O NATAL DE VALDINEI
Ledice Pereira
Chamava-se Valdinei.
Idade: seis anos.
Endereço: Rua
Isso mesmo, Rua. Morava na rua.
Mãe: viciada, vinte e um anos, moradora de rua.
Pai: desconhecido
Valdinei, menino franzino que, embora vivesse na rua, tinha uma carinha
boa, olhos vivos de jabuticaba, tendo conquistado os moradores do bairro com
sua simpatia e seu sorriso sempre presente.
Alimentava-se graças às doações dos bares e restaurantes da região. Apesar
da pouca idade, estava sempre disposto a lavar um vidro de carro aqui, a fazer um
carreto ali na feira livre que acontecia às quartas-feiras, uma forma de ganhar
um trocadinho mesmo que isso não desse para nada.
O jornaleiro resolveu vesti-lo. Tinha um filho de nove e outro de onze.
Quando as roupas ficavam pequenas trazia pra Valdinei. Tudo servia e ele
agradecia.
─ Brigadu, tio.
Ficou tão conhecido no bairro do Itaim Bibi, em São Paulo, que todos se
sentiam um pouco responsáveis por ele.
Josilene, uma jovem senhora que não tinha filhos, era a que mais se
importava com ele. Trazia sempre um doce
que ela mesmo fazia e que ele comia com gosto. Ele tentava retribuir com
pequenas gentilezas como dar-lhe uma flor apanhada na praça onde muitas vezes
dormia.
─ Valeu, tia.
Na época de frio, o recolhiam no saguão de um prédio e lhe davam
colchonetes, cobertores e o deixavam passar as noites frias.
Elizabeth, professora da Escola Municipal da região sentiu-se na
obrigação de trazê-lo para a escola. Conversou com o diretor e acabou
convencendo-o a deixar o menino frequentar as aulas já que ele logo faria sete
anos.
Conversou com os moradores da região. Um comprou o uniforme, o outro o
material, providenciaram documentos já que ele tinha uma certidão de nascimento
que ninguém sabe como não sumiu. E Valdinei foi matriculado.
O garoto estava radiante. Sempre tivera vontade de fazer amizade com a
meninada que voltava da escola mas ninguém nunca olhara para ele.
Na escola havia a merenda e ele adorava tudo que ofereciam. Gostava de
brincar e se destacava nos jogos que os professores organizavam.
Na classe, sua vontade de aprender surpreendeu a professora. Tentava
desenhar as letras com capricho e logo estava juntando sílabas e formando
palavras.
Fazia contas desde pequeno, do jeito dele, então tirou de letra os
números e as primeiras operações.
O progresso de Valdinei e seu jeito de ser, seu comportamento e sua
gratidão a todos que o ajudaram fizeram com que Josilene convencesse seu marido
a lutar pela adoção do menino.
Inicialmente, Jorge relutou em aceitar mas começou a observá-lo e sentiu
que realmente devia pensar no assunto.
Consultaram advogados e chegaram à Vara da Infância e da Juventude para
se inscreverem na fila de adoção. Explicaram ao Juiz que gostariam de adotar um
menino de rua que já conheciam.
Depois de enfrentarem os trâmites necessários, faltando uns dias para o
mês dezembro daquele ano, foram chamados pelo Juiz para que trouxessem Valdinei
a fim de que fosse entrevistado. O juiz precisava ter certeza se essa era a
vontade dele também, uma vez que a mãe verdadeira não foi localizada, apesar
dos esforços das Assistentes Sociais. Tanto o casal, como o garoto, teriam que
passar por um período de experiência.
Valdinei, que a princípio se sentiu apreensivo, ao saber da intenção de
Josilene e Jorge, ficou tão feliz e agradecido que disse ao juiz que não
poderia receber melhor presente do que aquele, ainda mais no mês de dezembro,
pois em toda sua vida nunca recebera um presente de Natal.
Essa não é uma história de Natal, mas poderia servir de exemplo para que
tantas crianças, que vivem pelas ruas, sejam enxergadas com possibilidade de
terem um lar, amor, atenção e chance de estudarem e poderem se tornar cidadãos.
Não podemos fechar os olhos para essa realidade tão presente em nossas
cidades.
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