Incêndio
Ises A. Abrahamsohn
Meu pai comprara a chácara para escapar da cidade grande. Quando vi, não quis dizer nada mas achei que ele tinha feito mau negócio. Próxima à estrada principal, isso era. E, de carro, apenas cinquenta minutos do apartamento. E, já havia uma casa construída com dois dormitórios, sala, cozinha, banheiro e varanda. E... E aí se esgotavam as vantagens da chácara.
Da entrada, o terreno descia em declive acentuado por uns 60 metros até atingir a área plana onde ficava a casa. O caminho de terra batida com algum pedregulho não resistiria às chuvas. Atrás da casa o terreno se estendia até um denso emaranhado de bambus que assinalava a divisa com o sítio do vizinho. Vizinho problema, esse sujeito. Já se sabia, na região. Tinha uma área várias vezes maior e, como muitos sitiantes da região, usava o fogo para eliminar as pragas do chão e limpar o solo para plantar milho. Era prática comum na lavoura, apesar de há tempo condenada pelos agrônomos além de difícil controle.
Estávamos
na época da seca na região central do Brasil. A vegetação típica do cerrado já
bem seca. Quem não conhece o cerrado e olha aquela secura acha que a terra é infértil.
A vegetação rasteira esturricada por dois meses ou mais sem uma gota d’ água.
Sobram apenas arbustos, a maioria seca e despida de folhagem. Apenas as árvores
de porte resistem.
Porém
basta a primeira chuva em setembro, e as raízes dormentes brotam em velocidade
espantosa. O verde se espalha pelo chão, cobre os galhos áridos, e explodem as
flores nas frutíferas típicas do cerrado. Mangaba, cajá-manga, goiaba,
cajuzinho...
Meu
pai mostrava com orgulho as arvorezinhas do pomar atrás da casa que plantara
há um ano. Em volta de cada muda
a terra coberta com cascas para diminuir a evaporação e a cada semana ele as regava
com água do poço.
─
Plantei com um metro, agora já chegaram a quase dois. Mais um mês, com a chuva,
já vão florescer, dizia entusiasmado. E fiz um aceiro lá no fundo na divisa com
o vizinho. Dá que ele bota de novo fogo no mato! O vizinho do outro lado já foi falar com ele.
Aí, eu também fui, e ele disse que este ano não iria semear milho perto do nosso
lado.
Fui
dormir pensando no tal vizinho bronco.
Acordei
no meio da noite ouvindo uns estalos que a princípio não identifiquei. Depois
senti cheiro de fumaça. Abri a porta da cozinha e vi o fogaréu no bambuzal e o
fogo avançando em labaredas e a fumaça sobre o pomar. Meu pai com uma toalha enrolada
no rosto tentava com a mangueira curta conter o avanço das chamas pelo mato
rasteiro. Mas as fagulhas endiabradas alcançavam mais e mais áreas do pomar.
Chamei
meu pai, mas ele não ouvia. Só tentava salvar as suas pequenas árvores. O calor
era intenso. Afinal me protegi com uma toalha molhada e o puxei dali. Na casa ajudei-o
a vestir-se, por cima do pijama mesmo, coloquei-o no carro e alcançamos o portão de entrada. Parei o
carro, e por um minuto, vimos lá embaixo as chamas chegando até a casa. Meu pai
não falou nada. Raiva e tristeza desciam em lágrimas pelo rosto manchado de
fuligem. Também fiquei calada. O que dizer? Dizer o quê? Acontece... Aconteceu...
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