Amigo Grilo - Adriana Frosoni

 




Amigo Grilo

Adriana Frosoni

 

Numa fazenda, longe da cidade,

Vivia uma formiga cheia de vaidade.

Trabalhadora e sempre ocupada,

Sonhava com uma vida mais agitada.

 

Ao seu lado vivia um grilo cantor,

Que não parava de fazer seu labor.

A formiga, intrigada, um dia o questionou:

"Por que você canta se é só um trabalhador!"

 

O grilo respondeu com muita alegria:

"A vida é curta, então eu canto todo dia!

Enquanto você só trabalha sem parar,

Eu trabalho e canto para me alegrar."

 

A formiga, então, refletiu um pouco,

E percebeu que seu ritmo era muito louco.

Decidiu trabalhar e cantar como o grilo,

E assim, o dia ficou mais tranquilo.

 

A partir daí viraram grandes amigos,

E a formiga encontrou o equilíbrio.

Trabalho e diversão, lado a lado,

Para um dia feliz e bem aproveitado!

A ninfa dos lírios - Suzana da Cunha Lima

 



A ninfa dos lírios

Suzana da Cunha Lima

 

Siá Ritinha trabalhou em nossa casa muitos anos, uma vida! Era como da família. Ajudou mamãe, que trabalhava fora, a nos criar, sempre paciente e alegre.

Todos nós cinco crescemos vendo Siá Ritinha às voltas com ervas e unguentos, acendendo velas e rezando para seus orixás.  Era eclética. Para tudo ela tinha um remédio:

Intestino preso, neurastenia, menino que não quer comer, dificuldade em engravidar, marido infiel, passar no vestibular e por aí vai.

Porém seu maior dom era influenciar o sexo de uma criança, antes de nascer. Até na hora da concepção ela atuava: no que comer antes, na posição mais favorável e se metia em tudo.  Como sempre acertava, os pais obedeciam a ela cegamente.  Ela explicava que usava os poderes da ninfa dos lírios, passados de mãe para filha ao longo dos anos, oriundos de uma lenda bem antiga.

A ninfa dos lírios era uma boneca de trapos, sempre limpinha e envolta de folhas e flores. Ficava num oratório, sentada numa bacia, com os pés dentro d’água. Água sempre renovada.

Eu pude testemunhar um caso com minha cunhada, que só tinha filha mulher. O marido já estava desanimando, assim, foram os dois consultar Siá Rita.  Fizeram todo o ritual da ninfa dos lírios.  Foi a gravidez mais fiscalizada e acompanhada que já se viu.

Afinal, quando a criança nasceu, foi uma alegria geral.  Parto natural e era um meninão!

O pai não cabia em si de tão contente.  Queria, porque queria dar um grande donativo para Siá Ritinha, mas ela não aceitou, de jeito nenhum.  Um agrado, como dizia, estava bem, mas aquele dinheirão?

E ainda explicou, meio constrangida:

— Olhe, Dr. Carlos, veio menino macho, mas eu discuti muito com a ninfa, porque eu achava que ela não estava fazendo o trabalho dela direito.

— Mas que é isso, Siá Rita! Meu filho chegou, saudável e bonito, como sempre quis.

— Pois é Dr. Carlos. Vai continuar bonito e saudável a vida toda. Mas quanto à macheza dele, não sei não. É esperar para ver.

 

Minha fábula minha máxima - Yara Mourão

 



Minha Fábula, Minha Máxima

- As aparências enganam -

 Yara Mourão



Pretinha era gata encrenqueira

Aprontando só confusão

Sempre atrás de brincadeira

De comida e diversão.

Convivia com outro gato

O Floffy, velhinho e doente

E o importunava de fato

Por diversão simplesmente.

Um dia, Pretinha, malvada

Roubou bife de cima da pia

Saindo em marcha pausada

E num só pulo rodopia

Mas Floffy se apercebeu

E quis ganhar um pedacinho

Só que logo adormeceu

Pois estava tão fraquinho.

Pretinha, então, foi legal

Condoeu-se do amiguinho

Deu-lhe o bife afinal

Pra curar o doentinho!

As aparências enganam

Isso é bom e bem profundo

Quando  resultados emanam

São felizes pra todo mundo!

 

 

Pretinha era gata encrenqueira

Aprontando só confusão

Sempre atrás de brincadeira

De comida e diversão.

Convivia com outro gato

O Floffy, velhinho e doente

E o importunava de fato

Por diversão simplesmente.

Um dia, Pretinha, malvada

Roubou bife de cima da pia

Saindo em marcha pausada

E num só pulo rodopia

Mas Floffy se apercebeu

E quis ganhar um pedacinho

Só que logo adormeceu

Pois estava tão fraquinho.

Pretinha, então, foi legal

Condoeu-se do amiguinho

Deu-lhe o bife afinal

Pra curar o doentinho!

As aparências enganam

Isso é bom e bem profundo

Quando  resultados emanam

São felizes pra todo mundo!

 

UMA FÁBULA - Ledice Pereira

 

UMA FÁBULA

Ledice Pereira

 

Lua era um beagle tricolor que encantava a todos da casa e da vizinhança. Reinava como se fosse uma princesa. Latia quando tinha fome, quando queria passear na rua, quando não lhe davam atenção, fazendo-se notar o tempo todo.

Certo dia, deixaram junto ao portão, um gatinho dourado recém-nascido, tão pequeno que mal conseguia miar.

As crianças pediram tanto que os pais resolveram adotar o bichano. Deram-lhe o nome de Sol. Alimentaram-no, levaram-no ao veterinário e, ao contrário do que imaginaram, Lua acercou-se dele, dando-lhe afeto, protegendo-o da chuva e do frio, cuidando como seu fosse seu filho.

O tempo passou e Lua ficou doente. Detectado um tumor, ela teve que ser operada, ficando muito debilitada.

Sol passou forçá-la a comer. Enchia a própria boca, passando para a dela, arrastava sua vasilha de água fazendo com que ela bebesse.

Tanto amor fez com que ela se recuperasse mais rapidamente do que todos, surpreendendo até ao veterinário.

Moral da história: Amor com amor se paga.

UMA NOVA PERSPECTIVA DE VIDA - Ledice Pereira

 



UMA NOVA PERSPECTIVA DE VIDA

Ledice Pereira

 

A viagem para Sidney, Austrália, foi longa e cansativa, com uma parada de quatro horas no Chile e uma descida na Nova Zelândia.

Gilberto havia sido contratado para o cargo de Diretor de Criação da Agência de Publicidade J. W. Thompson, em Sidney, um cargo de responsabilidade e capacidade para o qual ele era extremamente competente.  Tinha o corpo doendo, as pernas adormecidas, estava exausto. A Agência mandou um carro buscá-lo. No trajeto até o hotel, tentou cochilar. A cabeça latejava.

Depois dos trâmites no hotel, finalmente encontrou-se no quarto. Precisava deitar-se. Tinha que esticar as pernas. Ficar na horizontal. O banho ficaria para depois.

Não soube dizer por quantas horas dormiu. Estava confuso. Seu relógio marcava catorze horas a menos do que indicava o rádio relógio de cabeceira. Abriu a cortina. O sol penetrou, clareando tudo. O corpo não queria se adaptar, ligou para a recepção, pediu um café completo, estava faminto. Acordou com as batidas na porta.

— Pode entrar! – Gritou.

Mais batidas. Levantou-se meio cambaleante e abriu a porta.

— Good morning, your breakfast.

Deixou que o homem apoiasse a bandeja na mesinha e saísse. Como um autômato, devorou tudo aquilo. Sentiu uma pontada no peito. Tudo escureceu. ................................................................................................

Acordou num quarto todo branco. Com tubos por toda parte. Um barulho ritmado. Uma mulher de branco entrou sorrindo. Falava inglês.

Onde estava mesmo? Que estranho! Não conseguia lembrar-se de nada.

Doctor Robert contou-lhe que estava ali há quinze dias, sofrera um infarto. Felizmente, fora socorrido pelos funcionários do hotel que o encaminharam para o hospital. Ali, após os exames, constataram a necessidade de inserir um Stent no interior de sua artéria comprometida. Estava fora de perigo, mas teria que seguir algumas prescrições.

Estava em Sydney, Austrália. Sua família, comunicada pelo dono da Agência, viera imediatamente e autorizara o procedimento. Aliás, todos, estiveram ali todos os dias, inclusive o preocupado patrão.

Olhou no relógio. Eram oito horas. Explicaram-lhe que o horário de visitas era a partir das onze.

— Meu Deus, eu poderia ter morrido. A vida é um sopro!

Nunca, três horas demoraram tanto a passar. O abraço demorado, trocado com a mulher e os filhos, naquele dia, teve um significado especial, mais forte, de gratidão, de esperança, de fé, de um amor infinito.

Indícios de que ainda seriam muito felizes naquele lugar tão distante.

A queda - Ises de Almeida Abrahamsohn

 





A queda
Ises de Almeida Abrahamsohn

 

Um baque surdo foi o que despertou o sonolento porteiro. Devem ser os lixeiros ou algum gato, pensou Josenildo, sem tirar os olhos da entediante partida Bragantino vs. Mogi-Mirim. A pequena TV, mais uma térmica de café, eram as companheiras que o ajudavam a atravessar a noite naquela portaria, em geral, sem incidentes.

Alguns minutos depois, seu colega, Edson, mais antigo no serviço e já entrado nos anos, subiu da ronda que fazia pela garagem.
Ouvi um ruído estranho no outro lado do jardim, Josenildo. Vou olhar...

Deve ser aquele gato cinza que anda rondando. Mas se quiser, vou ver...

O rapaz saiu para o jardim. Silêncio de meio de madrugada, sem ônibus ou carros passando. Olhou ao redor, tudo escuro, o ar parado, imóvel para além do círculo de luz da entrada do prédio. Os olhos se acostumando à escuridão. Deu alguns passos e ouviu. Um leve gemido quase imperceptível.

Josenildo correu para a lateral do prédio. No cimento, o corpo de uma criança aparentando uns cinco ou seis anos. Gritou para o colega acudir e trazer a lanterna. Aproximou o ouvido para tentar escutar a respiração da menina. Nada. Aquele gemido devia ter sido o último. Lembrou do treinamento de primeiros socorros. Ajeitou a posição da cabeça e ajoelhado começou: 6 apertos no peito para cada sopro na pequena boca. Será que estou fazendo certo?

Edson chegou com a lanterna, o celular e discou o SAMU e o 190. Lembrou do Dr. Anísio do 32 e já ligou para o médico. De onde teria caído?

Josenildo continuava a tentativa de reanimação. Não havia sangue. Não sabia se havia fratura na cabeça ou pescoço. Após cinco minutos, chegou o médico de pijama e roupão, munido de estetoscópio.
Examinou a menina que jazia ali imóvel, as pernas estranhamente viradas em direções opostas.


Pode parar, Josenildo. Não vai adiantar. Fraturou o pescoço, o coração não bate e não mais respira...Vamos esperar a polícia chegar.

Eram vinte e quatro apartamentos no prédio, metade voltada para a lateral onde jazia o corpo da garotinha. De qual janela caíra ou tinha sido empurrada? Não havia terraços daquele lado.

Os porteiros deixaram o médico ao lado do corpo e da portaria ligaram para o síndico. Seu Carlos atendeu com aquela voz pastosa, sem entender a princípio o ocorrido.  De repente, acordou...

O que já fizeram? SAMU, polícia, já chamaram? Preciso verificar na lista dos moradores em quais apartamentos há crianças dessa idade. Em três apartamentos daquele lado do edifício havia crianças. Seu Carlos resolveu ligar para cada um e perguntar.

Que horrível, pensou. Ser acordado por um telefonema assim, perguntando sobre o filho ou filha, e ele teria que justificar. Resolveu dizer que tinha havido um acidente, sem entrar em detalhes. Pediria para falar com o homem da casa... Melhor, pensou. Já imaginou a reação de uma mãe? 

O síndico teve bastante sorte. Nos três apartamentos que ligou, as respectivas crianças estavam bem e dormindo. Quem seria?


Na última ligação, quem o atendeu foi o morador do oitavo andar, Inácio, que estava bem acordado ao receber a ligação. Era um desenhista que costumava trabalhar de madrugada, segundo explicou, para poder se concentrar. Carlos o conhecia, era simpático, a esposa era médica e tinham uma filha de três anos que o pai levava à tarde para a escolinha. Inácio se lembrou que naquela noite mesmo, lá pela uma da madrugada, ouviu vozes exaltadas do casal do andar de cima e algum choro de criança. Até pensou que, se continuasse, iria ligar para a portaria. O casal tinha se mudado há um ano para o prédio e aparentemente não tinham filhos. Mas Inácio já os tinha encontrado algumas vezes no elevador. Tinham entre vinte cinco e trinta anos e, uma vez, estavam com uma garotinha de uns cinco anos, talvez uma sobrinha.

Carlos ficou calado, não deixando transparecer que tipo de acidente havia ocorrido, apesar das perguntas do morador. Desculpou-se e desligou o telefone. Olhou sua lista de moradores. Sim, lá estava o casal que morava no nono andar daquele lado. Sabia bem quem eram. Daniel Moreira e Tereza Alberis Castanho. A moça não tinha o mesmo sobrenome do marido. Deviam morar juntos ou ela podia ser a esposa de um segundo casamento. Era bonita, alta, elegantemente vestida e parecia bem decidida. O marido, já um pouco grisalho, talvez uns trinta anos, aparentava tranquilidade e sempre estava com roupa de esportista, tênis e moletom. Os dois saíam de manhã e só voltavam à noite.

Carlos voltou ao andar térreo, onde os dois porteiros bem nervosos o esperavam com o Dr. Anísio, que já dera seu depoimento à polícia e queria voltar ao seu próprio apartamento. O dia começava a clarear. O corpo da menina continuava ali, agora delimitado por uma faixa clara. Quatro luminárias de campo iluminavam a área. Carlos contou ao investigador o que conseguira apurar sobre crianças moradoras do prédio e a conversa com o morador Inácio do oitavo andar. O legista e a perícia ainda não haviam chegado.

Josenildo e Edson foram dispensados para voltar aos seus postos na portaria.

Os policiais resolveram aguardar, raciocinando que alguém iria notar o desparecimento da criança. 


De fato, perto das 6 horas da manhã, tocou o telefone na portaria. Um homem soluçando contou que acordaram e viram que a filha não estava mais no quarto. Viram que na sala havia um rasgão na tela de segurança da janela e ele achava que a menina tinha se debruçado e caído da janela do apartamento. Era sua filha Laís, do casamento anterior, que tinha vindo passar o final de semana com o pai.

A investigação pela polícia verificou que de fato havia um rasgão na tela protetora na janela que permitiria a passagem de uma criança do tamanho de Laís. E havia fiapos da roupa vermelha que ela vestia. O pai relatou que havia um pequeno rasgo na tela de arame e que ele pretendia chamar alguém para consertar, mas não era grande. E que a menina era muito levada. Queria sempre olhar pela janela. Porém, o caso foi esclarecido quando foi achada uma tesoura bastante forte para cortar uma tela em meio aos utensílios da cozinha. As evidências de que se tratava de crime vieram quando a perícia encontrou pequeníssimos fiapos de tela metálica na tesoura. O casal confessou finalmente o assassinato, com a mulher alegando insanidade passageira.

 


IN MEDIA RES PODE SER CURTA. - Oswaldo U. Lopes.




 IN MEDIA RES PODE SER CURTA.

Oswaldo U. Lopes.

 

Bem-vestido, cruzou a porta do Pronto-Socorro e entrou sem chamar a atenção, virou à direita sem hesitação, entrou no quarto onde havia um único leito. Aproximou-se do doente entubado e ligado a um aparelho respiratório. Não se interessou pelo aparelho, desconectou-o do tubo e fechou este com as mãos. Foi rápido e eficiente. Alguns estertores e mais nada. Voltou a conectar o respirador artificial e o enjoativo barulho seguiu-se como se nada houvesse passado. Saiu como entrara, só que cruzou no corredor com outra pessoa também bem-vestida.

        Ninguém notou nada. No PS, havia internadas várias tentativas de assassinato, ocorridas fora dali. Essa talvez fosse a primeira perpetrada lá dentro, planejada e executada por alguém lá de dentro.

        Custaram a perceber a morte, muito! Afinal, o doente já estava mal, entubado, com poucas chances. Começaram a chegar os familiares, todos bem-vestidos. Então era isso, família rica, de posses, influências várias, ficou num quarto sozinho, no corredor da direita. Agora, não havia mais penumbra, luzes, muitas luzes.

        Só a velha enfermeira, antiga na profissão, se preferirem, parecia inquieta, olhava as mãos do falecido, pegava-as e comparava com as suas. Cianose intensa.  Saiu e foi para a sala onde os detetives ficavam. Contou o que vira. Um deles levantou apressado. Chegou ao quarto, olhou e certificou-se do que a enfermeira contara. Perguntou, apontando para o cadáver:

— O falecido tinha algum parente médico?

— O José Antônio, sobrinho, estudou aqui mesmo.

— O cadáver vai para o IML e o José Antônio deve apresentar-se para declarações e interrogatório.

        In media res ficou reduzida a in curta res.

A PÁSCOA – PASSAGEM - Oswaldo U. Lope

                 



A PÁSCOA – PASSAGEM

Oswaldo U. Lopes

 

        Me encontrava encostado na beira da estrada quando Ele passou. Debulhei-me em lágrimas. Ele veio até mim.

— Por que choras?

— Meu ouvido e meu olho incomodam.

Percebi que Ele passava saliva nos seus dedos. Sem que eu tivesse nada dito, passou-os no ouvido e no olho esquerdos. Senti um alívio imediato. Ele voltou a andar no meio da multidão que o seguia. Emocionado, continuei a chorar. Ele, que já estava longe, caminhou de volta e ficou na minha frente:

— Por que o jovem continua a chorar?

— Não sou jovem, longe disso.

— Tens o espírito mais jovem do que muitos que andam comigo, mas enfim, por que o choro?

— Sou um pecador, Mestre.

— Vai em paz, teus pecados estão perdoados.

Ele seguiu, e eu ali fiquei, pasmo, calado, com um resto de lágrimas a me escorrer. Será que demonstrei amor suficiente para ter meus pecados perdoados?

Será esta a passagem da Páscoa pela qual tanto esperamos. Me encolhi mais ainda, pelo menos acompanhara a Passagem do Metre.

N0 HOSPITAL – A FÚRIA - Oswaldo U. Lopes.

 



N0 HOSPITAL – A FÚRIA

Oswaldo U. Lopes.

 

         Jorge Antônio era assistente de pronto-socorro do HC. Estava acima dos internos, residentes, enfermeiras, porteiros e padres. Estava acima do bem e do mal, senhor da vida e da morte.

         Era competente, mas muito competente! O que explicava o enorme respeito que o envolvia, e mais curioso, trabalhava de fazer inveja a qualquer mouro que aparecesse.

         Hoje a coisa perecia sair dos eixos:

— Vai trabalhar, sua vagabunda!

A enfermeira virou as costas, dando graças a Deus de não ouvir “puta”.

“Ah! O menino, mas o menino, chegara quase morto. Acho que é baço” falou o Pé de Valsa, enfermeiro com trinta anos de porta, com ar de longa sabedoria, só para ouvir na próxima vez que empurrava uma maca para dentro:

— Fica na porta que é seu lugar. Vai entubar ou vai ficar espiando pelo laringoscópio?  

O anestesista que tentava acudir o garoto largou o instrumento:

— Faz você, gostosão. Ele fez isso e outras coisas. Fez transfusão para a moça do aborto, mas não sorriu. Olhou a chapa do velhinho e sapecou no residente:

— Cadê o sangue do menino, porra!

— Padre, agora não! Se o menino morrer e você começar a benzer, você vai junto.

A mesinha de curativo que voou longe com o chute certeiro nem sabia qual era a culpa, além do fato de que o material em cima dela estava todo errado.

O foco tombado pensava em como é dura a vida de quem não ilumina direito.

E o menino, era baço mesmo?”

E era. A merda de sempre, gente pobre ganha água encanada, duas torneiras, uma fica lá fora para lavar roupa. Compre um modesto tanque, não tem dinheiro para cimentar, monta uns tijolos, máquina de lavar roupa de pobre é barata, né!

Menino de pobre não é diferente de menino de rico. Curiosos, os dois são. Debruçar, os dois se debruçam. Mas o tanque só vira em cima do pobre, portanto, só corta o baço do pobre.

Dia após dia, bolsa isso, bolsa aquilo, educação continuada, séria, para todos, só na Coreia, Canadá ou Hong Kong. Até quando vai continuar rompendo baço, bolo de áscaris, miséria de aborto, esse mar sem fim de incúria e roubalheira?

Até quando vão ficar levando menino com hemorragia na benzedeira, beijando para ver se melhora, esfregando álcool nas canelas?  Está vivo, mas acho que não chega nem no centro cirúrgico. “Cala a boca, vagabunda! ”

Até quando tanto sofrimento, tantas transações tenebrosas, quando um cimentado dava jeito. A porta devia ter saído da frente, teria evitado o pontapé. “Quem vai assinar o atestado de óbito? Sua mãe, ou melhor, leva para a presidente da república e ela a causa mortis.”


Saiu, uma fina garoa cobria a noite fria, chorou e chorou muito, que homem só chora na solidão. E aquela era a maior solidão. Ele, Deus e a noite na cidade. Como na Balada de Sacco e Vanzetti aquela agonia era seu maior triunfo!


O rei do cimento - Antonia Marchesin Gonçalves

 




O rei do cimento

Antonia Marchesin Gonçalves

 

         — Como vim parar aqui? — Quem é você? 

Marcos respondeu:

— Calma, encontrei você na praia, estava desacordado, trouxe você aqui com ajuda do meu vizinho. Qual é seu nome?

— Nome? - Respondeu, com expressão de dúvida e olhar vago. Após minutos disse: — Não lembro quem sou.

Marcos disse que era normal a perda de memória.

— Você sofreu traumas, provavelmente por sua embarcação ter sido acidentada, pode ficar aqui na minha casa até você se sentir melhor.

                   Nos primeiros dias o homem ficou na cama, ainda se sentia fraco. A esposa de Marcos cozinhava muito bem. E, ele voltava da pescaria sempre trazendo pescados, além de frutas frescas, verduras e legumes originais da ilha.

Dessa maneira, o náufrago começou a apreciar os pratos e saborear o que lhe ofereciam. A família conversava muito com ele, queriam descobrir quem era o homem.

— Podemos te chamar de Venâncio até você se lembrar do verdadeiro nome? E Marcos explicou que não havia médico na ilha, um médico aparecia lá uma vez por mês.

— Daqui a duas semanas ele poderá te examinar, quem sabe até lá você já recuperou a memória.

                   Se sentindo mais forte, Venâncio passou a ajudar a família nos trabalhos do dia a dia. Aprendeu a limpar os peixes, levar para o mercado, preparar a rede para a próxima jornada. Mantinha-se ocupado. Mas, às vezes, ele sentava num tronco em frente ao mar, com olhar distante fixo no horizonte, notava-se o esforço em resgatar a memória. Mas, depois, abaixou a cabeça entre as mãos num sinal de desespero.

Certa tarde, Venâncio estava sentado nesse ponto da praia, quando chegou Mariana, filha do pescador vizinho, que ajudou a salvá-lo. Ele ainda não tinha notado a beleza da moça, e se surpreendeu de encontrar, em lugar tão isolado e simples, um diamante bruto igual a ela. Esbelta, altiva, pernas longas, corpo alinhado, bronzeado e de olhos de um azul esverdeado tão profundo que transmitiam singeleza e, ao mesmo tempo, vivacidade. A conversa durou a tarde toda e não viram as horas passarem. Ele ficou sabendo que ela havia estudado até a oitava série, agora tinha que ajudar a mãe e seus quatro irmãos, mas tinha um sonho, um dia poder estudar enfermagem.

                   Outros dias continuaram a se encontrar no fim da tarde no mesmo lugar, as conversas variando a cada dia. Venâncio não conseguia mais tirá-la dos pensamentos. Nos finais de tarde, já ansiosos, se adiantava para sentar no ponto onde se encontravam diariamente.  Em um desses encontros, Venâncio não resistiu e roubou-lhe um beijo contido há muito, transmitindo toda a paixão que havia nele. Mariana retribuiu com a mesma paixão. Os dois tomados pelo desejo ao sentirem os seus corpos envolvidos com ardor, pele com pele. Só conseguiram se afastar com dificuldade com a chegada de Marcos. Mariana voltou correndo para casa, enquanto Marcos o olhava curioso.

— Eu sei, disse Venâncio, não sei nem quem sou, não tenho o direito de me meter na vida de Mariana. Mas, isso está me consumindo, sinto um vazio na cabeça. Às vezes, sonho com pessoas que não conheço, vejo uma casa grande vazia, acordo com o peito apertado, suando muito. Outras vezes, ondas enormes me engolindo, eu desesperado, tentando respirar, acordo sem nada lembrar, é angustiante.  Essa menina veio me trazer paz, e afugentar meus medos.

                   Via-se na face dele a dor do passado ausente.

Duas semanas mais tarde aportou a barca-hospital, logo filas se formaram.

                   Os integrantes, além dos tripulantes, eram formados por dois médicos e três enfermeiras. Venâncio foi atendido, mas nada puderam fazer com relação à sua memória.  Deixaram, como sempre faziam, revistas e jornais das cidades lindeiras, o que ocupou Venâncio naquela tarde.

No dia seguinte, Mariana chegou à casa de Marcos com uma revista nas mãos:

— Olhe aqui! É você, Venâncio, é sua foto! Todos em volta da revista leram: “O rei do cimento, o jovem industrial Alberto Fonseca de Moraes, está desaparecido após o seu iate ter sofrido pane na tempestade em alto mar. A fúria das ondas e ventos fortes foram as causas de seu desaparecimento. Mesmo após incansáveis buscas, os familiares e sua noiva Angélica, não perderam as esperanças, dizem que ele é atleta e contavam com isso”.

                   Ele olhava a reportagem em silêncio, leu e releu e pensava. Sou eu mesmo, uma noiva, empresário de sucesso? Meus pais devem estar desesperados, mas não vinha na sua mente nem os nomes deles. Devo voltar? Olhou em volta, refletindo e dizendo mentalmente“ Não, eu estou apaixonado pela Mariana, não quero me afastar dela”. Mas, todos se reuniram em volta dele e o aconselharam a voltar.

— Com certeza, com os recursos da sua família, mais chance de recuperação você pode ter. 

Conseguiram o telefone da empresa, e dois dias depois vieram resgatá-lo de helicóptero. Antes, porém, Venâncio ou Alberto prometeu a todos que voltaria logo, em especial para Mariana, sua paixão.

                   Alberto foi recebido com muita euforia pela família. Mas, havia nele uma enxurrada de sentimentos confusos que ressurgiram. Sentia amor dos seus pais e irmão, mas não sentia o mesmo sentimento pela noiva Angélica.

                   Ao chegar à casa em que cresceu, examinou seu quarto e percebeu a memória clareando, aos poucos. E, em poucas semanas, já totalmente recuperado, não parava de pensar em Mariana. Decidiu explicar para Angélica e para os pais sobre a existência de Mariana, terminando o noivado, com a revelação de seu amor pela menina da ilha.  Os pais tentaram de tudo para que ele desistisse da ideia, alegando que o que ele sentia era um sentimento de gratidão. Mas ele estava irredutível.

                   — Não! Lá vi e senti o quanto a simplicidade pode te proporcionar sentimentos verdadeiros, de amor, solidariedade, munidos no desinteresse, sem ambição. Lá encontrei o amor verdadeiro e puro de Mariana, e é com ela que me casarei...

ESCREVIVER - MATERIAIS DE AULAS

 

 MATERIAIS DE TODAS AS AULAS






Quando os autores não se preocupam em empenhar emoção na história, é muito provável que a história não faça a necessária conexão com o leitor. Pois é através da emoção contida na trama que o leitor sentirá empatia com o enredo. Se não houver essa conexão, é porque não houve emoção suficiente no texto.

Não tenham medo da pieguice, não fujam daquilo que é importante para segurar seu leitor: emoção textual. O texto é sua mercadoria, ofereça a melhor, a mais atraente, a mais empolgante.

Além do já costumeiro conselho “mostre, em vez de contar”, vocês, escritores, precisam ir mais fundo, se apoderando dos pensamentos dos personagens, das expressões faciais, dos sinais através dos olhares, dos movimentos corporais. Não devem ter receio de levar o personagem às lágrimas, ou às últimas consequências. Façam isso e explorem os sentimentos deles para contagiar o leitor. Invoquem o passado do personagem para provocá-lo, tragam à tona um amor esquecido que vem agora torturá-lo, um crime escondido, um segredo que ele jamais imaginou as consequências se fosse revelado. Provoquem seus personagens! Trabalhem arduamente na emoção do personagem, na emoção textual.

Descrevam dores e sofrimentos, mostrem seus corações batendo forte, o suor escorrendo pelas costas ou suas mãos ficando dormentes por cerrar os punhos. Podem ir além, dizendo ao leitor que ele teme pela sua vida. Sim, numa conversa do narrador com o leitor, ou do personagem com o leitor, mostrem a insegurança, o medo do personagem. Explorem tudo através das figuras de linguagem, escolham um título chamativo, façam valer as ferramentas literárias que moram nos confins de tantas escritas.

Criar dois contos tendo o cuidado de empenhar emoção nos textos.

TAREFA 1: “Uma mulher faz inquietas descobertas por meio de linhas telefônicas cruzadas”

 

TAREFA 2Um homem de negócios está em viagem, quando sofre um mal súbito e perde a memória.

 






IN MEDIAS RES: In medias res é uma frase latina que significa “no meio das coisas”. Na escrita, usamos esse termo para descrever uma história que começa no meio da ação, sem o preâmbulo de uma introdução. O impacto imediato no público provoca a emoção que o fará seguir adiante. O narrador colocando o leitor no centro da ação, ele emprega uma sensação de urgência tornando a narrativa mais imersiva. É uma estratégia poderosa para cativar o público. Muito diferente das histórias que seguem uma sequência linear de cronologia.

Ilíada de Homero, já começa no meio da Guerra de gregos e troianos. Odisseia, o poema começa 10 anos após a Guerra de Troia, com o protagonista, Odisseu, sendo mantido em cativeiro pela deusa Calipso. O resto da história é contada em flashbacks, que exploram os acontecimentos que levaram à cena de abertura.

 

1. Comece pelo meio. Escolha um momento culminante, conflito, discussão, briga, revelação – qualquer coisa que indique que alguma cadeia de eventos ocorreu neste mundo antes do momento crucial.

2. Injete sua história de fundo. Se você começar sua história no meio, o público eventualmente precisará saber quem são esses personagens e o que está acontecendo. Informações relevantes podem ser fornecidas por meio de flashbacks, fluxos de pensamento, alteração da voz do narrador, ou por meio de diálogo - mas há um equilíbrio que todo escritor deve encontrar ao fornecer informações suficientes ao leitor para que ele entenda a situação atual sem despejar um tesouro de conhecimento sobre ele.

3. Torne isso urgente. A cena que você escolher para iniciar deve ser um momento crucial e de alto risco para os personagens principais de sua história e deve fazer parte integrante do enredo. Provoque o leitor, deixe-o ansioso imaginando como e por que aconteceu, e ansioso também para saber se tudo vai dar certo para os protagonistas.

 

TAREFA 1: Um segredo que gera ganância, desconfiança, e um crime.

TAREFA 2: Uma pessoa está desaparecida, ela foi sequestrada, e isso gera tumulto familiar e empresarial.








As emoções humanas nos ajudam a lidar com a vida cotidiana, permitindo-nos comunicar ou demonstrar o que sentimos em relação a certas situações, pessoas, fatos, pensamentos, sentidos, sonhos e memórias.

Muitos psicólogos acreditam que existem seis tipos principais de emoções, também chamadas de emoções básicas. Eles são: felicidade, raiva, medo, tristeza, desgosto e surpresa. A felicidade é a nossa reação ao positivo, assim como o desgosto é o revoltante e a surpresa é o inesperado. Da mesma forma, reagimos à aversão por meio da raiva, ao perigo por meio do medo e à dificuldade ou perda por meio da tristeza.

Todas as outras emoções são variedades de emoções básicas. Depressão e luto, por exemplo, são variedades de tristeza. O prazer é uma variedade de felicidade, e o horror é uma variedade de medo. De acordo com psicólogos, as emoções secundárias se formam combinando graus variados de emoções básicas. Assim, surpresa e tristeza produzem decepção, enquanto nojo e raiva produzem desprezo. Múltiplas emoções também podem produzir uma única emoção. Por exemplo, raiva, amor e medo produzem ciúme.

Cada emoção é caracterizada por qualidades fisiológicas e comportamentais, incluindo as de movimento, postura, voz, expressão facial e flutuação da taxa de pulso. O medo é caracterizado por tremores e aperto dos músculos. A tristeza aperta a garganta e relaxa os membros. A surpresa é uma emoção particularmente interessante, caracterizada por olhos arregalados e queixo caído, que dura apenas um momento e é sempre seguido por outro tipo de emoção.

Com os personagens literários, não é diferente. Eles têm reações reais aos conflitos, e essas reações são gatilhos emocionais que promovem a sequência da história.  

Aqui apontamos algumas delas para ajudar o escritor no desenvolvimento emocional do personagem:

Apatia / Ansiedade / Tédio / Compaixão / Desprezo / Êxtase / Empatia / Inveja / Medo / Constrangimento / Euforia / Perdão / Frustração / Gratidão / Mágoa / Culpa / Ódio / Esperança / Horror / Saudades / Histeria / Amor / Paranoia / Piedade / Prazer / Orgulho / Raiva / Arrependimento / Remorso / Simpatia...

 

 

Hoje, porém, falaremos apenas do MEDO, emoção que atribuiremos ao nosso protagonista na história que será criada em sala:

 

O medo é a reação emocional a uma fonte real e específica de perigo. Um mecanismo de sobrevivência, o medo está geralmente relacionado a uma apreensão em relação à dor. O medo severo é uma reação ao perigo terrível que se aproxima, e o medo trivial ocorre como resultado de um confronto que não representa uma ameaça significativa. Os graus de medo variam de uma leve cautela à paranoia. O medo pode afetar a mente inconsciente por meio de pesadelos.

O medo é muitas vezes confundido com a ansiedade, que é uma emoção muitas vezes exagerada e vivenciada mesmo quando a fonte do perigo não está presente ou tangível. Embora o medo esteja ligado à ansiedade e a outras condições emocionais, como paranoia e pânico, é uma emoção separada por si só.

Os psicólogos descobriram que o medo pode ser ensinado. Por exemplo, as crianças podem ser condicionadas a temer certas coisas. Além disso, acidentes acendem medos. Uma criança que cai em uma piscina e luta para nadar pode desenvolver um medo de piscinas, natação ou água.

 

Em casa nova história será criada, e o protagonista reagirá com RAIVA: (pesquisar mais)

 

A raiva é a emoção que expressa aversão ou oposição a uma pessoa, ou coisa que é considerada a causa da aversão. Os psicólogos consideram a raiva uma emoção natural necessária para a sobrevivência. A raiva pode trazer melhorias comportamentais; no entanto, a raiva descontrolada pode causar problemas sociais e pessoais.

Os psicólogos dividem a raiva em três categorias. Um tipo de raiva é uma reação instintiva a ser preso ou ferido. Outro tipo é uma reação à percepção de ser intencionalmente prejudicado ou maltratado por outros. O terceiro tipo de raiva, que inclui a irritabilidade, reflete os traços de caráter pessoal de um indivíduo.

A raiva às vezes é exibida por meio de atos agressivos repentinos e evidentes. Um indivíduo incontrolavelmente zangado é suscetível a perder a capacidade de fazer julgamentos sensatos e agir com responsabilidade. A raiva extrema é obviamente autodestrutiva, assim como a raiva que não é expressa externamente e mantida internamente. A raiva é muitas vezes mal utilizada por indivíduos que agem com raiva como um meio de manipular os outros.



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