DILEMA - Sérgio Dalla Vecchia

 


DILEMA

Sérgio Dalla Vecchia

 

O relógio retrô da sala de jantar já havia tocado as doze badaladas, anunciando o falecimento do dia e brindando o nascimento de um novo. Acomodado na cama, eu acabara de assistir ao último telejornal do dia. Desliguei a luz do quarto e comecei a dialogar com o sono. Ele era difícil de conversar, mas, após algum tempo, acabava cedendo-me o prazer de dormir.

Ainda no primeiro estágio do sono, meus ouvidos captaram ruídos no andar térreo do sobrado. Logo passei para o modo alerta: respiração acentuada, ritmo cardíaco aquecendo-se para receber a adrenalina.

Daí a pouco, outro ruído — agora mais intenso — parecia que alguém estava mexendo em utensílios da casa.

Mais adrenalina, e o cérebro ordenou que eu pegasse uma arma.

Obedeci na hora. Com um porrete em punho, desci à caça dos ruídos misteriosos.

Pé ante pé, fui descendo cada degrau como se fossem feitos de ovos, acompanhado de um silêncio momentâneo, até chegar ao piso térreo. Nada!

Andei mais um pouco. Ouvi um barulho — e não um ruído. Coração a mil, dedo no gatilho... e lá estava ele: o assaltante!

Era o gato do vizinho! O boêmio que, além de pegar as gatas da região, ainda tinha tempo para bisbilhotar minha cozinha atrás de comida.

Quando me percebeu, fixou seus olhos felinos bem no porrete, depois os desviou para mim, exibindo os dentes afiados daquela boca escancarada. Eu não distinguia se era ataque ou conversa! Na dúvida, pró réu. Mantive-me estático, aguardando a reação do bichano.

De repente, manifestou-se com um miado desesperado: "Miauuu!" E veio em minha direção. Eu, ainda imóvel, o vi enroscar-se nas minhas pernas, carinhosamente, como se estivesse pedindo desculpas.

Assim, tomei uma atitude drástica: abri a geladeira e servi uma generosa porção de leite para o boêmio arrependido.

Dos males, o menor!

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