O primeiro trem. - Sergio Dalla Vecchia




Apesar de o Sérgio ter enviado REUNIÃO DE NATAL para o Natal de 2021, encontrei nos meus guardados O PRIMEIRO TREM, texto tão delicado, tão doce sobre o Natal, que o Sergio escreveu há algum tempo, e gostaria de replicá-lo aqui no blog.

Faço com esta postagem a minha homenagem ao irmão gêmeo do Sérgio.



O primeiro trem.

Sergio Dalla Vecchia


Era Natal.

A família toda estava reunida na sala de estar do sobrado da Rua Luiz Góes.

Eu e meus três irmãos estávamos muito ansiosos, pois já era quase meia noite e o Papai Noel estava pra chegar trazendo os nossos presentes.

O Eduardo, o mais velho havia pedido uma bicicleta Monark aro vinte e seis, pois já tinha mais de quinze anos e se achava o “adulto”.

O Pérsio, meu irmão gêmeo esperava uma nova bola de basquete. A bola velha já estava com os gomos gastos e vários deles sem couro. Ela até que aguentou muito, pois havia uma cesta no quintal e aconteciam diariamente inúmeros rachas. O mais interessante é que no jogo de vinte e um, no qual participam apenas dois jogadores o resultado era sempre alternado, ora era eu o vencedor ora meu irmão gêmeo. Havia lógica nisso, pois éramos idênticos, na aparência, peso e altura. Assim ganhava sempre quem estava com mais garra. A diferença era sempre de uma cesta.

O irmão caçula pediu um velocípede, que era um triciclo muito em moda na época.

Eu pedi um trem elétrico da ATMA. Era uma miniatura do famoso trem de passageiros que fazia a rota São Paulo / Barretos.

A noite estava estrelada dignificando da importância da data do nascimento de Jesus.

Por fim as esperadas doze badaladas do relógio antigo ressoaram pela sala toda como prenúncio de felicidade e alegria.

Em seguida ouvimos a voz do meu pai lá do andar de baixo:

 O Papai Noel esteve por aqui e deixou alguns presentes, desçam aqui, venham ver que como são lindos!

A tática dos meus pais era essa, enquanto éramos distraídos na sala, pela minha mãe, meu pai descia e abria uma pequena sala que seria uma futura adega e que servia como guarda volumes deles, pois só eles tinham a chave.

Meus irmãos e eu descemos a escada voando e fomos direto para a adega e pronto! Lá estavam os nossos queridos presentes.

A bicicleta Monark do Eduardo era linda com os para-lamas na cor vinho e os cromados reluzentes!

A bola de basquete do Pérsio era de couro marrom, com gomos muito bem costurados e tinha aquele cheirinho de couro novo que todos nós apreciamos.

O caçula montou no seu velocípede de imediato e já deu umas voltas externando toda a sua alegria, com um lindo sorriso e brilhos nos olhos.

Enfim o meu presente. Lá estava a grande caixa de papelão que na sua tampa estampava uma gravura da composição do trem dos meus sonhos.

Após todos abrirem os embrulhos, subimos para cearmos. Os brinquedos foram vistos, apalpados e cheirados, mas para brincar mesmo só no dia seguinte. Essa era a regra lá de casa.

Todos à mesa e meu pai dizia algumas palavras de agradecimento ao menino Jesus pela fartura daquela refeição, pelo bom ano, pela nossa saúde e pela prosperidade. Daí sim iniciávamos a ceia.

Após muitas conversas e de barriga cheia, o sono surgiu de repente e nós crianças fomos todos cambaleando para as nossas camas. Desmaiamos de sono!

O dia amanheceu aflito, e eu desci desesperado para montar o meu trem elétrico.

Escolhi um lugar seguro embaixo da escada que era ideal para se montar os trilhos.

Assim fui montando um a um os segmentos de trilhos, até que o circuito composto de duas retas e duas curvas de 180º graus se formou. Agora faltava ligar o transformador e pronto.

A energia elétrica estava ligada e a locomotiva já podia se mover, bastava apenas colocá-la nos trilhos.

Na sequência montei o cenário, que consistia de uma estação ferroviária e uma casa de fazenda com miniaturas de vacas, cavalos etc.

Enfim, tudo pronto. Peguei a locomotiva de dentro da caixa e a instalei nos trilhos.

Meu Deus, que imponência! Era a réplica de uma locomotiva elétrica “GE A1A- A1A” e estava nas minhas mãos! 100t de peso e quase 20 metros de comprimento!

Ela era na cor azul e tinha a marca da Companhia Paulista de Estradas de Ferro “CP” em branco. Igualzinha a verdadeira.

Sim, eu sabia, pois viajei várias vezes nesse trem quando ia para Barretos, cidade onde nasceu o meu pai.

Cuidadosamente, coloquei-a nos trilhos. Acionei a alavanca de avante no transformador e pronto. Lá foi minha locomotiva desfilando pelos trilhos. Eu estava maravilhado! Eu me deitava com a cabeça junto aos trilhos e a admirava com meu próprio zoom a passagem dela quase raspando no meu rosto.

Após algumas voltas parei a GE na estação e fui pegando um a um dos cinco vagões que formavam a composição:

O do correio, o restaurante, o Pullman, o de primeira classe e o de segunda classe. Todos na cor azul e o teto em prata. Fui colocando-os nos trilhos, sentindo, admirando e recordando minhas viagens.

Finalmente, a composição estava completa, todos os vagões engatados à locomotiva e tudo pronto para iniciar a viagem inaugural do meu trem! Só minha!

Assim a composição partiu. Eu me posicionei deitado junto aos trilhos, extasiado com a passagem de cada vagão junto ao meu rosto.

O vagão Pullman com suas poltronas giratórias, o restaurante com suas mesinhas ornadas cada uma com o seu abajur, o de primeira classe com seus bancos estofados na cor vinho e o da segunda classe com bancos revestidos de palhinha.

Assim, o trem passava e por vezes eu era acordado por alguém, pois havia dormido embalado pelo som dos trilhos emitido pelas rodas passando pelas suas emendas: tetreque-tetreque, tetreque-tetreque... E viajando, viajando ...


Um comentário:

  1. Delícia de relato, Sergio. Senti a emoção e alegria da descrição. Quase enxerguei você, menino. Linda lembrança!

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