Juca e Chico
Mais
uma história do Zé Osvaldo
Fernando Braga
Quarentena
em plena ação, há quase dois meses. Em casa, aproveitamos para ler, ouvir boa
música, ver filmes na TV e as notícias tumultuadas sobre o Covid-19, e de nossa
política. Ao lado disto, um bom tempo para meditar, lembrar de coisas passadas
que guardamos no baú de nossa memória.
Hoje,
sentado em minha poltrona, tranquilo, não sei por que, lembrei-me de um livro
infantil que eu e minha irmãzinha, já falecida, chegamos a decorar de tanto que
o lemos. Era feito em ritmo de poesia, assim:
-Não
há conta as aventuras, as peças, as travessuras, destes dois endiabrados. Um
é Juca, o outro Chico, põem toda gente maluca, não querem
ouvir conselhos, estes travessos fedelhos...
Aí
me lembrei, que há bom tempo não tenho ouvido falar de dois
grandes amigos, o Zé Osvaldo e o Oswaldo José. Os dois, famosos neurocirurgiões,
profissionais éticos, capacitados, acima da média, que trabalharam na mesma
universidade federal, onde se formaram. Seguiram a vida universitária, com desempenho
bem ativo, grande produção científica e mãos cirúrgicas de primeira. Com nomes
invertidos distinguiam-se em um ponto. Zé Oswaldo era um gozador de primeira,
“that liked to tease” em inglês, que não perdia a chance de inventar histórias,
que os outros acreditavam, mas que não passavam de um “Primeiro de Abril”. Seus
colegas, amigos e mesmo parentes ficavam desconcertados. Embora todos soubessem
desta característica, sempre caiam em sua rede. Entretanto, não deixavam de
admirá-lo.
Oswaldo
José, por outro lado era sério, detestava gozações e era o tipo certinho,
também muito admirado.
Agora,
falando exclusivamente de Zé Osvaldo!
Desde
estudante, aprontava das suas. Andava com uma bolinha de papel, de uns quatro
centímetros, com conteúdo de serragem em seu interior e presa por um fio
elástico cumprido e fino. Daquelas coloridas, que se encontravam para vender em
livrarias, shoppings e com as quais todos se divertiam, jogando-a uns contra os
outros. Ele, com alguém andando em sua frente, jogava a bolinha sobre a perna
ou sapato da pessoa, imediatamente a recolhendo pelo elástico e passava reto ao
lado, sem olhar para trás. O sujeito parava e ficava olhando para o chão, com a
certeza de que tinha caído algo de sua mão ou bolso!
Ainda residente da Neurocirurgia, inventou uma
boa.
Os
residentes do Hospital tinham seu dormitório no primeiro andar e abaixo, no térreo ficava o grande
e comprido setor do RX, cujas paredes eram chumbadas, para evitar a saída dos
raios gama para fora. Um dia, ele subiu ao Laboratório e conseguiu com um
amigo, que lá trabalhava, uma folha de resultado de exame. Na máquina de
escrever, colocou o resultado de um exame de sangue dele próprio, onde mostrava
uma grande alteração no número de glóbulos vermelhos e brancos, uma
agranulocitose, certamente produzida pelo escape dos raios pelo teto, atingindo
os quartos dos residentes. Com o resultado falso nas mãos, mostrando enorme
preocupação, entregou-o aos colegas que dormiam no mesmo andar, advertindo
sobre o grande risco que corriam, provocando um enorme rebuliço entre eles. No
mesmo dia, bem preocupados, lá estavam mais de 30 residentes no laboratório
para fazerem o mesmo exame. O chefe do laboratório, o famoso Dr. Joãozinho, que
era bravo, se assustou! Não encontrando o registro de tal exame, ninguém
sabendo explicar quem o havia feito, assinado o resultado, desconfiaram e chegaram
ao autor da proeza, com o pedido de sua expulsão da residência. Com a ajuda de
seu chefe, que já o conhecia bem e “morreu de rir”, conseguiu safar-se e até
ficou famoso na Escola!
Zé
Osvaldo foi galgando posições acadêmicas, fez o doutoramento, doutorado, livre
docência e finalmente tornou-se o professor titular da disciplina por concurso. Professores titulares de Neurocirurgia eram
poucos no Brasil, em menor número que os próprios ministros do governo federal.
Sempre que havia um concurso de doutorado, livre docência e mesmo para
professor titular de Neurocirurgia no país, o Zé Osvaldo era convidado como
participante da banca examinadora.
Certa
ocasião foi convidado para examinar o concurso para professor titular da
Universidade de Brasília. Eram seis examinadores, o presidente da banca, dois
examinadores da própria faculdade e três examinadores de fora, de outras
universidades do país. Evidentemente, todos professores titulares!
Entre
os três de fora estava ele, o Prof. AA do Rio e o Prof. BB, de Curitiba. No dia
anterior, fez seu consultório à tarde e por volta das 18,00 horas pegou o avião
em Congonhas, para Brasília. Chegando à capital, lá estava um carro da
faculdade esperando para conduzi-lo à Universidade. Iriam jantar e depois,
conduzidos a seus aposentos dentro da própria universidade. O concurso tomaria todo
o dia seguinte.
Os
aposentos para os professores estavam lotados, pois mais dois ou três concursos
seriam realizados na mesma ocasião. Restavam apenas três quartos. Como Zé
Osvaldo atrasou-se um pouco, conversando com outros colegas, quando chegou,
restava apenas um quarto pequeno, estreito, sem janela, banheiro localizado no
final do corredor. Os outros dois ficaram em quartos bem superiores, suítes.
Encontrando-se novamente, foi aquela gozação ao visitarem o quarto, onde
ficaria o Zé Osvaldo!
No
dia seguinte, já engravatados, se encontraram para o café da manhã. A gozação
continuou:
— Como
é? Dormiu bem? Não tinha baratas, percevejos no quarto? Você tomou um bom
banho? E por aí foi.
Certo
momento, Zé Osvaldo disse:
— Veja
que sorte a minha! Pela manhã, ao pegar meus sapatos debaixo da cama, vejam o
que encontrei.
Mostrou
um pacotinho branco, fechado e abrindo-o havia um maço de notas de 100 dólares,
presos com um elástico. Disse que contou as notas e havia 5.000 dólares!
Um
silêncio abismal pairou entre eles. Zé Osvaldo perguntou:
— Que
faço agora? Alguém que lá dormiu antes, devia tê-lo perdido!
Imediatamente
o AA enfatizou:
—
Acho que devia devolvê-lo na secretaria. Certamente eles vão encontrar o dono!
O
outro colega imediatamente denodou dizendo:
—
É o certo! Eu faria isto!
Zé Osvaldo encarou a ambos e disse:
—
Vocês acham isto? Vamos pensar melhor!
—
Se entregar a gaita na secretaria, não encontrando o dono, certamente vão
embolsá-lo.
Saíram
para o concurso e no intervalo para o café, os dois se aproximaram de Zé
Osvaldo e perguntaram:
—
Como é? Já decidiu o que fazer com a gaita?
—
Vocês comentaram isto com alguém?
—
Não! É claro que não!
Zé
Osvaldo olhando fixamente nos olhos de ambos, disse:
—
Estive pensando! E se nós dividíssemos, dando 1600 dólares para cada um? Eu
ficaria com 1800, porque eu o achei! Novamente um silêncio sepulcral entre
eles.
Se
entreolharam e em sinal afirmativo, retrucaram:
—
Ok. Concordamos, mas boca de siri! Isto vai ficar somente entre nós! Agora, vamos
dar uma voltinha para dividirmos a gaita.
Zé
Osvaldo disse:
— Vamos
fazer isto mais tarde, talvez no aeroporto. OK?
— Já
estão entrando na sala para continuar o concurso.
Não
se falou mais no assunto e durante o almoço, os três foram alvos de muitos
agradecimentos, por terem se deslocado de tão longe. Zé Osvaldo via os dois, que se sentaram
juntos, cochichando e olhando de soslaio! Talvez pensassem: Será que ele vai
nos dar o cano?
Terminando
o concurso, o candidato aprovado, houve alegria geral, muitos cumprimentos,
abraços, regozijos pela presença de um titular de Neurocirurgia, agora na
Universidade de Brasília!!!
Pegando
suas malas depositadas na secretaria, tomaram a van, que os levou ao aeroporto.
La
chegando, após confirmarem suas passagens, sentaram-se os três, com Zé Osvaldo
no meio.
Entreolharam-se.
AA foi o primeiro a se manifestar:
—
Vamos lá?
—
Lá aonde?
—
Ora, dividir a bufunfa, conforme ficamos acertados!
— Vamos
tomar um café naquela confeitaria, disse Zé.
Sentaram-se
em uma pequena mesa, pediram três cafés e dirigindo-se ao garçom, Zé Osvaldo
pediu que trouxesse duas bananas nanicas. O BB gozou:
— Você
ainda está com fome?
— Vamos
logo resolver nosso negócio!
— Tudo
bem! Vamos lá!
Zé
Osvaldo enfiou a mão no bolso da calça, com os dois avidamente seguindo seu
gesto e retirou um papel dobrado que mostrou a ambos. O papel mostrava uma
cópia de um recibo de 5000 dólares que Zé Osvaldo havia entregado a um cliente,
que na tarde anterior viera acertar a conta de sua operação. Naquela época,
década de 80, a inflação atingiu 80, 85% mensalmente e para se proteger, muitos
médicos acertavam seus honorários em dólares.
Zé
Osvaldo deu uma enorme gargalhada, entregou uma banana nanica para cada um e
completou:
—
Deixa que eu pago o cafezinho!
Sem
comentários! Conheceram o Zé Osvaldo?!
Eta quarentena braba!!!
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