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O FUNDO DO POÇO - Suzana da Cunha Lima
O FUNDO DO POÇO
Suzana da Cunha Lima
Não era uma caverna como outra qualquer. Embora sua
entrada fosse bem larga, com apenas alguns metros ela se estreitava muito,
desencorajando qualquer um a conhecê-la melhor. Os poucos que se aventuraram,
se depararam com um grande declive, uma espécie de abismo, ao jogarem pedras,
só depois de algum tempo ouvia-se barulho de água, sinalizando que era bem
fundo. Ninguém sabia se era um rio subterrâneo ou uma lagoa de água parada. Se
era rio, onde ia dar? Se era lagoa, qual a profundidade? E o lugar era meio
inóspito, não animava ninguém a responder a estas perguntas.
Dizia a lenda que que era ali que o Rei jogava as
pessoas que se insurgiram contra seu Poder e os escravos fujões, após muitas
torturas e maus-tratos. Mas aquele poço nunca devolvia os corpos; eles
simplesmente sumiram naquele buraco escuro e malcheiroso e nunca mais se ouvia
falar deles.
Um dia, um nadador experiente e de bom fôlego ficou
curioso sobre os mistérios ocultos naquela caverna. Foi com um amigo até
à beira do abismo, amarrou uma corda na cintura e pediu que fosse dando corda à
medida que submergisse. Depois de quatro minutos puxasse a corda, pois
não tinha fôlego para mais que isso. E assim foi feito.
Ele desceu cautelosamente, se escorando nas paredes
do poço, até que seus pés tocaram a água. Até aqui já deu uns seis metros,
pensou – Agora vai começar a parte difícil. Tomou fôlego e mergulhou
naquelas águas fétidas e escuras, nadando às cegas, mas ainda sentindo a corda
em volta do corpo, o que o tranquilizou. Achava que o comprimento da
corda não ia dar e ele teria que subir logo, mas era a primeira tentativa,
haveria outras vezes. Foi devagar, pois não sabia o que ia encontrar, mas era
uma alma aventureira e estava excitadíssimo com a experiência. Foi quando
percebeu uma forte luz à sua frente, sentiu seus pés tocarem o fundo e emergiu.
Meio tonto com a rapidez com que tinha chegado ali, viu à sua frente uma bela
praia de areias brancas e finas e o que parecia uma vila de casas cercadas de
verde e flores. Ficou espantadíssimo. Pois ele mergulhou há pouco em
águas escuras e agora estava ali, saindo em uma espécie de rio ou mar, bem
tranquilo, de águas verdes e muito limpas.
Como era possível? As pessoas que encontrava eram
belas e gentis e ele conseguiu estabelecer uma conversação muito prazerosa,
apesar de jamais ter escutado ou falado aquela língua. O mergulhador era homem
vivido, gostava de especular sobre o além e aquilo que não se via, mas sabia
que existia. E fez algumas ilações sobre o extraordinário fenômeno que estava
vivenciando.
Vai ver, pensou, o Rei tinha jogado os indesejáveis
naquele buraco para morrerem de uma morte horrível, mas, na verdade, eles agora
pertenciam a uma realidade geográfica e atemporal que os compensa de todos os
horrores sofridos. Numa dimensão desconhecida, havia uma comunidade fraterna,
sem cobiça ou egoísmo, uma visão do paraíso bíblico, sem a cobra e suas
tentações.
A corda voltou sem seu corpo e nunca mais se ouviu
falar dele.
QUEM É AMÓS OZ ? - Ises Abrahamsohn
QUEM É AMÓS OZ ?
Ises Abrahamsohn
A Ises encontrou esta interessante matéria, que reproduzimos aqui tal e qual o original:
O merceeiro e a musa
Em texto
exclusivo, escritora israelense presta homenagem a seu conterrâneo Amós Oz,
morto em dezembro
O escritor Amós Oz (1939-2018) em Arad, cidade onde vivia,
no deserto do Negev, em Israel Magnum Photos/Fotoarena
A morte
de um grande escritor é a grande hora dos clichês. Enquanto o escritor está
vivo, ele pode lutar contra os clichês, combater com veemência todo uso fajuto
e enfeitado das palavras. Porém, no momento em que o escritor morre — e, sim,
até mesmo grandes escritores, como Amós Oz, morrem —, nesse mesmo momento os
clichês saem do esconderijo e projetam-se à frente. O escritor já não está lá
para detê-los.
Assim,
logo após sua morte, já se coroava a cabeça de Amós Oz com adjetivos
pretensiosos — “profeta”, “sacerdote”, “líder supremo”. Mas o próprio Amós Oz,
quando, pena em punho, ainda podia defender a verdadeira natureza das coisas,
não se considerava um profeta. Ele abominava a romantização do processo de
escrever e, na maioria das vezes, olhava para o endeusamento dos artistas com
grande dose de ironia. Aqui não se trata apenas de modéstia, conquanto Oz tenha
sido uma pessoa modesta.
A história de sua vida é a de uma busca permanente
por um cotidiano simples, e um afastamento de tudo que é superadornado e kitsch
Começou
sua vida na Jerusalém pobre da época que antecedeu a criação do Estado de
Israel, e no período em que a cidade esteve cercada pelo exército jordaniano
chegou a passar a vergonha da fome. Com catorze anos de idade mudou-se,
sozinho, de Jerusalém para um kibutz, onde o estilo de vida é de modéstia
material. Do kibutz passou para o deserto, terra árida e desprovida de prazeres
materiais e de efervescência cultural. A própria história de sua vida é a de
uma busca permanente por um cotidiano simples, e um afastamento de tudo que é
superadornado e kitsch. Mas não foi por modéstia que Amós Oz se afastou
das coroas de louros com que se tentou enfeitá-lo. Sua repulsa ao endeusamento
de artistas tem origem mais profunda: uma motivação ética. Está ligada, para mim,
à essência moral que existe no ato de escrever e, não menos que isso, no ato de
ler.
Zombando das musas
Comecemos
pelo ato de escrever. Um sem-número de obras artísticas já nos descreveram esse
momento, no qual o artista se senta à mesa de trabalho e começa a criar. Na
maioria absoluta dessas obras, atribui-se a esse momento um caráter elevado,
milagroso. As próprias musas, em pessoa, pairam no recinto e concedem a graça
de sua inspiração à mão que escreve. É assim que a maior parte do público
enxerga os artistas (e daí as perguntas insossas do tipo “em qual hora do dia
você escreve?” ou “com que tipo de caneta você gosta de escrever?”; daí as
visitas às casas de grandes artistas, como se em algum lugar entre as paredes
da casa ainda se esconda alguma musa esquecida que talvez possamos descobrir).
E também, reconheçamos, é assim que os próprios artistas gostam de descrever
aquele momento, quando atribuem ao processo de criação uma dimensão mítica,
mágica, que os enobrece e os posiciona além do restante das pessoas, meros
mortais. Oz zomba dessa romantização. Dessa diferenciação entre o homem que
cria, inspirado pela musa, e o homem “simples”.
Em seu
último livro, Do que é feita a maçã? [no prelo pela Companhia das
Letras], Oz conversa com Shira Hadad, uma editora de seus livros. Quando ela
lhe pergunta sobre o processo da escrita, ele recusa se cobrir com o manto real
da “sublime inspiração” e prefere o uniforme da classe trabalhadora: “Amós, o
que você está fazendo é parecido com o trabalho de um merceeiro. Você chega de
manhã, abre a loja, fica sentado e espera por clientes. Se eles vierem, é um
dia bom. Se não houver clientes, você assim mesmo está fazendo seu trabalho ao
ficar lá esperando”.
Oz considera a curiosidade uma postura moral. Com
isso, ele difere de escritores que odeiam gente, como Michel Houellebecq
Vale a
pena nos determos um pouco nessa resposta. A romantização do processo de
escrever é convertida aqui numa áspera atividade cotidiana, num trabalho que
não tem um pingo de brilhantismo. Oz está falando de uma presença, mas está
claro que não se trata apenas de presença física. Assim como uma mãe que está
com seus filhos, mas fica o tempo todo ao telefone, não está, na verdade,
presente, assim também se refere Oz à presença em seu significado mais profundo
— uma abertura total ao que se vivencia para além da esquina. Atenção total ao
que está presente — e também, talvez, ao que não está. Karl Marx mencionou o
“trabalho alienado” como a situação de separação entre o homem que cria e a
propriedade do produto dessa criação, separação que isola, erradica do produto
o investimento libidinal que nele foi feito. Atualmente, o que nos aliena do
produto de nossas ações é nossa tendência permanente de nos deixarmos levar por
alguma outra coisa — uma conversa ao telefone, um sms, um e-mail, um artigo num
site qualquer. Estamos onde estamos, sem estarmos. O processo de escrever não
comporta essa ambivalência, ele nos obriga a uma presença absoluta.
Primeiros mandamentos
Oz
desnuda o processo de escrever de todos esses clichês empolados — um raio de
sol pousou na cabeça do escritor, o vento agita os cachos do poeta, a mão do
dramaturgo dança sobre a folha de papel etc. Em vez dessas expressões floridas
e românticas, ele apresenta duas exigências simples à pessoa que escreve:
dois primeiros mandamentos. O primeiro — esteja presente. O segundo — seja
curioso.
É assim
que ele o declara em Do que é feita a maçã?: “A curiosidade não só é uma
condição necessária a todo trabalho intelectual, é também uma qualidade moral.
Talvez seja também a dimensão moral da literatura”.
Pode-se
perfeitamente questionar essa frase. Sem dúvida a curiosidade é necessária para
a atividade da escrita, sem dúvida ela a impulsiona, mas será também uma
dimensão moral? Pensem, por exemplo, no modo como motoristas reduzem a
velocidade na rua para olhar um acidente que ocorreu na outra pista. Será que
essa curiosidade — “O que aconteceu ali? Alguém se feriu? O carro pegou fogo?”
— é testemunho da vontade humana de prestar ajuda, ou, quem sabe, de uma
mórbida bisbilhotice? Será que nosso interesse pelo mexerico — que Oz, em De
amor e trevas [Companhia das Letras, 2005], definiu como “primo da literatura”
— se origina de nossa preocupação com os outros ou de uma compulsão ao
voyeurismo? E foi o próprio Oz quem disse: “Contar um segredo a um escritor é
como abraçar-se a um punguista”. De fato o larápio está curioso por saber o que
há no meu bolso, o que é isso que mantenho junto a meu peito; mas para nós está
claro que essa curiosidade do punguista não pode de forma alguma ser
considerada moral, pois ela está dirigida somente à satisfação dele — o outro é
um objeto da satisfação de suas necessidade, e nada mais.
Mesmo
assim, Oz considera a curiosidade uma postura moral. Com isso, a meu ver, ele
difere de escritores que odeiam gente, como o francês Michel Houellebecq.
Houellebecq é uma pessoa curiosa, mas a curiosidade dele parece a de um
assassino em série que corta suas vítimas em pedaços para verificar “o que tem
lá dentro, exatamente”. Para escritores que odeiam as pessoas, a curiosidade é
um escalpelo que eles usam para cortar e ferir a condição humana. Não vem
acompanhada de compaixão, pelo contrário. É parecida com a curiosidade de um
gato em relação a um pássaro.
A
curiosidade de Amós Oz é diferente. Não é um voyeurismo frio e divertido, mas
um interesse humano que é o fundamento mesmo da empatia. Uma postura quase
infantil, como a que levou minha filha de quatro anos, esta semana, a parar no
meio da rua e perguntar: “Mãe, por que ele está chorando?”. “Quem está
chorando?”, perguntei, sem parar de andar, com pressa de chegar à loja antes
que ela fechasse. “Presta atenção, mãe, dá para ouvir atrás da janela que tem
um menino chorando. Por que ele está chorando?”
Não
respondi à minha filha na rua, naquela manhã, nesta semana. Eu estava apressada
demais. Mas acho que Amós Oz teria parado para, junto com ela, refletir sobre
essa pergunta. Ou, nas palavras do próprio Oz a Shira Hadad — “Eu penso que há
uma dimensão moral em outro sentido: a de se pôr, você mesmo, por algumas
horas, debaixo da pele de outra pessoa, ou calçando os sapatos de outra pessoa.
Isso tem um peso moral indireto, não tão grande assim, não vamos exagerar. Mas
eu realmente acho que um homem curioso é um cônjuge um pouco melhor do que um
homem não curioso, e também um pai um pouco melhor. Não ria de mim, mas penso
que um homem curioso é até mesmo um motorista um pouco melhor na rua ou na
estrada do que um homem não curioso, porque ele se pergunta o que quem está
dirigindo na faixa paralela é capaz de fazer de repente. Me parece que o homem
curioso é também um amante muito melhor do que um homem que não tem
curiosidade”.
Um empreendimento ético
Assim, de
acordo com Oz, o significado moral do ato de escrever está no fato de que ele
obriga quem escreve a projetar-se de sua própria pele e ver o mundo pelos olhos
dos outros. Um homem branco e privilegiado tem de abrir mão de todos os seus privilégios
quando descreve a figura de uma mulher explorada, e imaginar o que significa
ser mulher num mundo de homens. Se não conseguir compreender, verdadeira e
sinceramente, como uma mulher vivencia o mundo, vai fracassar em seu trabalho
literário.
O empreendimento
literário de Oz, portanto, é também um empreendimento ético. Na sociedade
israelense, na qual Oz nasceu e na qual criou sua obra, essa dimensão ética
também tem implicação política. A narrativa israelense baseia-se em grande
medida nos milhares de anos de uma dolorosa história judaica. Os judeus foram
vítimas da história durante 2 mil anos. Hoje, em plena existência do Estado de
Israel, muitos de nós ainda nos consideramos vítimas de agressões externas.
Assim, para amplos segmentos do público israelense, as alegações dos palestinos
não são mais que uma reencarnação do antigo antissemitismo. A demonização do
outro lado nesse conflito nos é instilada por políticos da direita, para quem o
único ponto de vista cabível na história é o nosso.
E eis que,
nessa narrativa única, ouve-se uma voz dissidente. Amós Oz, com sua maldita
curiosidade, insiste em formular para a sociedade israelense a narrativa
sionista através do ponto de vista dos palestinos. Isso não quer dizer que não
era sionista — Oz acreditava que os judeus têm direito a seu próprio Estado.
Mas o sionismo dele não se originava na anulação do lado palestino. Ao mesmo
tempo que desejava a existência do Estado de Israel, era capaz de ouvir o
clamor do sofrimento palestino, reconhecê-lo, e buscar uma solução que
concedesse aos dois lados o direito de existir. Seu penúltimo livro, Como
curar um fanático, foi todo dedicado a esse objetivo.
Esteja
presente, diz Oz a quem pretende escrever, seja curioso. Mas na verdade essas
duas exigências — que têm um significado ético, estético e político — não se
dirigem apenas à pessoa que escreve. Não menos importante, elas se dirigem à
pessoa que lê. O processo da escrita não estará completo se o escritor não se
colocar na pele de seus personagens — personagens cuja pele tem cor diferente
da pele dele, cuja religião, nacionalidade, classe e cujo gênero são diferentes
dos dele. E o processo da leitura não estará completo se o leitor não se deixar
envolver, por completo, no ponto de vista dos personagens do livro.
Amós Oz insiste em formular para a sociedade
israelense a narrativa sionista do ponto de vista dos palestinos
Como
leitores, nós choramos com nossas próprias lágrimas as dores dos personagens
nas páginas do livro. Pensamos neles muito tempo depois de fecharmos o livro.
Não nos lembramos deles menos do que de pessoas reais, e às vezes até mais.
Claro, pode-se alegar que isso é apenas um reflexo narcisista de nós mesmos,
que olhamos para o livro e nos deliciamos da mesma forma como Narciso olha para
as águas do lago e se delicia com sua própria imagem. Mas as figuras no livro,
embora algumas delas tenham coisas em comum conosco, não somos nós. Parecem-se
conosco em certos aspectos, e diferem de nós em outros. E esta é a essência do
poder da empatia — ter sentimentos em relação ao outro, mas lembrando o tempo
todo que o outro não sou eu, é diferente de mim, tem existência própria.
Escrevo
estas palavras um mês após a morte de Oz, em dezembro de 2018. No decorrer
deste último mês o mundo literário israelense deu expressão ao significado
dessa perda. Houve quem se lançasse sobre a vaca sagrada para abatê-la. Muitos
críticos literários quiseram ser os primeiros a declarar que “ele na verdade
não era tudo isso”. Outros continuaram a louvar, glorificar, exaltar, elevar. A
morte de um escritor eminente suscita geralmente essas manifestações, que vão
de um culto sem limites a uma entusiasta crucificação. Mas a exigência ética de
Oz proíbe que se a divinize, que se lhe atribua uma dimensão mítica, como se
somente uma pessoa abençoada pelas musas fosse capaz de ver o mundo com esses
olhos. A exigência ética de Oz diz respeito a toda pessoa que escreve, e não
menos importante do que isso — a toda pessoa que lê. Esteja presente, seja
curioso. [Tradução de Paulo Geiger]
Reflexões para o dia internacional da mulher: fatos que ainda me espantam. - Ises de Almeida Abrahamsohn.
Reflexões para o dia internacional da
mulher: fatos que ainda me espantam.
Ises
de Almeida Abrahamsohn.
Vou
voltar ao meu tempo de internato no curso de medicina. O ano era 1969, talvez
1970. Há cinquenta anos, portanto.
Há
cinquenta anos a maioria das pacientes muito humildes vinha, e ainda hoje vem,
aos pronto-atendimentos de ginecologia e obstetrícia (GO) como último recurso
após um abortamento feito nas condições mais precárias possíveis. Algumas já
com infecção uterina ou generalizada, outras com sangramentos. Consequências da
ingestão de preparações tóxicas ou da inserção no útero de agulhas de crochê,
cabides de metal e outros objetos perfurantes. Métodos que acarretam ruptura e
infecções uterinas que se disseminam e levam à morte. Abortamentos inseguros
são ainda a quarta causa de morte de mulheres em idade reprodutiva no Brasil.
O
procedimento padrão, instituído pela chefia da Clínica de GO (masculina na
época) era a curetagem feita sem anestesia, seguida de antibiótico. E foi da
boca de um dos médicos graúdos que ouvi a frase que me chocou e da qual lembro
até hoje:
─ “Tem que doer mesmo, para elas
aprenderem a não fazer mais filhos”.
Quero
crer que hoje o procedimento se faz com anestesia local. Também acredito que ao
longo desse meio século ocorreu progressiva humanização no tratamento dado aos
pacientes, em especial às mulheres e aos desvalidos.
Porém,
ainda hoje são os homens que no Congresso decidem sobre a vida das mulheres
brasileiras. Ao criminalizar o abortamento empurram as mulheres pobres para procedimentos
inseguros, mutilantes e mortais. As classes média e alta fazem a interrupção da
gravidez de maneira segura em hospitais e clínicas.
Nas
votações no Congresso, os votos contrários à legalização do aborto até o terceiro
mês de gestação foram majoritariamente de homens, porque constituem a expressiva
maioria. Porém estes senhores não representam as mulheres. Muitos se opõem à interrupção
da gestação em qualquer circunstância até quando os fetos são diagnosticados
com microcefalia ou lesões incompatíveis com a vida normal. Considerando que o
Brasil é um Estado laico é difícil entender o voto desses senhores. No Brasil
existe ampla liberdade religiosa e às mulheres deve caber a decisão se querem
ou não continuar com uma gravidez indesejada. A lei existente nos países
ocidentais da Europa e na América do Sul no Uruguai, Argentina, Guiana e
Colômbia faculta a interrupção da gestação por qualquer causa até o terceiro
mês. A legalização significa que milhões de mulheres podem ser atendidas em
condições adequadas sem correr risco de mutilações, infecções e morte.
https://doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2019.33.12.a
https://exame.com/mundo/quais-sao-os-paises-onde-o-aborto-e-autorizado-no-mundo/
https://www.scielo.br/j/csp/a/8vBCLC5xDY9yhTx5qHk5RrL/?lang=pt
https://veja.abril.com.br/mundo/morre-simone-veil-icone-da-franca-e-do-feminismo/
Gêmeos univitelinos? - Ledice Pereira
Ledice
Pereira
Adelaide
sentou-se, suspirando aliviada. O peso da barriga deixava-a exausta. Assim
mesmo, não entregava os pontos. Sentava-se, recuperando as forças, para depois
entregar-se a outra ocupação.
Estava
no sétimo mês de gravidez e o médico avisara que os bebês poderiam nascer a
qualquer momento. Tinha que estar preparada.
As
malinhas estavam prontas e impecavelmente arrumadas conforme solicitação da maternidade,
tantas vezes visitada. Elon era metódico. Estudou o caminho e as variantes para
que na hora H chegasse sem problema ao destino.
Na
lista de nomes que fizeram, dois foram os campeões, Ruy e Raí. Assim nessa
ordem de chegada, ou de saída.
Elon
insistia para que Adelaide se aquietasse. Ela era elétrica. Estava sempre
procurando o que fazer.
Naquela
manhã, Adelaide sentiu algo diferente. Chamou o marido avisando-o que o grande
dia chegara.
Sexta-feira.
O trânsito estava infernal. Elon apelou para as variantes estudadas. Mesmo
assim, custaram mais do que o previsto para chegar.
Dr.
Hermes já os aguardava. Indicou que seguissem para a sala de parto. Faria uma
cesariana. Tudo corria conforme o planejado.
Ruy
chorou o choro dos vivos. Raí veio depois, com um choro contido. Cada um pesou
em torno de 2,100 kg.
Enquanto
Ruy, no dia seguinte, foi conduzido para os braços da mãe, Raí, que apresentava
certa dificuldade para respirar, permaneceu na incubadora por dois dias.
Adelaide
estava com o coração pequeno. Queria trazer para perto de si o pequeno Raí, mas
teve que se contentar em ir vê-lo preso aos aparelhos que o ajudavam a
respirar.
Ruy
não teve dificuldade de pegar o peito da mãe, enquanto para Raí o leite materno
tinha que ser tirado e oferecido em pequeninas mamadeiras que ele nem tinha
forças para sugar.
Durante
uma semana, Adelaide e Elon torciam juntos para que logo pudessem ir para casa,
onde dois bercinhos aguardavam os pequenos.
Nunca,
uma semana demorou tanto a passar. No oitavo dia após o nascimento, os bebês
receberam alta e finalmente foram levados para casa, onde os avós e tios
aguardavam ansiosos. Adelaide recebeu a ajuda da mãe, além de Alzira, uma
querida baiana que já a ajudava nos afazeres da casa.
Começava
nova etapa. Ruy berrava anunciando a hora de mamar. Para Raí era necessário
insistir para que ele pegasse o peito e sugasse. Não raro, dormia durante a
mamada.
Adelaide
não fazia outra coisa senão dar de mamar. Enquanto, Elon, Dona Filomena e
Alzira cuidavam da troca de fraldas, dos banhos, e de acalmar o que não estava
no aconchego do colo da mãe.
Os
três primeiros meses foram desgastantes para todos. Ruy começou a pegar peso,
espaçar as mamadas e dar risadinhas. Raí necessitava ainda de algumas atenções.
Era capaz de ficar sem mamar se não lhe fosse oferecido o peito. Chorava pouco.
Dormia muito.
O
pediatra acompanhava, aconselhando-os a continuar insistindo com o garoto.
Elogiava Ruy pelos progressos que fazia.
Os
anos se passaram, os meninos tinham o mesmo tamanho. Embora gêmeos, distinguia-se
logo quem era um, quem era outro. Ruy irradiava alegria e simpatia. Raí
dificilmente sorria.
Aos
três anos e meio, foram levados para uma escolinha maternal onde permaneciam
por quatro horas. Aquele período permitia a Adelaide respirar um pouco.
Ruy
interagia com as monitoras, brincava com as outras crianças, adorava brincar
com massinha, empurrava carrinhos, fazia torres com os blocos, enfim,
desenvolvia-se maravilhosamente.
Raí
chorava todas as vezes que a mãe o deixava ali, empurrava as monitoras, não se
dava com as outras crianças, querendo arrancar delas o que tivessem em mãos,
jogava longe os brinquedos que lhe ofereciam, tendo que ser vigiado para não
colocar na boca a massinha de modelar.
A
orientadora do maternal aconselhou que ele fosse acompanhado por uma psicóloga,
evitando assim futuros problemas.
O
tratamento de três anos ajudou bastante no desenvolvimento de Raí. A entrada no
primeiro ano primário se deu tranquilamente, sem traumas.
Numa
primeira entrevista, os pais foram aconselhados a deixarem os meninos em
classes diferentes para que cada um se desenvolvesse satisfatoriamente sem
influência do outro.
Até
então, Raí não ligava para Ruy que, por sua vez, não fazia questão da proximidade
do irmão.
Estar
em classes separadas, aproximou os meninos no recreio, quando começaram a
sentir necessidade de estarem juntos. De
certa forma, se descobriram e passaram a se proteger um ao outro.
Raí
passou a se destacar no aprendizado. Era organizado, prestava atenção nas
aulas, estudava muito e fazia questão de tirar notas altas. Tinha dificuldade
de fazer amizades, vivia quieto, sofria em dia de prova, suando frio.
Ruy,
por sua vez, não ia tão bem nos estudos, brincava muito, fazia parte da turma
do barulho, estava sempre de bem com a vida. Estudava o necessário para tirar
uma nota razoável.
Ao
passar, aos trancos e barrancos para a quinta série, começou a prestar atenção
no irmão, percebendo suas dificuldades de relacionamento. Tentou aproximar-se
dele, ajudando-o a se enturmar nos grupos, a frequentar as festinhas para as
quais ele era sempre convidado.
Raí era
cada vez mais resistente, passando a sentir inveja do irmão por sua
desenvoltura e simpatia, tornando-se agressivo também com os pais para quem
começou a fazer intriga, acusando Ruy de ser um irmão egoísta e mal caráter.
Adelaide,
entretanto, conhecia os filhos como a palma de sua mão. Percebia que havia algo
errado com Raí. Sabia também que Ruy não era nem egoísta e nem mal caráter. Conversou
com o marido. Juntos concluíram que não dava mais para esperar. O problema de Raí era caso de psiquiatria. Pesquisaram
muito, sendo aconselhados a procurar um famoso psiquiatra que lidava com
adolescentes. Este, após algumas consultas e exames, detectou um transtorno opositivo
desafiador - TOD, iniciando imediatamente um tratamento medicamentoso, e
indicando acompanhamento de uma equipe multidisciplinar para criar recursos e
enfrentar impulsos agressivos e hostis, uma vez que um paciente com esse
diagnóstico necessita falar de suas dificuldades.
A
percepção dos pais e o diagnóstico preciso foram fundamentais para o desenvolvimento
do garoto, permitindo-lhe seguir a vida, mesmo tendo que ser um tratamento para
a vida toda.
Os
caminhos dos irmãos seguiram por atalhos diferentes. Raí não sossegou enquanto
os pais não concordaram com sua decisão de terminar os estudos fora do país.
Pesquisou muito, decidindo por cursar Economia em Harvard, onde se destacou,
como um dos primeiros alunos do curso, recebendo, como prêmio, uma bolsa de
estudos para cursar o Mestrado em Economia Política Global e
Finanças na The New School, em Nova York. Lá, iniciou sua vida
profissional, jamais retornando ao país de origem. Não há notícias de que tenha
constituído família.
Ruy,
no entanto, após cursar Arquitetura e Paisagismo, reuniu-se a um grupo de
colegas para formar um Escritório de Arquitetura e Design, que seria um dos
mais procurados de São Paulo, pela excelência de profissionais. Casou-se com Ângela, uma
colega de faculdade, que se especializou em paisagismo, trazendo-a para
integrar o grupo.
Hoje,
após dois anos de casados, marcaram de jantar com Adelaide e Elon. Os dois não
conseguiram esconder por muito tempo o motivo daquele encontro inesperado, no
meio da semana. Dois pares de sapatinhos de tricô surgiram no meio da conversa
para contarem emocionados que acabavam de saber que Ângela estava grávida de
gêmeos.
O PARTO PREMATURO Antonia Marchesin Gonçalves
O PARTO PREMATURO
Antonia
Marchesin Gonçalves
Enquanto estamos vivenciando os
sabores de viver, tanto as alegrias, como as realizações profissionais e
pessoais, temos que tirar lições das tristezas e desilusões, em forma de
aprendizado para amadurecer com erros ou acertos e sentir na memória a importância
de não passarmos em branco ou em vão o nosso tempo na terra.
Falando
em memórias, lembro como se fosse hoje, de tão marcante que foi, a minha
terceira gravidez.
Já tinha um casal de filhos, um
de quatro e uma menina de dois anos, ambos nascidos de parto normal. Lembro bem
que foi um período que fiquei muito sozinha, numa casa grande que não era
nossa. Meu marido trabalhava muito na construção da fábrica, chegava tarde e
tinha praticamente só os domingos para a família, sendo que eram divididos
entre a minha família e a dele. Já com quatro meses de gravidez, durante o jantar,
senti o líquido quente escorrer pelas pernas. Naquele instante tive a certeza
de que algo errado estava acontecendo.
A experiência me alertou de algo
problemático, no dia seguinte continuei a perder líquido. O médico, após exames,
constatou uma fissura na placenta e orientou que eu permanecesse em repouso
absoluto, na esperança de que meu organismo pudesse corrigir a tal fissura. As
exigências eram rigorosas: ir ao banheiro, só quando for estritamente necessário
e banho rápido. Tudo para conter um arriscado parto prematuro com pouca chance
de sobrevivência do bebê. A recomendação era tentar segurar ao máximo a
gravidez, pelo menos até os sete meses, quando a criança teria mais chance de sobrevivência.
Sendo eu uma mulher saudável com
dois filhos pequenos foi muito difícil respeitar tais exigências, mas ao mesmo
tempo o a missão materna tinha muito poder, eu tinha que salvar meu filho. No
entanto, me via angustiada e dividida e sozinha. E dependia de mim a decisão
traumática. Mesmo tendo empregada que dormia em casa, minha mãe e papai se
instalaram em casa para me ajudar a cuidar dos netos e administrar nossa vida doméstica.
Na realidade minha mãe, mais que meu pai, pois ele ainda trabalhava todos os
dias. Imagine minha impotência e medo de perder o bebê, minha irmã, no fim de
semana, também vinha para lavar minha cabeça. O método era no mínimo estranho,
mas necessário. Com bacia no chão, eu deitada na cama com a cabeça para fora,
para não ficar em pé muito tempo no chuveiro, ela dava conta do recado.
Mesmo assim, a cada dia e meio
eu perdia líquido, encharcando lençóis. Providências precisaram ser tomadas a
cada dia. Um lençol de plástico envolvendo o meu lado do colchão servia para
evitar estragos muito grandes. As refeições eram feitas na cama. Todo o domingo meus sogros vinham nos visitar
e subindo as escadas, ela dizia: Cadê a
doente? E ia repetindo essa pergunta
até chegar ao meu quarto. Aquilo era a faca entrando na carne. Era como se eu
estivesse me aproveitando da situação para ficar na cama sem necessidade. Foram
dois meses muito difíceis! Até que junto com o líquido passei a liberar
sangramento, aí fui internada. Já sentia o feto se mexer, quanto mais perdia
líquido, mais ele se movia dentro de mim.
Rezava e falava com ele o tempo
todo. Depois fiquei sabendo pela enfermeira que ajudou o meu médico, que era
uma menina. Mas, eu escutei ele dizer para ela que nada dissesse. Ela nasceu de
parto normal com peridural, eu permaneci acordada o tempo todo. Nem vi o bebê.
Meu coração dolorido me fez mais fraca do que nunca. O bebê não sobreviveu. Foi
desesperador. Como pode isso! Entrei grávida como outras vezes, mas saí do
hospital de mãos vazias. O que é isso, Meu Deus? Eu chorava muito inconformada
e dizia e repetia para o meu marido que não queria mais engravidar.
Ai que dor no peito de perda tão
grande, tendo feito tudo para salvá-la! Se fosse hoje, a chance de
sobrevivência dela seria bem maior, mas eram outros tempos.
Engraçado
como a gente esquece as dores e dois anos depois nasceu a minha filha caçula,
com toda a precaução para incorrer no mesmo problema, fiquei de repouso
relativo, parando todas as atividades, só saindo para ir ao médico. Dessa
maneira, pude levar adiante a gravidez, agora com dois netos filhos dela, vejo
que valeu a pena o sacrifício e tenho a felicidade de ter mais três netos
homens, quem sabe terei futuramente uma bisneta.
AS SETE VIDAS DO GATO - Sergio Dalla Vecchia
AS
SETE VIDAS DO GATO
Sergio
Dalla Vecchia
Era
uma segunda feira chuvosa do mês de junho. A cidade de São Paulo agradecia
aquela chuva miúda por aglutinar e pôr ao chão as partículas tóxicas que
passeavam aleatoriamente pelo ar daquela manhã.
De
capa e guarda-chuva, na Av. Domingos de Moraes, eu esperava no ponto a chegada
do meu ônibus. Encolhido de frio, mas de olhos atentos na pista, registrava os letreiros
dos bairros na frente dos ônibus, e o bendito Jabaquara não chegava nunca.
O
tráfego de veículos era intenso, ônibus, caminhões e automóveis formavam um
comboio de alto risco de colisões na pista molhada.
De
repente foquei num gato rajado atravessando a avenida do canteiro para a
calçada, quando foi pego em cheio por um carro. O infeliz tentava se levantar,
mas em vão, tinha fraturado a coluna vertebral. Nessa agonia ele miava, mas não
o conhecido MIAU, era um dolorido e longo MIAUuuu! Em seguida, splach, veio
outro carro e passou por cima dele. Outra tentativa para mover-se e nada, mais
um MIAUuuu, agora mais gutural.
Tanto
eu como as pessoas que ali estavam nada pudemos fazer, não havia como socorrê-lo,
o piso era de paralelepípedos, muito escorregadio e o transito intenso. Não
havia nenhum policial ou bombeiro que pudesse ajudar naquele momento. Tudo
acontecia muito rápido.
Assim
chocados, assistimos ao martírio do pobre bichano que era amassado várias vezes.
Foram sete, até que um homem ágil, mesmo com risco de ser atropelado, num gesto
humanitário correu até a massa mole ainda viva e a arrastou com o guarda-chuva
até a sarjeta.
A
cena foi repugnante, o gato ainda miou, mas foi o sussurro da morte, sucumbiu
quando um ônibus imenso (Papa-filas) passou junto ao meio fio, e como um ato de
misericórdia o esmagou completamente.
BLOG DE DESAFIOS, JOGOS E BRINCADEIRAS PARA ESCRITORES
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Obrigada
SE PASSANDO POR BOM MOÇO - Ledice Pereira
SE
PASSANDO POR BOM MOÇO
Ledice Pereira
As
tantas passagens pela prisão por furtos, tráfico de drogas e tentativa de
assalto a Banco, tornaram Gerson expert na arte de ludibriar.
Aqueles
anos entre as grades serviram para que ele se especializasse ainda mais.
O
bom comportamento, entretanto, reduziu o tempo determinado a princípio.
O
danado do rapaz era simpático. Sabia usar a técnica de seduzir.
Foi
assim que, passados alguns meses, começou a frequentar as festas de grã-fino,
ajudado por alguns velhos amigos que acreditavam na sua reabilitação.
Para isso, haviam conseguido para ele,
trabalho numa mecânica onde Gerson estava se saindo muito bem, ganhando a
confiança do dono, que o admirava por sua capacidade e inteligência. Sem contar
que os fregueses faziam questão de que ele fizesse o serviço.
Com
sua lábia costumeira o jovem conseguia tudo que queria. Até terno, com direito
a camisa, gravata e um belo mocassim. Do amigo barbeiro ganhou um corte moderno.
Todos
acreditavam que ele só necessitava de uma nova chance. Afinal, na escola havia
sido um dos primeiros da classe. Tinha uma memória de elefante, saía-se muito
bem em todas as matérias, principalmente, matemática e português. Desconfiavam
que ele tivesse um QI alto.
A
festa corria animada. Seu porte atlético e elegância chamou a atenção de umas
garotas que ensaiavam alguns passos, tentando acompanhar o ritmo que enchia o
ambiente.
O
rapaz não passou despercebido por Ivone, uma das jovens, que, depois de alguns
minutos fez um sinal, convidando-o para fazer parte do grupo.
Assim,
iniciou-se uma paquera, que com o passar do tempo evoluiu para namoro e
consequente noivado. A família aprovava feliz o relacionamento da menina que
tinha certa dificuldade de arrumar namorado, o que começava a preocupar. Logo,
ele passou a fazer parte daquela família. Aquilo era mais do que ele havia
sonhado. Um futuro sogro banqueiro...
A
história contada sobre sua família comoveu a todos. Era fruto de uma família de
classe média, do Norte, mais especificamente do Pará, de onde tinha vindo sozinho,
para trabalhar e poder ajudar o pai que havia perdido toda sua fortuna numa sociedade
infeliz. Nem gostava de falar no assunto que lhe trazia tristes recordações.
Ivone respeitava seu silêncio.
O
casamento aconteceu com todas as pompas, sem a presença dos familiares do noivo
e a lua de mel foi em Salvador – Bahia, a pedido do noivo, que não podia sair
do país. Dizia que era seu sonho conhecer o lugar onde teria nascido a avó
materna. A noiva que sonhava em ir para a Grécia, concordou com o pedido tão
fofo.
Ao
voltarem da viagem, o sogro o convenceu a trabalhar em seu banco, que
necessitava de um diretor de toda confiança.
E
Gerson, em pouco tempo, conseguiu realizar seu sonho de consumo como diretor de
um grande banco.
Estar
ali, diante de tanta facilidade, dava-lhe comichão que o acompanhara a vida
toda e, para não despertar suspeitas, ele começou por desviar pequenas quantias,
que enviava para um paraíso fiscal. Aos poucos, não se contentava mais com pouco
e passou a retirar valores consistentes, que chamaram a atenção do diretor
financeiro.
Em
reunião particular com o dono do banco, o diretor financeiro revelou suas
suspeitas, levando-os a realizar uma auditoria interna, sigilosa.
A
auditoria revelou não só o desvio de importantes quantias mas chegou ao autor
do mesmo com todo seu passado revelado.
Gerson
surpreendeu-se quando lhe foi dada voz de prisão.
Ivone
não podia se conformar de como havia sido enganada.
Seu
pai, que nunca havia passado por uma situação como aquela, achou que estava na
hora de se aposentar e deixar que o filho mais velho assumisse o controle do
banco.
Como
havia se deixado iludir pela lábia do rapaz?
O
casamento foi desfeito e Ivone amargou sua decepção indo para onde sempre
desejara, as Ilhas Gregas. Lá, encontrou um belo e rico rapaz brasileiro que a
cortejou. Mas, como o gato escaldado tem medo de água fria, contratou um
detetive particular para se informar sobre o pretendente. Se vai dar certo, só o tempo dirá.