O Enigma do Sorriso - José Vicente Camargo




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O Enigma do Sorriso
José Vicente Camargo


E a corda se soltou! O sol da tarde foi se esvaindo e em menos de cinco segundos tudo escureceu...

Contorcido no chão duro e frio do quintal, sua última visão foi o pé de Jaboticaba que ele mesmo plantou, viu crescer e agora lhe serviu de apoio fatídico. Apoiada no galho, a outra ponta da corda ainda balançava. Tudo certinho conforme planejara. O nó, propositadamente frágil, abriu-se para que não expusesse seu corpo dependurado pela angustia a visão de terceiros. Sua alma, agora desprendida do corpo inerte, voa para lá do tempo onde tudo começou...  

Era férias de verão na universidade. Como nos anos anteriores, foi passar esse período na casa de praia da família do melhor amigo desde os tempos da calça curta, da curiosidade da puberdade e da rebeldia da juventude. Local paradisíaco abalroado de belezas naturais que tonteavam a vista na escolha do melhor ângulo para a câmara ansiosa. Seu jardim verde-musgo “pé na areia” contrastava com o branco da espuma das ondas quando invadido nas horas de marés cheias.

Dado a frequência das estadias e o aconchego da família hospedeira, se sentia em casa. Mesmo assim, seu instinto observador e atlético o excitava para a aventura exploratória sempre que descobria no cenário deslumbrante uma pincelada desconhecida, contornando assim a rotina do dia a dia.

Ela, ao contrário, chegou naquele ambiente como uma marinheira de primeira viagem, pisando no escuro a procura da porta de escape. Mas, compensando sua insegurança, trazia consigo algo além da humana admiração. Um sorriso enigmático de dentes tão alvos como nuvens de verão emoldurando um par perfeito de lábios cor de rosa fresca. Sobressaindo nesse conjunto harmonioso, um par de olhos verdes. Meu assombro de surpresa juntou com os dos demais familiares e a atração emergida a acolheu com um abraço na mesma intensidade em sentido contrário fechando-lhe a porta de escape. Era amiga da irmã do meu amigo e logo emparelhou comigo na atenção de todos.

Cada dia passado ia me aprisionando mais ao seu sorriso e à atração que dele emanava, instigando-me a conhecê-lo. Em poucos dias tornamo-nos dois imãs que não conseguiam se separar pelas próprias forças. Sugávamo-nos avidamente, porém não conseguia sentir o seu amálgama dentro de mim, pois negava revelar seu lado pessoal. Continuava um enigma!

Com a pressa que veio, as férias se foram. O ar sem sua presença me asfixiava e o tempo, na sua pressa inabalável, tornou-se meu pior inimigo modificando aquela situação de gozo por outra realidade com novos acontecimentos, fatos e convívios.

Meu amigo e irmã se formaram, assim como eu, e foram exercer suas profissões no exterior cortando-me o único elo que me unia a ela. Sem sucesso, os indaguei várias vezes sobre seu paradeiro recebendo a mesma resposta vaga que segundo terceiros, foi exercer seus conhecimentos antropológicos em algum esconderijo tribal na Amazônia, sem possibilidade de contato. Me sobrou a angústia crescente cada vez que deparava com um vestígio tímido de seu sorriso branco, com a imagem retocada de uma praia qualquer o jardim “pé na areia” passou de mãos e os pais do amigo preferiram o isolamento do campo ou com um par de olhos verdes indiferentes.

Essa angústia crescente transformou-se em alcoolismo, desempregado e solidão social, até que um WhatsApp do meu amigo decidiu meu destino. Secamente informou que recebeu via “pinga-pinga” a notícia que ela falecera lutando em prol da demarcação de uma área indígena. Fora enterrada incógnita numa cova comum embaixo de um pé de jacarandá-rosa. Os índios a chamavam de “cunhã-suassuarana” – mulher borboleta – por suas multicores, beleza e voo de rumo incógnito com altos, baixos e curvas inesperadas.

O amálgama de seus beijos voltou-me à boca, vomitou minha alma e pôs em prática o plano que já vinha matutando esperando a coragem chegar...



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