Meu
tio Milton
Ledice Pereira
Eu achava meu tio Milton o máximo, divertido,
alegre, cheio de ideias, sempre de bom humor. Nunca dizia para eu esperar um
pouco, como meu pai sempre fazia.
Não, tio Milton era o cara que eu queria ser quando
crescesse. Inventava brincadeiras, contava histórias, brincava como se fosse
criança.
Quando ele se mudou para o Japão, fiquei muito
triste. Sentia sua falta. Vivia perguntando pra minha mãe quando ele iria
voltar. Ela comunicava-se com o irmão sempre que podia e ficava sabendo das
novidades que despois nos contava. Ele estava desenvolvendo, junto com gente de
todas as partes do mundo, ligadas à tecnologia de ponta, um tecido que permitia
que as pessoas se tornassem invisíveis. Isso me deixava encafifado e curioso. Naquela
época, eu não sabia muito bem o que ele fazia.
— Eu adoraria ficar invisível, às vezes – eu
pensava – principalmente, quando meus pais insistiam para eu fazer alguma coisa
que eu não queria, como arrumar minha cama, ou lavar o prato e o copo que eu tinha
usado.
O tempo foi passando, eu e meu irmão já não sentíamos
tanta falta de nosso tio. Tínhamos feito amizade com vários frequentadores do
clube e participávamos dos campeonatos de vôlei e futebol.
Mamãe nos deu a notícia que ele estava voltando.
Hoje sei que aqui ele trabalhava no Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais. Que tinha sido escolhido, entre vários colegas,
para participar desse estudo, por ser considerado acima da média, sendo
dedicado ao trabalho e determinado em suas pesquisas. Isso aumentava minha
admiração por ele. Fiquei excitado para reencontrá-lo. Saber o que aconteceu
nesses cinco anos fora daqui. Devia ter muito que contar.
No dia marcado fomos ao aeroporto esperá-lo,
portando faixas escritas em letras garrafais: Bem-Vindo, querido tio!
Nada dele aparecer. Estávamos um tanto
decepcionados e cansados, quando algo chamou nossa atenção, uma mala que se
deslocava sozinha, vindo em nossa direção. Um misto de medo e curiosidade tomou
conta de nós. Eis que vimos a cabeça do tio. Não víamos o corpo dele. Ao nos
aproximarmos, descobrimos que ele estava envolvido por um tecido que o
encobria, segurando a mala, dando-nos a ideia de que ela vinha sozinha, permitindo
que víssemos apenas o ambiente do aeroporto. Muito estranho!
Quando ele jogou ao chão o tal tecido, demos com
ele inteiro, sorridente, tão alegre como nos lembrávamos, um pouco grisalho e
mais gordinho, mas tão querido. Deu-nos aquele abraço que só ele sabia dar,
cheio de carinho.
Não largamos mais dele. Teve que contar e recontar todas
as histórias e descobertas que havia experimentado naqueles longos cinco anos
de Japão. O dia foi pequeno para que ele respondesse a todas as nossas
perguntas. Minha mãe teve que interferir para que o deixássemos descansar
depois de tantas horas de viagem.
Na manhã seguinte, como ele não se levantava, arrisquei
entrar no quarto e não vi ninguém. Eu ainda o procurei embaixo da cama e no
banheiro. Nada!
Só depois descobri que ele havia se coberto com o
tecido da invisibilidade. Esse era o meu tio. O cara que eu continuava admirando
e querendo ser como ele.
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