O FUNDO DO POÇO
Suzana da Cunha Lima
Não era uma caverna como outra qualquer. Embora sua
entrada fosse bem larga, com apenas alguns metros ela se estreitava muito,
desencorajando qualquer um a conhecê-la melhor. Os poucos que se aventuraram,
se depararam com um grande declive, uma espécie de abismo, ao jogarem pedras,
só depois de algum tempo ouvia-se barulho de água, sinalizando que era bem
fundo. Ninguém sabia se era um rio subterrâneo ou uma lagoa de água parada. Se
era rio, onde ia dar? Se era lagoa, qual a profundidade? E o lugar era meio
inóspito, não animava ninguém a responder a estas perguntas.
Dizia a lenda que que era ali que o Rei jogava as
pessoas que se insurgiram contra seu Poder e os escravos fujões, após muitas
torturas e maus-tratos. Mas aquele poço nunca devolvia os corpos; eles
simplesmente sumiram naquele buraco escuro e malcheiroso e nunca mais se ouvia
falar deles.
Um dia, um nadador experiente e de bom fôlego ficou
curioso sobre os mistérios ocultos naquela caverna. Foi com um amigo até
à beira do abismo, amarrou uma corda na cintura e pediu que fosse dando corda à
medida que submergisse. Depois de quatro minutos puxasse a corda, pois
não tinha fôlego para mais que isso. E assim foi feito.
Ele desceu cautelosamente, se escorando nas paredes
do poço, até que seus pés tocaram a água. Até aqui já deu uns seis metros,
pensou – Agora vai começar a parte difícil. Tomou fôlego e mergulhou
naquelas águas fétidas e escuras, nadando às cegas, mas ainda sentindo a corda
em volta do corpo, o que o tranquilizou. Achava que o comprimento da
corda não ia dar e ele teria que subir logo, mas era a primeira tentativa,
haveria outras vezes. Foi devagar, pois não sabia o que ia encontrar, mas era
uma alma aventureira e estava excitadíssimo com a experiência. Foi quando
percebeu uma forte luz à sua frente, sentiu seus pés tocarem o fundo e emergiu.
Meio tonto com a rapidez com que tinha chegado ali, viu à sua frente uma bela
praia de areias brancas e finas e o que parecia uma vila de casas cercadas de
verde e flores. Ficou espantadíssimo. Pois ele mergulhou há pouco em
águas escuras e agora estava ali, saindo em uma espécie de rio ou mar, bem
tranquilo, de águas verdes e muito limpas.
Como era possível? As pessoas que encontrava eram
belas e gentis e ele conseguiu estabelecer uma conversação muito prazerosa,
apesar de jamais ter escutado ou falado aquela língua. O mergulhador era homem
vivido, gostava de especular sobre o além e aquilo que não se via, mas sabia
que existia. E fez algumas ilações sobre o extraordinário fenômeno que estava
vivenciando.
Vai ver, pensou, o Rei tinha jogado os indesejáveis
naquele buraco para morrerem de uma morte horrível, mas, na verdade, eles agora
pertenciam a uma realidade geográfica e atemporal que os compensa de todos os
horrores sofridos. Numa dimensão desconhecida, havia uma comunidade fraterna,
sem cobiça ou egoísmo, uma visão do paraíso bíblico, sem a cobra e suas
tentações.
A corda voltou sem seu corpo e nunca mais se ouviu
falar dele.
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