Reflexões para o dia internacional da
mulher: fatos que ainda me espantam.
Ises
de Almeida Abrahamsohn.
Vou
voltar ao meu tempo de internato no curso de medicina. O ano era 1969, talvez
1970. Há cinquenta anos, portanto.
Há
cinquenta anos a maioria das pacientes muito humildes vinha, e ainda hoje vem,
aos pronto-atendimentos de ginecologia e obstetrícia (GO) como último recurso
após um abortamento feito nas condições mais precárias possíveis. Algumas já
com infecção uterina ou generalizada, outras com sangramentos. Consequências da
ingestão de preparações tóxicas ou da inserção no útero de agulhas de crochê,
cabides de metal e outros objetos perfurantes. Métodos que acarretam ruptura e
infecções uterinas que se disseminam e levam à morte. Abortamentos inseguros
são ainda a quarta causa de morte de mulheres em idade reprodutiva no Brasil.
O
procedimento padrão, instituído pela chefia da Clínica de GO (masculina na
época) era a curetagem feita sem anestesia, seguida de antibiótico. E foi da
boca de um dos médicos graúdos que ouvi a frase que me chocou e da qual lembro
até hoje:
─ “Tem que doer mesmo, para elas
aprenderem a não fazer mais filhos”.
Quero
crer que hoje o procedimento se faz com anestesia local. Também acredito que ao
longo desse meio século ocorreu progressiva humanização no tratamento dado aos
pacientes, em especial às mulheres e aos desvalidos.
Porém,
ainda hoje são os homens que no Congresso decidem sobre a vida das mulheres
brasileiras. Ao criminalizar o abortamento empurram as mulheres pobres para procedimentos
inseguros, mutilantes e mortais. As classes média e alta fazem a interrupção da
gravidez de maneira segura em hospitais e clínicas.
Nas
votações no Congresso, os votos contrários à legalização do aborto até o terceiro
mês de gestação foram majoritariamente de homens, porque constituem a expressiva
maioria. Porém estes senhores não representam as mulheres. Muitos se opõem à interrupção
da gestação em qualquer circunstância até quando os fetos são diagnosticados
com microcefalia ou lesões incompatíveis com a vida normal. Considerando que o
Brasil é um Estado laico é difícil entender o voto desses senhores. No Brasil
existe ampla liberdade religiosa e às mulheres deve caber a decisão se querem
ou não continuar com uma gravidez indesejada. A lei existente nos países
ocidentais da Europa e na América do Sul no Uruguai, Argentina, Guiana e
Colômbia faculta a interrupção da gestação por qualquer causa até o terceiro
mês. A legalização significa que milhões de mulheres podem ser atendidas em
condições adequadas sem correr risco de mutilações, infecções e morte.
https://doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2019.33.12.a
https://exame.com/mundo/quais-sao-os-paises-onde-o-aborto-e-autorizado-no-mundo/
https://www.scielo.br/j/csp/a/8vBCLC5xDY9yhTx5qHk5RrL/?lang=pt
https://veja.abril.com.br/mundo/morre-simone-veil-icone-da-franca-e-do-feminismo/
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