A louca ou um olhar diferente
Ises A. Abrahamsohn
Os artistas da trupe de
comediantes tinham se apresentado todos os dias da semana nas cidades do Norte.
Hoje era domingo, dia do Senhor. No sábado a peça foi encenada em Lamego.
Grande sucesso. O prefeito, entusiasmado, convidara todos para um lauto almoço
na sua quinta. Agora, empanturrados, os atores roncavam à sombra do pequeno olival.
Porém nem todos dormiam. Antônio tinha percebido durante o almoço os olhares
interessados que as jovens e, principalmente Carolina, filha do prefeito lhe lançavam. Belíssima
rapariga aliás. Alta, braços e pernas torneados, pele alvíssima, cabelos negros
e olhos de um azul profundo herdados de algum celta que se estabeleceu no norte
de Portugal. Não desgrudava os olhos de Antônio. Também... Não era de se estranhar. O jovem ator de
aspecto cigano chamara a atenção de
todos, homens e mulheres durante o
espetáculo. Rosto afilado, de tez morena, cabelos revoltos presos na nuca por um despreocupado cordão negro.
Porém o que atraía as pessoas eram os expressivos olhos castanhos que
desprendiam chispas verdes a depender do interesse do ator. Antônio deitara-se
afastado dos demais protegendo o rosto por um enorme chapéu de palha. Estava
acordado e percebeu Carolina atrás de
uma árvore a espreitá-lo. Resolveu ignorá-la e continuou com o rosto coberto
fingindo dormir. A jovem se aproximou e ao inclinar-se falou baixinho:
─ Venha comigo que lhe farei uma surpresa.
Antônio, curioso seguiu a rapariga até o galpão de madeira. Ao ser aberta
a pesada porta, Antônio na semiobscuridade, pôde ver os fardos de feno e
ferramentas do celeiro. Viu quando ela baixou a tramela de madeira trancando a
porta do lado de dentro.
O rapaz permaneceu parado olhando em volta, à espera, ainda curioso do
que ela iria lhe mostrar. Carolina colou seu corpo ao de Antônio e começou a
beijá-lo freneticamente. Os braços dela apertavam-lhe as costas descendo até as
nádegas. Surpreendido, o rapaz de um
repelão se soltou e recuou alguns metros. A moça o alcançou e empurrou-o até ele cair
sobre um monte de feno. Levantando o vestido de verão lançou-se sobre Antônio puxando
a calça para baixo. Carolina era uma pessoa vigorosa, quase da sua altura e forte,
mais forte ainda tomada pela paixão. Antônio deu-lhe um safanão empurrando-a
para o lado.
─ Pare com isso, menina. Não estou
para isso.
A garota o olhou sem compreender. Nunca lhe acontecera antes. Nunca fora
rejeitada pelos rapazes do lugar. Aproximou-se de novo. Antônio a empurrou com força até ela cair de costas,
imóvel. O rapaz tentava abrir a tranca
para escapar e ouviu o ruído atrás de si. Carolina empunhava uma pesada pá para
golpeá-lo. Acertou a madeira da porta enquanto Antônio esbaforido corria em
busca de socorro. Chegou até a cozinha da casa senhorial. Os empregados logo
entenderam.
─ É
louca a menina, comentaram. Já
aconteceu antes. Tão linda. Não pode ver homem jovem que ataca. Já lá vamos para
conte-la e dar lhe um calmante.
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