Um oportuno reencontro - Ledice Pereira

 



Um oportuno reencontro

Ledice Pereira

 

 

 

Nosso jantar estava marcado para 20:00h. Chegamos pontualmente. Alguns convidados desciam apressados dos carros, sendo recepcionados pelos funcionários da espetacular mansão.

Ali, residia uma família quatrocentona de quem os donos da empresa em que meu marido trabalhava eram descendentes. O fato nos causou surpresa, visto que eles nunca se vangloriaram por isso. Pelo contrário, eram muito simples.

Um deles, sorridente, recebia os convidados, encaminhando-os aos seus devidos lugares, tendo para isso a ajuda de eficientes funcionários. Um, especialmente, chamou-me a atenção, apesar da careca e da barriguinha evidente. Como esquecer Norberto, com quem eu estudara no ginásio, garoto esnobe e antipático que gostava de aparecer e menosprezar os colegas. Era voz corrente que tinha ascendência nobre, por sinal, nunca comprovada. Por essa razão, vivia rodeado de garotos puxa-sacos que admiravam a suas atitudes.

Estranhei o fato dele estar ali como um fiel mordomo, com uma lista na mão, dedicando-se a acompanhar cada um à mesa reservada.

Não costumo tripudiar sobre qualquer que seja a pessoa, mas não me contive. Guardava na lembrança cada vez que fora constrangida por ele, cada vez que me enfiara no banheiro em prantos devido às suas piadas e deboches sobre minhas roupas e sapatos simples, eu que havia sido premiada com uma bolsa de estudos, que me permitiu cursar escola paga.  

 Aproximei-me do emproado serviçal e perguntei na lata:

Você não é o Norberto que estudou no Instituto Mackenzie no ano de 1980?

 Ele virou-se lentamente para mim pálido e visivelmente constrangido.

─ Não sei se você se recorda de mim ─ continuei,  sou Alice, aquela garota de roupas surradas que você gostava de desprezar.  Formei-me em advocacia no Largo São Francisco e você, conseguiu se formar?

A palidez deu lugar a uma vermelhidão que se estendeu pela careca.

Meu marido, que estava cumprimentando alguns conhecidos, veio juntar-se a mim, julgando que eu já fora encaminhada ao nosso lugar.

Norberto aproveitou para esquivar-se, permanecendo distante de nós durante todo o jantar.

Minha vingança deixou-me faminta. Deliciei-me com cada prato que me foi servido.

Fiquei pensando aqui comigo que aquela pose toda estava mesmo perfeita para um mordomo...


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