“Virando
a Página”
José Vicente J. de
Camargo
Existe um velho ditado
que se ouve sem se saber quem é o autor ─
se é que existe um ─
ou se é popular passando de boca em boca, de geração em geração:
“Há males que vêm para bem!”
E cai como uma luva no
caso da família Aguiar.
O pai, como de costume
após o jantar, reunido com a família em frente à TV, pede que o mais velho
desligue o aparelho para surpresa de todos, pois, a propaganda já anunciava a
seguir o jornal da noite, seu programa preferido para o qual pedia atenção e
silêncio absoluto.
─
Sua mãe e eu temos algo muito
importante para dizer:
Mês que vem, durante as
férias, vamos mudar de cidade! Vamos para uma cidade do interior, bem menor que
esta, mais calma, menos violenta, com muito verde, boa escola e bom clube. Já
recebi o ok do banco para trabalhar na agência de lá e já encontramos uma casa
para alugar.
Os dois mais velhos,
Mateus e Dora, que estavam na idade da preocupação com as primeiras espinhas no
rosto, dão um salto agitado como a salvar o celular prestes a cair na água:
−
Eu não vou! Não vou deixar minha turma da bola pra andar com nerds do interior que, com certeza, não sabem nem
oque é um ipad – grita Mateus.
─
Nem eu! Completa Dora. Essas cidadezinhas do interior nem shopping têm. Vou morar
com a Vovó.
Os dois menores, não
querendo ficar atrás dos irmãos mais velhos, também protestam:
−
Pai, nessa cidade tem televisão? Não posso perder o seriado do Huk – diz um.
─ O
Rex pode ir? Sem ele não vou! ─
faz coro o menor de todos, mal sabendo que o seu cachorrinho de estimação é o
que mais sofre no cantinho da área de serviço reservada a ele no apê apertado.
A mãe intervém em apoio
ao marido – sabendo do seu coração mole nas reinvindicações
dos filhos − quanto
a ideia que ambos tiveram de procurar melhorar a qualidade de vida da família
pressionada pela violência, poluição, trânsito caótico e o perigo das drogas na
idade inicial dos filhos. Exemplos não faltam nas notícias diárias dos jornais
escrito e falado e nos comentários dos parentes e amigos:
−
A decisão já tá tomada e pronto! Cidade
do interior não é fim de mundo: – pega celular, ipad, tem shopping, os
programas de tv são os mesmos daqui e o Rex vai adorar tanto espaço verde, pois
vamos morar em casa com jardim e quintal. A escola fica dez minutos de casa e
então vai sobrar mais tempo para o clube, futebol, pros passeios com o Rex e
principalmente pra fazer as lições de casa.
E além do mais, continua
– a cidade é plana, com poucos carros, ótima para andar de bicicleta. Vocês vão
poder usar as suas bem mais do que aqui. E o mais importante −
a casa que vamos alugar tem quatro quartos.
Portanto Dora e o Mateus vão ter seus próprios.
Palavras mágicas! Os
semblantes se iluminaram visualizando o que viria pela frente na liberdade de
movimentos e de espaços, bem além das paredes estreitas da atual moradia em
quartos divididos para dois em cada, com beliches, e de janelas que insistem em
só abrir a metade.
Quando Mateus −
recebendo a taça como capitão do time de futebol vencedor do campeonato local −
se recorda de seus protestos em vir morar na cidade que tornou possível essa
alegria, sorri agradecido pela feliz ideia dos pais em se arriscarem na
concretização desse sonho de oferecer a ele e aos irmãos, os melhores anos de
suas vidas.
Na arquibancada, a
família abraçada no meio dos amigos, comemora a vitória não só a do time da
cidade que tão bem os acolheu, como também a deles. Dora não consegue conter a
lágrima que lhe vem do pulsar forte do coração ao sentir, pela primeira vez, o
toque apertado em sua cintura da mão daquele que por tantas noites sonhara ter
um dia ao seu lado. Nos sorrisos das selfies sobressai o rabo empinado do Rex e
seu olhar vivo voltado às rolinhas pousadas no campo de futebol.
Porém, mais do que
ninguém, os pais saboreiam da decisão acertada que tomaram ao procurar no incerto
a felicidade da família. Virar a página mostra uma atitude positiva de se
tentar algo para melhor.
O prêmio pela iniciativa se
recebe, quando a próxima página é bem melhor que a anterior...
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