Ledice
Pereira
Adelaide
sentou-se, suspirando aliviada. O peso da barriga deixava-a exausta. Assim
mesmo, não entregava os pontos. Sentava-se, recuperando as forças, para depois
entregar-se a outra ocupação.
Estava
no sétimo mês de gravidez e o médico avisara que os bebês poderiam nascer a
qualquer momento. Tinha que estar preparada.
As
malinhas estavam prontas e impecavelmente arrumadas conforme solicitação da maternidade,
tantas vezes visitada. Elon era metódico. Estudou o caminho e as variantes para
que na hora H chegasse sem problema ao destino.
Na
lista de nomes que fizeram, dois foram os campeões, Ruy e Raí. Assim nessa
ordem de chegada, ou de saída.
Elon
insistia para que Adelaide se aquietasse. Ela era elétrica. Estava sempre
procurando o que fazer.
Naquela
manhã, Adelaide sentiu algo diferente. Chamou o marido avisando-o que o grande
dia chegara.
Sexta-feira.
O trânsito estava infernal. Elon apelou para as variantes estudadas. Mesmo
assim, custaram mais do que o previsto para chegar.
Dr.
Hermes já os aguardava. Indicou que seguissem para a sala de parto. Faria uma
cesariana. Tudo corria conforme o planejado.
Ruy
chorou o choro dos vivos. Raí veio depois, com um choro contido. Cada um pesou
em torno de 2,100 kg.
Enquanto
Ruy, no dia seguinte, foi conduzido para os braços da mãe, Raí, que apresentava
certa dificuldade para respirar, permaneceu na incubadora por dois dias.
Adelaide
estava com o coração pequeno. Queria trazer para perto de si o pequeno Raí, mas
teve que se contentar em ir vê-lo preso aos aparelhos que o ajudavam a
respirar.
Ruy
não teve dificuldade de pegar o peito da mãe, enquanto para Raí o leite materno
tinha que ser tirado e oferecido em pequeninas mamadeiras que ele nem tinha
forças para sugar.
Durante
uma semana, Adelaide e Elon torciam juntos para que logo pudessem ir para casa,
onde dois bercinhos aguardavam os pequenos.
Nunca,
uma semana demorou tanto a passar. No oitavo dia após o nascimento, os bebês
receberam alta e finalmente foram levados para casa, onde os avós e tios
aguardavam ansiosos. Adelaide recebeu a ajuda da mãe, além de Alzira, uma
querida baiana que já a ajudava nos afazeres da casa.
Começava
nova etapa. Ruy berrava anunciando a hora de mamar. Para Raí era necessário
insistir para que ele pegasse o peito e sugasse. Não raro, dormia durante a
mamada.
Adelaide
não fazia outra coisa senão dar de mamar. Enquanto, Elon, Dona Filomena e
Alzira cuidavam da troca de fraldas, dos banhos, e de acalmar o que não estava
no aconchego do colo da mãe.
Os
três primeiros meses foram desgastantes para todos. Ruy começou a pegar peso,
espaçar as mamadas e dar risadinhas. Raí necessitava ainda de algumas atenções.
Era capaz de ficar sem mamar se não lhe fosse oferecido o peito. Chorava pouco.
Dormia muito.
O
pediatra acompanhava, aconselhando-os a continuar insistindo com o garoto.
Elogiava Ruy pelos progressos que fazia.
Os
anos se passaram, os meninos tinham o mesmo tamanho. Embora gêmeos, distinguia-se
logo quem era um, quem era outro. Ruy irradiava alegria e simpatia. Raí
dificilmente sorria.
Aos
três anos e meio, foram levados para uma escolinha maternal onde permaneciam
por quatro horas. Aquele período permitia a Adelaide respirar um pouco.
Ruy
interagia com as monitoras, brincava com as outras crianças, adorava brincar
com massinha, empurrava carrinhos, fazia torres com os blocos, enfim,
desenvolvia-se maravilhosamente.
Raí
chorava todas as vezes que a mãe o deixava ali, empurrava as monitoras, não se
dava com as outras crianças, querendo arrancar delas o que tivessem em mãos,
jogava longe os brinquedos que lhe ofereciam, tendo que ser vigiado para não
colocar na boca a massinha de modelar.
A
orientadora do maternal aconselhou que ele fosse acompanhado por uma psicóloga,
evitando assim futuros problemas.
O
tratamento de três anos ajudou bastante no desenvolvimento de Raí. A entrada no
primeiro ano primário se deu tranquilamente, sem traumas.
Numa
primeira entrevista, os pais foram aconselhados a deixarem os meninos em
classes diferentes para que cada um se desenvolvesse satisfatoriamente sem
influência do outro.
Até
então, Raí não ligava para Ruy que, por sua vez, não fazia questão da proximidade
do irmão.
Estar
em classes separadas, aproximou os meninos no recreio, quando começaram a
sentir necessidade de estarem juntos. De
certa forma, se descobriram e passaram a se proteger um ao outro.
Raí
passou a se destacar no aprendizado. Era organizado, prestava atenção nas
aulas, estudava muito e fazia questão de tirar notas altas. Tinha dificuldade
de fazer amizades, vivia quieto, sofria em dia de prova, suando frio.
Ruy,
por sua vez, não ia tão bem nos estudos, brincava muito, fazia parte da turma
do barulho, estava sempre de bem com a vida. Estudava o necessário para tirar
uma nota razoável.
Ao
passar, aos trancos e barrancos para a quinta série, começou a prestar atenção
no irmão, percebendo suas dificuldades de relacionamento. Tentou aproximar-se
dele, ajudando-o a se enturmar nos grupos, a frequentar as festinhas para as
quais ele era sempre convidado.
Raí era
cada vez mais resistente, passando a sentir inveja do irmão por sua
desenvoltura e simpatia, tornando-se agressivo também com os pais para quem
começou a fazer intriga, acusando Ruy de ser um irmão egoísta e mal caráter.
Adelaide,
entretanto, conhecia os filhos como a palma de sua mão. Percebia que havia algo
errado com Raí. Sabia também que Ruy não era nem egoísta e nem mal caráter. Conversou
com o marido. Juntos concluíram que não dava mais para esperar. O problema de Raí era caso de psiquiatria. Pesquisaram
muito, sendo aconselhados a procurar um famoso psiquiatra que lidava com
adolescentes. Este, após algumas consultas e exames, detectou um transtorno opositivo
desafiador - TOD, iniciando imediatamente um tratamento medicamentoso, e
indicando acompanhamento de uma equipe multidisciplinar para criar recursos e
enfrentar impulsos agressivos e hostis, uma vez que um paciente com esse
diagnóstico necessita falar de suas dificuldades.
A
percepção dos pais e o diagnóstico preciso foram fundamentais para o desenvolvimento
do garoto, permitindo-lhe seguir a vida, mesmo tendo que ser um tratamento para
a vida toda.
Os
caminhos dos irmãos seguiram por atalhos diferentes. Raí não sossegou enquanto
os pais não concordaram com sua decisão de terminar os estudos fora do país.
Pesquisou muito, decidindo por cursar Economia em Harvard, onde se destacou,
como um dos primeiros alunos do curso, recebendo, como prêmio, uma bolsa de
estudos para cursar o Mestrado em Economia Política Global e
Finanças na The New School, em Nova York. Lá, iniciou sua vida
profissional, jamais retornando ao país de origem. Não há notícias de que tenha
constituído família.
Ruy,
no entanto, após cursar Arquitetura e Paisagismo, reuniu-se a um grupo de
colegas para formar um Escritório de Arquitetura e Design, que seria um dos
mais procurados de São Paulo, pela excelência de profissionais. Casou-se com Ângela, uma
colega de faculdade, que se especializou em paisagismo, trazendo-a para
integrar o grupo.
Hoje,
após dois anos de casados, marcaram de jantar com Adelaide e Elon. Os dois não
conseguiram esconder por muito tempo o motivo daquele encontro inesperado, no
meio da semana. Dois pares de sapatinhos de tricô surgiram no meio da conversa
para contarem emocionados que acabavam de saber que Ângela estava grávida de
gêmeos.
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