CARANDIRU, ME AGUARDE!
Suzana da
Cunha Lima
Estava dando
uma arrumação no meu escritório. Era tanto papel que creio haver ali celulose suficiente
para formar uma floresta inteira. E o pior é que eu me distraia, lendo cartas
antigas, velhos textos e papeizinhos com informações ou notícias totalmente
obsoletas.
No meio
daquilo tudo, uma carta muito engraçada que meu irmão, que mora em Pipa-RN, me
enviou há tempos, quando eu estava numa fúria concurseira, à busca de emprego
como se eu fosse arrimo de família.
Ele teve
conhecimento que eu tinha passado num concurso para Agente Penitenciário para
servir no Presídio de Carandiru.
“Mana, fiquei tão orgulhoso quando soube que minha
irmã preferida ia trabalhar em Carandiru, prestando toda sua experiência em
ouvir e aconselhar (habilidades suas totalmente desconhecidas pela família) aqueles
excluídos de uma sociedade cruel e elitista, encarcerados por motivos fúteis.
Já informei a todos os amigos de sua nobre missão e
eles estão loucos para passar alguns bilhetinhos de consolo para nossos
infelizes presos, muitos deles longe da família e de suas bases políticas, sem
acesso aos meios de comunicação, direito inalienável de todo cidadão. É de
conhecimento geral como é fraco o sinal de celular nestas prisões obsoletas e
nossos guardas estão inflacionando as propinas para facilitarem o uso de seus
equipamentos de longa distância.
Só estou curioso em saber o que você andou fazendo
para convencer o brucutu de seu marido a expor sua linda mulherzinha aos
olhares cobiçosos de nossos presidiários que podem ser tudo, mas não estão
mortos nem capados. Ainda não levou
nenhuma cantada?
Minha mulher já me deu um aviso aqui que estou menosprezando
sua grande vitória, o que é uma enorme injustiça: sabemos a imensa dificuldade
em se passar nestes concursos: cinco vagas por candidato! E todos ansiosos pela aposentadoria integral
e o prestígio que esta profissão confere.
De modos que termino esta com o coração estourando de
orgulho e desejando, de coração, que esta experiência única, caso permaneça
viva e saudável (os primeiros reféns são os agentes penitenciários) pelo menos
forneça subsídios para o próximo livro ou acabe com suas ilusões românticas
sobre esta raça de predadores que de humanos não tem nada. E isso não se
aprende em Faculdade.
Com muito amor, seu irmão.
Bom, nesta
mesma ocasião eu havia passado num concurso para Diretora de Creche, que achei
mais apropriado enfrentar. Creio que nunca
saberei o que é exercer minha profissão atrás dos muros de uma prisão, e espero que jamais, lá dentro, como detenta.
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