Uma história fantástica - Ledice Pereira






Uma história fantástica
Ledice Pereira 


(primeiro texto)



Aquele objeto estranho, cujas luzes piscavam sem parar, estacionado no meio do mato que rodeava a casa em que passávamos férias, deixou-nos encafifados.

A princípio, ficamos estáticos, fazendo conjecturas, com medo do que aquela suposta nave poderia esconder.

Lentamente, fomos deixando a casa, nos aproximando daquele OVNI, que soltava ruídos desconexos e desconhecidos.

Os jovens fotografavam excitados. Nós, mais prudentes, tentávamos protegê-los. Andávamos pé ante pé e, apesar de todos os cuidados, de repente, fomos arrebatados para dentro da nave, sem que pudéssemos resistir.

Seres estranhos observavam nosso grupo, num misto de curiosidade, medo e fúria.

Um deles parecia querer estabelecer contato. Parecia ser menos agressivo do que os demais. O olhar, eu me arriscaria a dizer, era mais terno. Tentou aproximar-se. Tocou na minha mão com sua mão áspera o que me causou certo arrepio. Talvez quisesse transmitir tranquilidade.

Percebemos que a nave estava se movimentando. No início, bem devagarinho, até que rodopiou várias vezes, dando finalmente uma arrancada que nos fez cair uns sobre os outros, provocando o que devia ser uma espécie de risada frenética naqueles seres, literalmente, sem pé, nem cabeça, um verdadeiro horror!

Estávamos apavorados. Aonde aquilo nos levaria? Voltaríamos? Por nossas cabeças passavam inúmeras perguntas sem resposta. Estávamos totalmente à mercê daquelas criaturas.

Aos nossos questionamentos, pareciam divertir-se, soltando ruídos cada vez mais ensurdecedores.

O Etezinho, apelido que demos àquele estranho ser mais cordato, tentava comunicar-se. Ofereceu até algumas espécies de luzes, dispostas no que seria uma bandeja redonda, grossa, com cores cintilantes e piscantes.

Agradecemos com gestos e reverências, mas tivemos medo de nos queimar.

Ele pareceu decepcionado. O único olho, na altura provável do que seria o estômago, soltou o que imaginei ser uma lágrima que, ao cair, logo congelou.

Os três longos dedos tentavam alcançar-me. Eu disfarçava, querendo me afastar. Ainda podia sentir aquela sensação nada agradável do toque inicial arrepiante.

Nossos relógios marcavam vinte horas e quarenta minutos. Tínhamos sido arrebatados às nove da manhã. Entretanto, a sensação é de que se passaram alguns minutos. Muito estranho.

Os seres foram apagando suas luzes, caindo uns sobre os outros, ficando inertes.

Apenas o provável piloto (se é que se pode chamar assim), com cara de poucos amigos (cara?), permanecia atento ao trajeto. Etezinho também o acompanhava, emitindo sons agudos demais, seguidos de grunhidos graves. Dava-nos a impressão de que estavam batendo um papo animado.

Fomos obrigados a nos acomodar como podíamos pois não havia nenhuma perspectiva de retorno. A nave, o disco, ou o que quer que fosse aquele veículo, continuava a subir em círculos e por uma pequena fresta podíamos ver as estrelas brilhando lá embaixo. Acho que até enxerguei um grande círculo azul que imaginei ser a terra, mas foi tão rápido que não deu para eu me certificar.

Para onde estaríamos indo, nos perguntávamos baixinho, temendo irritar nosso amável condutor.

O medo, a incerteza, o desconforto e a dificuldade para respirar acabaram por nos levar a um sono profundo, ou seria um desmaio...

Ao acordar, pensei que despertaria de um pesadelo, mas não. Estávamos rodeados por aqueles homenzinhos, se é que podíamos chamá-los assim, que nos observavam atentamente como se os ETS fôssemos nós.

Não sentíamos fome. Parecíamos alimentados de luz, que Etezinho nos oferecia constantemente.

Cheguei a comparar com a nossa água, sem o quê, não viveríamos. Talvez a luz deles fosse tão essencial quanto o nosso líquido precioso.

Em certo momento, nosso passeio parecia ter chegado a um fim. Veículo estacionado, notamos que toda a lateral se movimentava como se fosse içada e franzida. Eu mal podia acreditar no que via. Minutos antes, aquelas paredes pareciam intransponíveis. E agora, assemelhavam-se a folhas de papel. Incrível!

Pelos gestos, concluímos que estávamos sendo convidados a sair. Ao alcançarmos a parte externa, não conseguíamos dominar nossos passos. Sentíamo-nos leves, flutuávamos, não tocávamos aquele solo árido. Onde estaríamos, perguntávamos-nos entre nós, num outro planeta, na lua, na via láctea? Havia um trânsito de pisca-pisca que ofuscava nossos olhos, despreparados para tanta luminosidade.

Uma mistura de medo e curiosidade tomou conta de nós. Eu tentava um contato com Etezinho, que parece ter sido proibido de relacionar-se conosco. De repente, ficara arisco, olhava-nos com o rabo dos olhos, parecia querer dizer-nos algo, mas sempre havia um deles a espioná-lo e repreendê-lo. Tivemos que nos entregar à nossa própria sorte.

Estávamos impacientes. A brincadeira havia ido longe demais.

Resolvemos nos unir e encarar os que chamamos de inimigos. Teriam que nos explicar o que queriam, a que vieram, onde estávamos e quando voltaríamos.

Estávamos tão sérios e demonstrávamos descontentamento, curiosidade e perplexidade que um deles tentou comunicar-se, emitindo alguns sons exóticos, que mais pareciam uma música chinesa ou árabe.

Foi como um passe de mágica. Aquela comunicação nos tranquilizou como por encanto. Talvez a delicadeza do que se assemelhava a uma melodia, talvez a tentativa de explicação, talvez a presença constante de Etezinho, que procurava nos transmitir segurança, calma, serenidade, apesar da proibição imposta. Só sei que tivemos a certeza de que voltaríamos sãos e salvos daquela viagem interplanetária.

Nunca saberemos dizer quantas horas durou aquela aventura, ou desventura. Nunca saberemos com quem estivemos, por que fomos escolhidos e nem para onde fomos transportados.

Só sabemos que nos trouxeram de volta. Da mesma forma que nos arrebataram nos retornaram. Sem nenhuma explicação, sem despedidas, sem comunicação, sem desculpas. Apenas Etezinho, com aquele seu único olho arregalado e lacrimejante, demonstrava uma espécie de emoção.  

Nós decidimos não revelar nossa experiência a ninguém. Tínhamos a certeza de que seríamos motivo de descrença e troça. Essa história ficou apenas entre nós, ocupantes daquela casa de férias. Hoje estou aqui contando para você. Por favor, finja que acredita. Não dê risada nem faça perguntas. Apenas ouça.
  

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