A torre submersa.
Ises
de Almeida Abrahamsohn
Gioacchino
leu a notícia no jornal local. O lago seria esvaziado de novo para reparos no
reservatório da usina. Já havia acontecido antes em 2009. Porém em 2009 ele não
estava em Resia e não pôde ver a pequena cidade de Curon ressurgida das águas.
Agora, aposentado, Gioacchino podia rever a cidade onde passou parte da
infância. Tinha 10 anos em 1950 quando tiveram de abandonar a cidade que seria
inundada para formar o lago da hidrelétrica.
Agora
poderia percorrer de novo os lugares que permaneciam gravados na memória. Pouco
a pouco viu aparecer a torre da igreja e finalmente os escombros que restaram
das casas submersas por setenta anos. Gioacchino armou-se de sua bengala, uma
surrada mochila às costas e junto com o neto Giulio partiu para explorar as
ruínas. Ao chegar à base da torre do sino confirmou o que tinha de longe
observado. O arco românico da entrada estava intacto. Entulho obstruía a parte inferior
do vão deixando livre a parte superior.
Gioacchino
agitado, com os olhos brilhando, virou-se para o neto: ─ Vamos entrar, Giulio. Que sorte, a
arcada está intacta. Basta tirar algumas pedras e conseguimos passar.
─
É perigoso, nono. Lá dentro tijolos e restos da escada podem despencar.
Porém,
o ancião insistiu. É muito importante, Giulio, você vai ver.
A
contragosto o jovem ajudou o avô a transpor a abertura e o seguiu para o
interior da torre. A escuridão era aliviada pelas pequenas aberturas ao longo
da parede circular na escada original. A lanterna iluminava restavam apenas
alguns caibros de madeira podres incrustrados nas paredes esverdeadas pelo
limo. O cheiro de lama e podridão eram opressivos. Giulio queria logo dar o
fora dali. Mas o avô avançou até a parede oposta à entrada. Agachado, contava
os tijolos desde a base.
─
É aqui, disse. Está vendo, Giulio, marquei aqui dentro, na minha cabeça, todos
esses anos. Nunca esqueci. Trinta tijolos na vertical a contar do chão, na
direção exata do meio da entrada.
Com
um pé de cabra deslocou um tijolo da parede. Enfiou o braço na cavidade e
trouxe na mão um saquinho de couro apodrecido.
─
Achei! Vamos sair agora.
Giulio
aliviado por se encontrarem de novo ao sol exclamou:
─
Pois bem, então o que você tem aí, nono?
O
avô removeu os restos de couro esfarelado para fazer aparecer dois colares de
ouro e um medalhão incrustado de rubis e brilhantes.
─
São seus, meu neto. Antes dos alemães chegarem até aqui vindo do Tirol em 43, meu
pai escondeu as joias da mãe dele e da minha tia Amália que moravam conosco. Eu
logo fui embora para o sul para me juntar aos aliados. Depois veio a confusão
do pós-guerra, as retaliações e distúrbios até a proclamação da república. Desde
46 eu estava trabalhando na Fiat em Torino. Eu vim vê-lo já doente em 47 e ele
me contou do esconderijo das joias. Eu perguntei por que escolhera a torre da
velha igreja. Explicou-me que na época era sacristão da igreja e queria um
lugar longe da própria moradia caso os alemães invadissem a vil, seu avô faleceu
nesse mesmo ano. Mas ele morreu feliz por ver a Itália uma república livre de
Mussolini e dos Savoia. Em 50, como você sabe, sua nona, minha querida Anna e a
tia Amália já muito idosa, e todos os habitantes de Curon tiveram de abandonar
as casas. Elas não sabiam nada sobre as joias, a igreja ao lado da torre já
estava em ruínas e os escombros tapavam a entrada da torre. Na época, eu não
podia me afastar de Torino e decidi não falar nada e esquecer o assunto, só
traria angústia. Depois em 2009, até pensei em voltar para tentar recuperar as joias,
mas de novo, estava longe, trabalhando na França. Sua avó Anna e tia Amália já
tinham partido desta vida. Da família só restava seu primo Luigi morando em
Brescia, é filho do meu irmão Fillipo que morreu na guerra. Você o viu umas
duas vezes apenas. Então, tive que esperar até hoje.
Giulio,
estava pasmo. Abraçou o avô. Não podia acreditar na sua sorte. O dinheiro da
venda das joias poderia custear o tão desejado MBA nos Estados Unidos. Mas não
poderia esquecer do avô.
─
Nono, você pode ir comigo para os Estados Unidos. Você sabe que eu quero
estudar lá. Você sempre quis conhecer o país.
Gioacchino
sorriu. Você é meu neto querido, mas por enquanto eu vou ficar aqui na minha
casa. Já morei muito tempo fora do meu país. Agora com a internet você não
ficará tão longe.
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