AKIRA - A robótica quase humana - Yara Mourão

 

 



AKIRA

A robótica quase humana

 

Yara Mourão

 

Era uma tarde mansa, dessas de fins de outono, quando o céu se avermelha ao ocaso e as nuvens formam, douradas, rabiscos pelo céu.

Através da janela da sala Noêmia viu chegar uma claridade difusa, indecisa. Ela estava cansada. Não tanto da lida do dia, mas do embate com as pequenas coisas que lhe causavam grandes aborrecimentos.

Ultimamente tudo se tornara um pouco estranho para ela, até o que estava habituada a fazer por anos. É que agora algo ficara muito diferente, mais complicado e sem explicação.

Felizmente Noêmia tinha dois filhos. Engenheiros, bem posicionados na vida, pais de seus quatro netos, todos menininhos. Era um entorno masculino onde ela ainda tinha seu lugar de rainha-mãe.

Os filhos já percebiam sua dificuldade de lidar com as coisas da modernidade. Como não podiam lhe oferecer uma presença constante, resolveram dar à mãe uma ajuda incontestável: arranjaram-lhe um robô doméstico! E dos bem programados, pois era “made in Japan” e atendia pelo comando de voz de seu nome: Akira!

Noêmia ficou fascinada!

— Que moderno! É só eu chamar seu nome e ele vem?

— Sim, mãe, é só chamar.

— E o que ele faz? Cozinha, lava e passa? Rega as plantas? Toca piano? Lê jornal?

— Pode até ser, mãe. Ele tem muitas habilidades: liga e desliga o que for; não esquece nada no fogo nem ferro ligado ou T.V. acesa, nem pia pingando, cachorro com fome, nada!

Era inacreditável!

Ela se divertiu um tempo dando ordens ao Akira. E ele cumpria tudo, até respondia o que ela perguntava. Na verdade, conversavam bastante.

Noêmia se habituou à presença de Akira, à sua voz rouca, ao seu silencioso caminhar pela casa, checando tudo: cada aposento, cada armário, cada eletrodoméstico. Até a temperatura do chuveiro ele acertava. Navegar no celular era com ele mesmo. Tudo sem mexer um dedo sequer!

O tempo foi passando...

Noêmia apagou velinhas nos últimos seis anos com Akira ao seu lado. Ela já se habituara a ser conduzida e acalentada por ele; já repartia com ele seu resto de lembranças, as memórias embaçadas. Já não ousava ser gente sem Akira ao seu lado.

Um dia Noêmia se esqueceu de ser quem era... saiu de casa, foi-se pela rua barulhenta, virou à esquerda, depois à direita, não importava. Foi-se no vácuo da vida que lhe foi mansamente roubada por Akira.

Talvez um robô quase humano seja, na verdade, um acelerador de Alzheimer para uma humanidade enferma, já quase terminal.

 

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