filmes de sucesso. Sabem quais, não é? Aquele vestido branco da Marylin, o avental de Judy Garland e por aí afora.

Se eles soubessem...

Nós somos aquelas longas luvas pretas da Rita Hayworth. Lembram-se do filme? Procurem no you tube, esta invenção dos tempos modernos!  Ela dançando e cantando “Put the blame on Mame” em Gilda... Maravilha de mulher com longos cabelos ruivos e pele alvíssima. O vestido de seda preto justo, tomara que caia, com insinuante fenda frontal, e nós, as longas luvas de seda negra, despidas vagarosamente uma após a outra e lançadas para a plateia hipnotizada... Espetacular e super sexy! Mas sem nudez, vetada pela censura do comitê de moralidade!

E aquele homem lindo, de smoking que se apropriou de nós duas e levou até o camarim depois do show? Vimos tudo escondidas no bolso do conquistador. Ele era vidrado nela. Levou-lhe um par de brincos de tirar o fôlego. Acho que eram esmeraldas... Quando ele atirou o paletó para beijá-la, nós fomos parar num canto empoeirado. Mas vimos tudinho e eu não vou ser indiscreta e relatar. Alguém nos resgatou no dia seguinte e fomos sendo transportadas de brechó em brechó até acabar aqui.


Ah... Se soubessem...

Um comentário:

  1. Ledice Pereira12/13/2016

    Muito bom seu texto Ises. Viajei com as luvas. Parabéns!
    Ledice

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