A força das águas - Ises de Almeida Abrahamsohn



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A força das águas  
Ises de Almeida Abrahamsohn

Juvêncio herdara a profissão do pai e do avô antes dele. Ainda transportava as pessoas cruzando do Rio Iguape. A nova ponte e a estrada lhe tiraram a maior parte da freguesia. Não conseguia mais viver de barquear o povo dos sítios entre das duas margens do grande rio. Do que iria viver? A região úmida e chuvosa, de solo pobre, próxima ao rio se prestava mesmo para o cultivo das bananeiras. As terras mais cobiçadas eram as do alto onde descendentes de japoneses ainda cultivam o chá. Para essas Juvêncio não tinha dinheiro. Investiu as economias na compra de um bananal à beira rio e lá construiu a moradia. Não deu ouvidos ao pessoal da casa da agricultura. Não acreditou que a erosão causada pela força do mar que avançava ano após ano fosse inexorável. Afinal, ele conhecia as manhas do rio, rebatia. Eram as marés e as chuvas sazonais que faziam o estrago, dizia. Construiria a casa sobre palafitas e plantaria nas barrancas para proteger o solo. No primeiro ano, a torrente comeu até perto das estacas. No segundo, as derrubou. O teimoso barqueiro reconstruiu mais acima. Dois anos de maré alta no verão não se seguiriam de outro, era o que acreditava. Chegou dezembro e junto, as chuvas torrenciais. Tormenta sobre terra e mar. O rio, cujas manhas Juvêncio conhecia desde menino, engordou. Virou monstro voraz, insidioso e perverso, a avançar sobre as barrancas, a engolir terra, árvores e casas. Levou também a nova morada e parte do bananal. Do novo atracadouro sobraram os carcomidos pilares cujos esteios enferrujados pareciam braços esqueléticos bradando sobre as águas. Vencido, Juvêncio mudou-se para a cidade. Como viveria o teimoso barqueiro essa vida, sem barco e sem terra, aí onde se barqueja por rios de asfalto?


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