A
mulher assustadora do prédio da rua Chestnut
Ises de Almeida Abrahamsohn
Era
o sétimo apartamento que eu iria olhar. Nunca tinha imaginado tanta dificuldade
para conseguir uma moradia naquela cidade. Eu estava ficando desesperada, o preço
do minúsculo Airbnb era cotado para turistas.
A corretora tinha avisado que com a grana que eu podia pagar, seria difícil
achar algo em um lugar razoavelmente seguro e que não fosse infestado por
baratas. Combinei para as quatorze horas na frente do prédio A localização era
boa, a duas quadras da região mais valorizada da cidade e havia supermercado e
um café próximos. A foto do Google Maps mostrava um prédio antigo de quatro
andares no número 1.707 da Chestnut. Talvez sete fosse meu número de sorte.
Encontrei Susan, a corretora, já esperando à frente do prédio.
— O
apartamento fica no segundo andar, são dois por andar e não há elevador, tudo
bem? Mas já está meio mobiliado, o que pode ser vantagem para você, disse com
um sorriso encorajador.
Bem,
nessa altura, eu já me tinha resignado a alguns lances de escada e, de fato,
não ter que comprar cama, mesa e um sofá seria uma benção para as minhas
finanças. A vantagem de Susan era que ela de cara entendeu a minha situação
financeira de bolsista estrangeira e não tentava me convencer a alugar algo
acima das minhas possibilidades como os outros corretores anteriores.
Subimos a escada de madeira que já tinha alguns degraus escavados e desbotados,
mas escrupulosamente limpa, e chegamos ao minúsculo hall do segundo andar.
Susan abriu a porta do 22. Bastante razoável, pensei, enquanto experimentava as
torneiras e o chuveiro. Havia uma janela no quarto e outra na área da sala com
boa iluminação. E a mobília estava em bom estado, assim como a geladeira e o
fogão de duas bocas.
— Vou
ficar com ele, eu disse para Susan, sentindo-me aliviada. Espero que não
existam fantasmas nessa casa antiga. Você conheceu os moradores anteriores?
Mas Susan não sabia nada sobre os moradores. Na verdade, o prédio era uma
casa antiga reformada de três andares. O quarto andar era uma mansarda não
habitada.
Mudei-me no dia seguinte pela manhã com as minhas duas malas e toda a
disposição para fazer uma boa limpeza. Creio que subi e desci as escadas umas
cinco vezes trazendo balde, vassouras, roupa de cama e banho, produtos de
limpeza, alguma louça e talher e um forno de micro-ondas que, com a chaleira
elétrica, comporiam minha cozinha. Adormeci quando me deitei ao olhar as
mensagens no celular; eram ainda sete horas. Acordei por alguns minutos com um
ruído persistente vindo do hall, parecia que raspavam o chão. Porém, logo caí
de novo no sono até de manhã.
Cheguei
às nove horas para encontrar o chefe do laboratório com o qual eu trabalharia
pelos próximos três anos na minha pós-graduação em transmissão neuromuscular.
Durante o restante do dia estive ocupada em conhecer pessoas e setores do
instituto. Cheguei ao meu prédio por volta das cinco da tarde. No hall do
primeiro andar encontrei uma mulher alta, muito magra, vestida com um vestido
de algodão comprido que parecia ter saído de um filme dos anos cinquenta.
Estendi a mão dizendo:
— Acabo
de me mudar para o 22. Sou Ana Luísa, trabalho na universidade.
A
mulher avançou o braço direito como querendo cumprimentar, mas o braço sofreu
um espasmo e moveu-se para o lado. Ao mesmo tempo, uma contração dos músculos
do pescoço virou a sua cabeça para o lado oposto.
Eu já havia visto pessoas com espasticidade devida a doenças neurológicas e
este era um caso muito grave.
Ela
fez um esforço para falar e após alguns movimentos da boca, falou.
— Não
vá sujar as escadas. Eu limpo toda a noite. Senão vai ter que ir embora.
A coitada tinha também uma voz que se alternava entre rouquidão e agudos,
aparentemente incontrolável.
Não
havendo mais o que dizer falei um até logo e subi as escadas.
À
noite por volta das onze eu estava ao computador organizando o trabalho da
próxima semana e ouvi aquele mesmo barulho repetitivo da noite anterior.
Ao
abrir a porta deparei-me com a mesma mulher, que, com vassoura, balde e água
com sabão esfregava vigorosamente o chão do minúsculo hall. Falei "boa
noite" ao que a pessoa respondeu com dificuldade, boa noite, após várias
contrações dos músculos do rosto e agitação dos braços. Seguiu-se um:
—
Compra um capacho para a entrada. E a mulher desengonçada, com dificuldade,
prosseguiu o trabalho agora nos degraus da escada abaixo.
Fechei a porta e voltei ao meu trabalho. Escutei os barulhos da mulher
trabalhando até a uma da manhã.
No
dia seguinte, sábado, fui tomar meu café da manhã no café ao lado.
Um rapaz de uns trinta anos aproximou-se e se apresentou como o morador do
apartamento 12 do andar inferior. Tomamos o café e perguntei a ele sobre a
estranha mulher.
— Ela é Jeanne. Inofensiva se você não a irritar. Mora na mansarda do quarto
andar. Parece que o prédio originalmente pertencia aos avós dela. Foi o que
ouvi. Os pais transformaram em apartamentos e viviam em dois deles com a renda
dos outros. A Jeanne tinha essa doença neurológica desde a juventude. Quando os
pais morreram os tios herdaram e permitem a ela morar na mansarda e lhe dão
alguma renda para sobreviver. Mas ninguém cuida dela. Ela sofre muito com
barulho, trabalha mais à noite e tem dificuldade de se deslocar. As crianças se
assustam com ela, ela, mas se não a contrariam permanece calada. Tem essa mania
de limpeza.
Ana
Luísa sabia que com tratamento adequado Jeanne poderia melhorar muito. Havia
medicação e fisioterapia para controlar os movimentos espásticos involuntários.
Mas seria necessário alguém que a acompanhasse ao hospital e aos tratamentos.
Contou
a história para o chefe do laboratório. Este lhe indicou qual seria o
caminho para conseguir algum apoio para Jeanne.
Afinal conseguiram assistente social e a consulta para Jeanne que após três
meses estava visivelmente melhor. Conseguia falar e os espasmos dos braços
estavam muito reduzidos.
A
mania de limpeza continuou, mas a estranha Jeanne agora não era mais tão
estranha. Conversava e não assustava mais ninguém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário