O canivete desvairado
Ises
A. Abrahamsohn
Quando
o delegado Otacílo prendeu Janjão, o povoado todo até que ficou com pena do
ladrão. Ladrãozinho de ocasião, só se aproveitava de janelas ou portas
destrancadas para surrupiar algum trocado ou carteira esquecidos. Dessa vez
tinha ameaçado a vítima com um canivete. Tentou explicar ao delegado que o
canivete tinha vida própria. Quando o achou à beira da estrada parecia apenas
uma inocente faca caída do bolso de alguém. Janjão levantou o objeto com
cuidado e testou a mola. A faca saltou reluzente, ameaçadora. A luz refletida
chegou aos olhos de Janjão cegando-o por instantes. Foi nesse momento que o
rapaz percebeu que aquele não era um canivete qualquer. Ao empurrar a lâmina de
volta à bainha, em vez do clic, ouviu um som estridente.
─
Parecia uivo de cachorro do mato , seu delegado. Me deu uma tremura.... Quis
jogar a faca no milharal, mas a maldita grudou na minha mão.
Dali
em diante o canivete dominou Janjão. Era um objeto insaciável. O ladrão o
sentia vibrar no bolso, de onde saltava para a mão e se abria para ameaçar
algum transeunte com quem cruzasse. O rapaz passou a evitar a cidade com medo
da sanha da malévola arma. Assaltou duas vítimas na estrada que não entenderam
nada quando gritou avisando para que corressem do assalto.
Ao
delegado Otacílio o objeto era absolutamente inocente. Ainda comentou, ao
deixar Janjão na cadeia local que, como qualquer arma, dependia do uso que dela
se fizesse. Ao sair avisou o policial que levaria a arma para casa para
investigar a procedência.
Foi
dormir tarde e deixou o canivete no criado mudo. Acordou de madrugada. No
escuro a arma vibrava irradiando uma luz azulada intensa hipnótica, convidando
que a pegassem. Ainda por uns minutos achou que sonhava, porém, incomodado,
levantou-se para guardar a arma no armário da sala. O canivete, pressentindo o
perigo humano, abriu a lâmina, saltou e voou certeiro até o tórax do delegado
Otacílio.
O
corpo foi achado no dia seguinte, ao lado da cama, com o canivete cravado no
peito ensanguentado.
Janjão
comentou:
─
Bem que eu avisei! Mas o doutor não acreditou que era um canivete insaciável.
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