Fim de semana em alta velocidade - Ledice Pereira

 




Fim de semana em alta velocidade

Ledice Pereira

 

Eu mal podia acreditar que estivesse ali em carne e osso.

De crachá envolto no pescoço, eu percorria o cenário colorido e movimentado do autódromo de Jacarepaguá. Celebridades vagueavam pelos espaços lotados.

Corria o ano de 1987. Eu portava no peito minha potente câmera que não se cansava de registrar aqueles momentos jamais imaginados que ficariam para sempre.

De repente, fiquei muda. Num dos boxes, eu o vi. Ayrton Senna bem na minha frente. Fiquei sem ação.

No entanto, ao ficar cara a cara com Nelson Piquet, não tive dúvida, tirei-lhe uma foto. Sentia uma emoção gigante que me fazia tremer inteira!

Eu nem era assim vidrada em corrida, mas o convite para assistirmos àquela corrida automobilística era irrecusável. Com passagem de avião, hospedagem, crachás, refeições, tudo incluído. Eu estava nas nuvens.

Os carros alinharam-se. Foi dada a largada.

O ruído dos motores tornou-se ensurdecedor, pareciam querer testar nossos tímpanos.

Os carros passavam como raios, mal dando para identificar os pilotos.

Eu tentava seguir aquele carro preto e amarelo pertencente ao nosso Ayrton. E o perdia de vista, vindo a reencontrá-lo rapidamente e já o perdendo de novo.

No camarote, especialmente reservado para nosso grupo, havia comes e bebes à vontade. Eu, porém, não queria perder o espetáculo. Só necessitava me hidratar porque o calor de quase quarenta graus era de rachar. O meu boné era insuficiente para uma total proteção. Eu suava por todos os poros. Mas insistia em acompanhar a corrida com o binóculo, tentando não perder nenhuma manobra.

Como podem perceber, eu parecia uma verdadeira árvore de Natal, com crachá, câmera e binóculo a tiracolo.

Senna estava endiabrado, mas teve que deixar as pistas na volta de número 50 por uma avaria no possante Lotus. Naquele dia, Nelson Piquet dividiu o podium com Allan Prost que levou a taça, chegando em segundo lugar.

Foi um final de semana inesquecível que jamais fugirá de minhas lembranças.

PANDEMIA - Sergio Dalla Vecchia

 


PANDEMIA

Sergio Dalla Vecchia

 

No oriente vírus surgiu

Falha infeliz porta à abrir

Esperto rápido escapuliu

De pronto pode expandir.

 

Rápido belicoso valente

Deixou mundo estático

Do nascente ao poente

Do Ártico até Antártico.

 

Mortes corriam a galope

O pânico rápido evoluiu  

Para forte contragolpe

Criação da vacina urgiu

 

A vida se desmascarou

Na economia crescente

Descrença se minguou

E danado ainda latente!

A impotência humana - Ledice Pereira

 



A impotência humana

Ledice Pereira

 

O fogo alastrava-se. O fogo ia matando a vida que ainda existia ali. O fogo apavorava toda a gente do lugarejo. impotente, pasma, aterrorizada, paralisada. Apenas os brigadistas tentavam conter o fogo, aguardando os bombeiros. Mas labaredas escuras  tentavam encontrar o céu.

Alguns, com o intuito de contribuir, traziam pequenas vasilhas cheias d’água que mal davam para esfriar os gravetos que estalavam. Os bombeiros tiveram dificuldade para vencer os obstáculos que se interpunham entre eles e a fornalha. Custaram a chegar. Enquanto isso, o fogo devorava tudo que encontrava.

Era um cenário de tristeza e devastação. Impossível conter as lágrimas que insistiam em rolar, encharcando meu triste semblante.

Meu coração pulsava tão fortemente que parecia querer fugir dali para não mais sofrer.

Os animais fugiam, pressentindo o perigo que corriam.

Alguns, mais lentos, recebiam ajuda da plateia estarrecida.

Os bombeiros, ao chegar, tentaram organizar a população que se aglomerava. Voluntários surgiram oferecendo-se em ajuda.

Foram horas a fio, tentando debelar as chamas. Helicópteros foram acionados, jorrando grandes quantidades de água, assim facilitando o trabalho e aumentando a segurança dos bombeiros em solo.

O cansaço me venceu e eu voltei para a pousada onde estava hospedada. O banho morno aliviou um pouco minha tensão, amortecendo um pouco os músculos do meu pescoço que teimavam em permanecer no controle, como se isso fosse possível.

Naquela noite custei a dormir. Tive a dimensão da minha pequenez e da impotência humana diante das forças da natureza.  

ANIVERSÁRIOS

 

ANGELA MARIA FERREIRA DE BARROS GOMES

14/01

DÓRIS THEREZINHA  STRANELI ALBERO

20/01

SUZANA DA CUNHA LIMA

23/01

LEDICE PEREIRA

24/01

ANA MARIA PINTO

21/02

OSWALDO ROMANO

04/04

MARIO AUGUSTO M. PINTO

23/04

ISES A. ABRAHAMSOHN

28/04

MARIA VERÔNICA AZEVEDO

13/03

OSWALDO LOPES

29/05

PAULO A. ABRAHAMSOHN

03/06

ANA MARIA MARUGGI

26/07

SILVIA HELENA DE ÁVILA BALLARATI

29/07

MARIA AMÉLIA FAVALE

21/08

SERGIO DALLA VECCHIA

21/08

ANTONIA MARCHESIN GONÇALVES

24/08

FERNANDO BRAGA

16/09

MARIA LUIZA C. MALINA

01/10

JOSÉ VICENTE J. CAMARGO

01/10

CARLOS CEDANO

19/11

Incêndio - Ises A. Abrahamsohn

 


Incêndio

Ises A. Abrahamsohn

 

Meu pai comprara a chácara para escapar da cidade grande. Quando vi, não quis dizer nada mas achei que ele tinha feito mau negócio. Próxima à estrada principal, isso era. E, de carro, apenas cinquenta minutos do apartamento. E, já havia uma casa construída com dois dormitórios, sala, cozinha, banheiro e varanda. E... E aí se esgotavam as vantagens da chácara.

Da entrada, o terreno descia em declive acentuado por uns 60 metros até atingir a área plana onde ficava a casa. O caminho de terra batida com algum pedregulho não resistiria às chuvas. Atrás da casa o terreno se estendia até um denso emaranhado de bambus que assinalava a divisa com o sítio do vizinho. Vizinho problema, esse sujeito. Já se sabia, na região. Tinha uma área várias vezes maior e, como muitos sitiantes da região, usava o fogo para eliminar as pragas do chão e limpar o solo para plantar milho. Era prática comum na lavoura, apesar de há tempo condenada pelos agrônomos além de difícil controle. 

Estávamos na época da seca na região central do Brasil. A vegetação típica do cerrado já bem seca. Quem não conhece o cerrado e olha aquela secura acha que a terra é infértil. A vegetação rasteira esturricada por dois meses ou mais sem uma gota d’ água. Sobram apenas arbustos, a maioria seca e despida de folhagem. Apenas as árvores de porte resistem.

Porém basta a primeira chuva em setembro, e as raízes dormentes brotam em velocidade espantosa. O verde se espalha pelo chão, cobre os galhos áridos, e explodem as flores nas frutíferas típicas do cerrado. Mangaba, cajá-manga, goiaba, cajuzinho...

Meu pai mostrava com orgulho as arvorezinhas do pomar atrás da casa que plantara há um ano. Em volta de cada muda a terra coberta com cascas para diminuir a evaporação e a cada semana ele as regava com água do poço.

Plantei com um metro, agora já chegaram a quase dois. Mais um mês, com a chuva, já vão florescer, dizia entusiasmado. E fiz um aceiro lá no fundo na divisa com o vizinho. Dá que ele bota de novo fogo no mato! O  vizinho do outro lado já foi falar com ele. Aí, eu também fui, e ele disse que este ano não iria semear milho perto do nosso lado.

Fui dormir pensando no tal vizinho bronco.

Acordei no meio da noite ouvindo uns estalos que a princípio não identifiquei. Depois senti cheiro de fumaça. Abri a porta da cozinha e vi o fogaréu no bambuzal e o fogo avançando em labaredas e a fumaça sobre o pomar. Meu pai com uma toalha enrolada no rosto tentava com a mangueira curta conter o avanço das chamas pelo mato rasteiro. Mas as fagulhas endiabradas alcançavam mais e mais áreas do pomar.

Chamei meu pai, mas ele não ouvia. Só tentava salvar as suas pequenas árvores. O calor era intenso. Afinal me protegi com uma toalha molhada e o puxei dali. Na casa ajudei-o a vestir-se, por cima do pijama mesmo, coloquei-o no carro  e alcançamos o portão de entrada. Parei o carro, e por um minuto, vimos lá embaixo as chamas chegando até a casa. Meu pai não falou nada. Raiva e tristeza desciam em lágrimas pelo rosto manchado de fuligem. Também fiquei calada. O que dizer? Dizer o quê? Acontece... Aconteceu...



INCÊNDIO - Sergio Dalla Vecchia

 





INCÊNDIO

Sergio Dalla Vecchia

 

 

Chama brota do nada

Chama cresce lindeira

Chama sai desvairada

Chama invade capoeira.

 

Vento sopra ar quente

Vento ruma para sopé

Vento tange crescente

Vento morro acima já é.

 

Labaredas estalam mato

Labaredas chicoteiam o ar

Labaredas querem tanto

Labaredas ao céu chegar!

O canivete desvairado - Ises A. Abrahamsohn

 


O canivete desvairado

Ises A. Abrahamsohn

 

Quando o delegado Otacílo prendeu Janjão, o povoado todo até que ficou com pena do ladrão. Ladrãozinho de ocasião, só se aproveitava de janelas ou portas destrancadas para surrupiar algum trocado ou carteira esquecidos. Dessa vez tinha ameaçado a vítima com um canivete. Tentou explicar ao delegado que o canivete tinha vida própria. Quando o achou à beira da estrada parecia apenas uma inocente faca caída do bolso de alguém. Janjão levantou o objeto com cuidado e testou a mola. A faca saltou reluzente, ameaçadora. A luz refletida chegou aos olhos de Janjão cegando-o por instantes. Foi nesse momento que o rapaz percebeu que aquele não era um canivete qualquer. Ao empurrar a lâmina de volta à bainha, em vez do clic, ouviu um som estridente.

Parecia uivo de cachorro do mato , seu delegado. Me deu uma tremura.... Quis jogar a faca no milharal, mas a maldita grudou na minha mão.

Dali em diante o canivete dominou Janjão. Era um objeto insaciável. O ladrão o sentia vibrar no bolso, de onde saltava para a mão e se abria para ameaçar algum transeunte com quem cruzasse. O rapaz passou a evitar a cidade com medo da sanha da malévola arma. Assaltou duas vítimas na estrada que não entenderam nada quando gritou avisando para que corressem do assalto.

Ao delegado Otacílio o objeto era absolutamente inocente. Ainda comentou, ao deixar Janjão na cadeia local que, como qualquer arma, dependia do uso que dela se fizesse. Ao sair avisou o policial que levaria a arma para casa para investigar a procedência.

Foi dormir tarde e deixou o canivete no criado mudo. Acordou de madrugada. No escuro a arma vibrava irradiando uma luz azulada intensa hipnótica, convidando que a pegassem. Ainda por uns minutos achou que sonhava, porém, incomodado, levantou-se para guardar a arma no armário da sala. O canivete, pressentindo o perigo humano, abriu a lâmina, saltou e voou certeiro até o tórax do delegado Otacílio.

O corpo foi achado no dia seguinte, ao lado da cama, com o canivete cravado no peito ensanguentado.

Janjão comentou:

Bem que eu avisei! Mas o doutor não acreditou que era um canivete insaciável.