TOUROS NA REPÚBLICA
Sergio
Dalla Vecchia
Rufam
os tambores, clarinetes sopram agudos, a plateia ansiosa emana burburinhos
aguardando a abertura do portão, eis que de repente é aberto e das sombras
surge o touro! Desvairado, chifres em riste, adentra na Grande Arena de Touros
da Praça da República, Centro de São Paulo. Era uma tarde de Domingo, 10 da
janeiro de 1902.
Gritando
olé à cada passada de capa do toureiro, lá estava Julinho eufórico em meio a
plateia.
Esse
prenome foi registrado por seu pai, em homenagem ao famoso escritor da época,
Júlio Verne. O diminutivo ficou por conta do carinho.
O
pai era devorador contumaz dos livros de ficção daquele autor. A pequena
estante de livros, no sobrado onde pai e filho residiam, suportava heroicamente
o peso de tantas arrojadas aventuras.
Volta
ao Mundo em 80 dias, Viagem ao Centro da Terra e Vinte Mil Léguas Submarinas
eram os destaques entre tantos outros.
O
gosto pelas touradas, Julinho não sabia muito bem o porquê, talvez por ser
única atração às tardes de domingo, ou pela expectativa inversa do touro ferir
o toureiro. Questionava sobre a carnificina apresentada, que por vezes muito o
incomodava.
Mesmo
assim pela índole humana do digladiar, ele garantia que esse espetáculo em
algumas partes do mundo avançaria para outro século.
Julinho,
com entusiasmo do pai e pelos livros a disposição, acabou por lê-los, quase
todos.
Sabia
que Júlio Verne tinha 74 anos nessa tarde de touros, pois nasceu no ano de 1828
na França.
Quando
leu Vinte Mil Léguas Submarinas, entrou como tripulante no submarino Náutilus,
sob comando do engenheiro construtor capitão Nemo, para navegarem milhares de
léguas submersos nos oceanos, sem qualquer interação com o mundo da superfície.
Autossustentáveis, viviam com o que o mar fornecia. Alimentação, matéria prima
para produção de eletricidade para a locomoção do bólido e até tecido para
confecção de escafandros .Assim navegavam e por casualidade receberam à bordo o
professor Aronnax e saíram à caça do
maior narval do mundo, que havia destroçado dezenas de navios.
Já
com A Viagem ao Centro da Terra, juntou-se ao prof. Lindenbrock, o sobrinho
Axel e navegaram em uma jangada improvisada por mares desconhecidos em um mundo
paralelo subterrâneo, onde havia vida, fauna e flora exuberantes. Iniciaram a
aventura penetrando no vulcão glacial Sneffels na Islândia até chegarem, após
muitos sobressaltos, no vulcão Strompoli na Sicília, onde foram cuspidos, por
uma explosão, de volta à superfície, após terem percorrido mais de cinco mil
quilômetros nesse mundo, até então desconhecido.
Mas
na leitura da Volta ao Mundo em 80 dias foi a que mais se divertiu.
Acompanhou
paripassu a façanha do sr. Fogg na aposta de vinte mil libras que fechou com
seus colegas de clube em Londres. Incrédulos na façanha de contornar o mundo em apenas oitenta dias, com data e hora
marcadas para o retorno.
Iniciaram
a aposta embarcando em um trem para o sul da Europa, de lá, um vapor para Suez
na África. De Suez para Bombaim, oeste da Índia. De Bombaim outra estrada de
ferro para Calcutá na costa leste indiana. Nesse trecho, apavoraram-se com um
grande imprevisto. A ferrovia estava inacabada!. Com muita astúcia e
improvisação conseguiram viajar pela Selva e chegar enfim a Calcutá. Por mar,
de lá partiram para Hong Kong. Em Hong Kong navegaram em outro navio para
Yokohama no Japão, e de lá, outro transatlântico com destino São Francisco,
Estados Unidos.
Em
San Francisco subiram no trem da ferrovia transcontinental que cortava os EUA
de oeste a leste e chegam inteiros em Nova Iorque. Daí, rumo Inglaterra!
Após
inúmeras peripécias nos hilários oitenta dias pelo mundo afora, desde índios,
elefantes, mandado de prisão, casamento, ritual indígena e tantas outras,
conseguiram chegar sãos e salvos à Londres.
Finalmente,
respeitando a pontualidade britânica, Fogg, garboso, foi receber suas merecidas 20 mil libras no salão nobre do
clube, conforme havia prometido, diante dos boquiabertos colegas incrédulos.
Assim
era Julinho, vivia intensamente como parceiro dos personagens, com bravura e
otimismo, acreditava na ficção como se real a fosse.
O
conteúdo dos livros fazia seu mundo virtual, tornando-o vidente perante seus
amigos, onde dominava a conversa contando histórias mirabolantes e previsões
para o mundo.
Previa
ele que no futuro haveria submarinos com grande autonomia navegando pelos mares
com combustível produzido do núcleo de certos átomos. E o primeiro seria
fabricado na América e seria batizado de USS NÁUTILUS!
Dizia
também que os cientistas penetrariam na cratera de vulcões com roupas e
equipamentos especiais e descobririam segredos da formação da terra.
Haveria
aeronaves com velocidade até seis vezes a do som. Se poderia chegar em qualquer
parte do mundo em apenas uma hora. Essa nave seria construída na China com nome
de Starry Sky 2.
Teve
até a insensatez de prever que um vírus iria paralisar o mundo e matar milhares
de pessoas, mesmo com todos os avanços tecnológicos, mudando conceitos, a
medicina, economia, religião e até a esquecida fraternidade.
Ele
realmente vivia em um mundo paralelo!
Parabéns a todos os escritores excelentes contos, especial conto do Sergio com pesquisa de dados e usando a criatividade uma bela surpresa.
ResponderExcluir