O
vizinho pescador
Ises de Almeida Abrahamsohn
Nossa família morou
durante muitos anos em Iguape. Meu pai tinha uma fazendola de bananas não longe
da cidade. Nós morávamos em uma casa modesta de frente para o mar. Meus pais,
eu e meu irmão Eduardo apenas dois anos mais velho. Não tínhamos TV, apenas rádio que minha mãe escutava o dia inteiro. Meu pai tinha uma razoável
biblioteca de obras de ficção comprada quando ia a Santos. Todas as noites
ouvíamos o noticiário nacional e internacional e depois meu pai ligava na rádio
Gazeta que transmitia música clássica. Nós garotos fazíamos a lição, ou líamos
ou jogávamos no quarto algum jogo de tabuleiro sem fazer barulho. Às nove e
meia da noite já estávamos na cama para acordar às seis e meia. A escola
pública ficava no centro da cidade a uns quinhentos metros de nossa casa. Era
uma boa caminhada de manhã e de volta ao meio dia. A nossa diversão era jogar
bola ou taco na praia com colegas e pescar. Naqueles anos da década de 1950
eram poucas as casas como a nossa de frente ao mar. A maioria era apenas de
veraneio eram raros os moradores ao longo da praia. Não havia vizinhos da nossa
idade. O nosso vizinho mais próximo era um homem já de idade, careca que morava
sozinho e passava a maior parte do tempo pescando. Bem cedo de manhã ele
palmilhava a praia escavando a areia para catar corruptos e tatuís para usar
como isca. E o velho era um bom pescador. Nós garotos de longe víamos com
inveja ele içar pampos, corvinas e até tainhas na época desses peixes.
Um
dia Eduardo armou-se de coragem e foi falar com o vizinho. Ele falava uma
mistura de português com espanhol com forte sotaque de alguma outra língua. Nos
explicou como conseguir as melhores iscas e a melhorar nossas carretilhas e
varas de pesca. Creio que falamos com ele uma duas ou três vezes e depois
apenas um aceno ou bom dia quando cruzávamos na praia.
Quando meu irmão completou
o então chamado ginásio, meu pai o enviou para Santos para fazer o curso
científico. Ele ia morar com nossa tia
que era professora de história na mesma escola. Eduardo vinha para casa nos
feriados prolongados e nas férias de julho. Numa dessas ocasiões fomos pescar
e, ao ver de longe o vizinho pescador, meu irmão com ares misteriosos disse
talvez conhecer a identidade do homem. Nas aulas de história havia aprendido
sobre o nazismo e como os criminosos haviam conseguido escapar e se refugiado
no Paraguai, Argentina e mesmo no Brasil. Fiquei muito impressionado mas achei
que Eduardo por adorar histórias de
mistério tinha inventado essa para me impressionar. À noite ao jantar contei
ao meu pai que, surpreendentemente, deu crédito à hipótese de meu irmão. Apenas
disse: ─ Não se metam
vocês com o homem ou a investigar.
Alguns meses depois lemos no jornal
que um criminoso de guerra foi finalmente apanhado devido a uma denúncia
anônima de um morador da cidade de Iguape. Meu pai nunca nos falou se foi ele o
denunciante. Mas nós sempre acreditamos que foi a contribuição dele à justiça
terrena.
Nenhum comentário:
Postar um comentário